Monde Diplomatique
Novembro 2004
A história das relações entre Timor Leste e Austrália inclui violação de resoluções da ONU, desrespeito a fronteiras e espoliação dos principais recursos naturais do país
Jean-Pierre Catry
Em um relatório publicado em maio de 2004, o secretário geral da ONU, Kofi Annan, assinala que “as receitas reduzidas e a pobreza generalizada continuam a impor graves restrições ao desenvolvimento social e econômico” do Timor Leste. A exploração de recursos potenciais – petróleo e gás – do mar do Timor “se concretiza muito mais lentamente que o previsto1”. Tomando por base esses recursos potenciais, a comunidade internacional desaconselha o Timor Leste a pedir empréstimos desnecessários caso a Austrália, o país mais rico da região, pare de se apropriar do seu bem.
Em 1972 a Austrália negocia com a Indonésia a partilha do mar que separa os dois países. Uma das normas em vigor na época, para fixar as fronteiras marítimas, privilegiava a plataforma continental2. Portanto, a parte do leão – 85% – ficava com a Austrália, deixando apenas 15% para a Indonésia. Portugal, de quem o Timor era colônia, recusa esta solução e a delimitação da fronteira entre a Austrália e Timor espera um acordo. Esta zona foi chamada “Timor- Gap”.
Em 1975, quando deixa de ser colônia de Portugal, o Timor é invadido e anexado pela Indonésia. O Embaixador australiano em Jacarta, Richard Woolcott, envia então, ao seu governo, um telegrama confidencial, revelado mais tarde: “Chegar a um acordo para fechar o ‘gap’ atual na fronteira marítima poderá ser mais fácil com a Indonésia do que com Portugal ou com o Timor Leste independente”.
Negociação e espoliação
A Assembléia Geral e o Conselho de Segurança das Nações Unidas condenam a invasão pela a Indonésia. A Austrália espera que os protestos diminuam para começar, em 1979, as negociações com os ocupantes. Enquanto isso, o critério de 200 milhas de zona marítima exclusiva se fortalece no plano internacional e quando o mar que separa dois países não atinge 400 milhas, é a linha mediana que determina a fronteira. Em 1981, a Austrália aceita esse critério para partilhar as zonas de pesca com a Indonésia, mas a rejeita para os recursos do fundo do mar.
Em 1982, a “linha mediana” é consagrada pela Convenção das Nações Unidas como referência para o direito à exploração das águas marinhas. Ela entra em vigor em 1994, após ter sido ratificada por 60 países. A Indonésia não espera o prazo, que aliás lhe será favorável, e assina em 1989 um tratado cedendo grande parte dos recursos do Timor à Austrália. Em troca, a Austrália reconhecia “de jure” a soberania da Indonésia sobre o Timor Leste. Esse reconhecimento violava as resoluções da ONU.
Portugal processa (1991-1995) a Austrália na Corte Internacional de Justiça de Haia (CIJ). Na ausência de uma das partes – a Indonésia não reconhece a jurisdição da CIJ –, o Tribunal se declara incompetente, mas adverte a Austrália que o tratado não envolve o Timor Leste caso ele se torne independente. O gap desenhado pela a Austrália e a Indonésia no tratado de 1989 define uma zona de cooperação (ZOCA) na qual a maior parte da renda (royalties) seria dividida em partes iguais entre os dois governos. Ora, segundo a linha mediana, de acordo com os tratados internacionais, essas rendas deveriam pertencer ao Timor Leste. E o mais inacreditável é o fato de os interesses do Timor serem também violados nas definições laterais da ZOCA que deixam de lado as jazidas de Laminaria/Corralina, na região oeste, e 80% da Greater Sunrise, na região leste.
Independência e problemas
Em 1998, a queda do presidente Suharto na Indonésia abre a possibilidade de uma possível independência. Nesta hipótese, o conceito jurídico de Estado sucessor será determinante. Se o Timor passar a ser o sucessor da Indonésia, herda os direitos de um tratado que não pôde negociar. Por outro lado, se o tratado é reconhecido como inválido, como fez a CIJ por antecipação, tudo pode ser renegociado, inclusive as fronteiras.
O presidente Xanana Gusmão e o primeiro Ministro Mari Alkatiri declaram sua firme vontade de renegociar a fronteira marítima. Em janeiro de 2000, a Administração transitória das Nações Unidas (Atnuto) faz um acordo entre o governo australiano e os representantes do Timor Leste. O Timor não será o Estado sucessor: “Nós não queríamos legitimar o que era ilegal3”. Os termos do tratado de 1989, poderiam portanto ser renegociados quando o Timor fosse independente.
Após 24 anos de resistência à ocupação da Indonésia, depois de um referendum organizado pela Organização das Nações Unidas (ONU), o Timor Leste conquista sua independência em 19 de maio de 2002. Antes da retirada, os militares indonésios e as milícias destruíram 75% da infra-estrutura. O país é independente, mas é o mais pobre da Ásia. Entretanto, diversos consórcios de companhias petrolíferas (os mais conhecidos eram dirigidos pela ConocoPhilipps e pela Woodside) exigem um acordo urgente sobre a jazida de Bayu-Undan, localizada na ZOCA, para continuar investindo na sua exploração. Os países que enviavam ajuda ao novo país pressionam também o Timor porque a renda prevista, mesmo que 50% ficassem com a Austrália, permitiria reduzir a ajuda a partir de 2005.
Generosidade discutível
Apesar das declarações de aparente generosidade, o governo australiano tenta sobretudo convencer os timorenses que eles podem perder tudo se exigirem muito. “Nós não sabemos se as negociações vão chegar a 60% ou 40% ou 50%, mas não nos recusamos discutir este ponto”, declara Daryl Manzie, ministro australiano dos Territórios do Norte, na reunião da Asia Pacific Petroleum Conference, em setembro de 2000. E fala também que as reservas de gás de Bayu-undan não são vitais para a Austrália – que, por sinal, possui dez vezes mais que isso fora desta zona4. A Austrália poderia, portanto, explorar outras jazidas se os timorenses não aceitassem suas condições. E M. Downer ameaça: as mudanças na partilha dos royaties “terão um efeito sobre todo o programa de ajuda australiana ao Timor leste5”.
Apoiando os timorenses, Peter Galbraight, responsável por essa questão na ATNUTO, ameaça recorrer ao CIJ para que Canberra ceda 90% dos royaties de Bayu-Undan. Além dos 10% restantes, a Austrália lucraria com as infra-estruturas de transformação e exportação do gás situadas em Darwin e os empregos a elas associados. Os dirigentes timorenses, por sua vez, aceitam essa partilha porque 90% dos royaties de Bayu-Undan representam aproximadamente 100 milhões de dólares anuais durante vinte anos, uma soma significativa para o novo país, cujo orçamento era então de 75 milhões (dos quais 40% provenientes de ajuda internacional). Um orçamento modesto6, cerca de 94 dólares por habitante, posto que quase tudo estava por fazer, seja na infra-estrutura de base, na comunicação, na educação e na saúde.
Entretanto, o acordo de 90% só se aplicava à jazida de Bayu-Undan, situada na ZOCA, que passa a ser chamada de Joint Petroleum Development Area (JPDA). Nada muda para as jazidas de Laminaria/Corralina, na região Oeste – exploradas unilateralmente pela Austrália, e que fornecem 150 mil barris por dia – e para a Greater Sunrise, na região Leste. Essas jazidas multiplicariam por três as reservas do Timor Leste se as fronteiras fossem reavaliadas de acordo com a reivindicação dos timorenses, considerada juridicamente fundamentada pela maioria dos especialistas. A Austrália não deixa por menos e pretende para a região a condição de plataforma continental.
A lei do mais forte
Apesar de proclamarem seu direito absoluto, os australianos mostram pelos seus atos que até mesmo eles não acreditam nisso: em 2000, William Campbell, diretor do Escritório Internacional de Leis, do Ministério da Justiça, se declarava favorável a um acordo negociável e contra a uma solução judiciária na qual “os Estados perdem o controle7” das negociações e do seu resultado. Em março de 2002, dois meses antes da independência do Timor Leste, o governo australiano se retira da jurisdição do TIJ, recusando a arbitragem do Tribunal Internacional de Direito Sobre o Mar, cuja sede é em Hamburgo. Eliminado o recurso aos tribunais, resta apenas a lei do mais forte.
Depois da independência do Timor, o governo australiano levou 18 meses para responder ao pedido do governo do Timor para as negociações sobre fronteiras e retardou a primeira sessão até abril de 2004. Os timorenses exigiam reuniões mensais. Sob o pretexto de falta de tempo, a Austrália embolsa, nesse período, 1 milhão de dólares por dia proveniente de Laminaria/ Corralina. As companhias petrolíferas reclamam um acordo antes do fim de 2004 para investir na exploração de Greater Sunrise. Situada a 95 milhas da ilha de Timor e a 250 milhas da Austrália, e no lado timorense da linha mediana, essa jazida está na fronteira leste da JPDA e deve ser explorada em comum. Sem renegociação das fronteiras, a Austrália permanece a única beneficiária de 80% das jazidas que se encontram fora da JPDA e os timorenses têm direito apenas a 90% do restante; ou seja, 18% do total.
Na véspera da reunião dos países que fornecem ajuda ao país, em abril de 2004, Gusmão, exasperado, apela à opinião pública: “Se o vizinho, grande, poderoso nos rouba o dinheiro destinado a pagar nossos empréstimos, ficaremos endividados. Seremos mais um país na lista dos endividados do mundo inteiro!”
Contra tudo e todos
Mostrando-se ofendido, Downer acusa os timorenses de lançar um estigma sobre a imagem da Austrália; e relembra a generosidade de Canberra, que cedeu 90% dos royalties [de Bayu–Undan] e gastou 170 milhões de dólares em diferentes formas de ajuda. A seção australiana da ONG Oxfam calcula que, durante esse período, a exploração da Laminaria/Corralina rendeu mais de 1 bilhão de dólares para a Austrália!
Reagrupados na Timor Sea Justice Compaign, os australianos sugeriram que a renda das zonas contestadas seja depositada nas contas bloqueadas para ser partilhada quando as novas fronteiras forem estabelecidas. Seu governo faz ouvidos moucos, aliás como faz aos apelos da Igreja e como já fez ante o relatório da Comissão de Negócios Estrangeiros, Defesa e Comércio do Senado australiano. Em dezembro de 2000, o Senado sugeriu que “agindo de maneira honrada e levando em conta a lei internacional atual, o governo australiano pode não só ganhar a compreensão do Timor leste mas também de outros países e fornecer ao Timor uma base econômica necessária para reduzir sua dependência da ajuda exterior”.
Embora as companhias petrolíferas anunciem que renunciariam investir em Greater Sunrise se a Austrália e o Timor não chegarem a um acordo antes do fim de 2004, o Parlamento timorense se recusa a ratificar o acordo se a Austrália não se comprometer a resolver a questão das fronteiras no prazo de cinco anos.
Soberania, questão central
Esse debate tomou conta da Austrália com a aproximação das eleições legislativas de 9 de outubro: o Partido Trabalhista condena o governo de coalizão – formado pelo Liberal Party e o National Party – por agir sem habilidade nas negociações com o Timor Leste e pelo fato do seu líder Mark Latham ter prometido a retomada das negociações quando fosse eleito. Sentindo-se obrigado a retomar a iniciativa, Downer convida então Jose Gomes Horta, Prêmio Nobel da Paz em 1996 e atual ministro das Relações Exteriores do Timor Leste, para debater a questão no plano político. Finalmente, apesar de uma pesquisa de opinião apontar que uma grande proporção de australianos não aceita o fato de o partido recusar a arbitragem da CIJ, o partido liberal obteve nova vitória nas eleições legislativas de 9 de outubro.
Sem a Austrália, que assumiu o comando das forças internacionais da ONU em 1999, o Timor Leste não será livre, declara Ramos Horta, em maio de 2004. Ninguém pode garantir que o apoio de Canberra não será mais necessário; Dower então aproveita para dar um xeque-mate: “O Timor pode perder seu mais próximo amigo internacional8”. Em uma coletiva de imprensa, no dia 11 de agosto, os dois ministros ali presentes se mostram otimistas: uma solução provisória, que ainda deve ser aprimorada, daria mais renda aos timorenses sem mudar as fronteiras. E Downer se dá ao direito de declarar: “Para o Timor Leste a questão de soberania não é importante, mas as rendas são”. Para Ramos Horta, trata-se de ser realista, pois os tribunais estão fora de questão.
Entretanto, ele deixa bem claro que a idéia de deixar de lado a questão da soberania por dez ou vinte anos e garantir a partilha dos recursos era apenas uma questão pessoal9, pois caberá ao Parlamento timorense ratificar os acordos.
(Trad.: Celeste Marcondes)
1 Nações Unidas, s/ 2004/333, Nova York, 29 de abril de 2004.
2 - Região submarina da massa continental que se estende gradualmente em direção ao alto-mar e que pode se estender até uma profundidade de cerca de 200 metros. É nas plataformas continentais que se alcança a maior produtividade nos oceanos.
3 - Atnuto, Public Information Office, 19 de janeiro de 2000.
4 - Dow Jones Newswires, 26 de setembro de 2000.
5 - Reuters, 9 de outubro de 2000.
6 - Dow Jones Newawires, 7 de junho de 2004.
7 - Energy Asia, 24 de julho de 2000.
8 - Time, 10 de maio de 2004.
9 - Green Left Weekly, 25 de agosto de 2004.
http://diplo.uol.com.br/2004-11,a1019
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segunda-feira, outubro 30, 2006
Vizinho poderoso e espoliador
Por Malai Azul 2 à(s) 12:21
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Traduções
Todas as traduções de inglês para português (e também de francês para português) são feitas pela Margarida, que conhecemos recentemente, mas que desde sempre nos ajuda.
Obrigado pela solidariedade, Margarida!
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Mensagem inicial - 16 de Maio de 2006
"Apesar de frágil, Timor-Leste é uma jovem democracia em que acreditamos. É o país que escolhemos para viver e trabalhar. Desde dia 28 de Abril muito se tem dito sobre a situação em Timor-Leste. Boatos, rumores, alertas, declarações de países estrangeiros, inocentes ou não, têm servido para transmitir um clima de conflito e insegurança que não corresponde ao que vivemos. Vamos tentar transmitir o que se passa aqui. Não o que ouvimos dizer... "
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