quarta-feira, janeiro 07, 2009

TIMOR-LESTE:
2008: O Ano do Escangalhamento das Instituições do Estado[1]

por
Mari Alkatiri

(I Parte)

Falar de Timor-Leste, sua resistência heróica, sem falar de Xanana é, no mínimo, negar a História. Mas Xanana não teria existido sem a FRETILIN e não se teria tornado Comandante sem as FALINTIL.

Quando se fala do Xanana, deve-se falar do Xanana membro do Comité Central da FRETILIN de 1975 a 1981, Líder da FRETILIN e da Resistência e Comandante máximo das FALINTIL anos 80/90, mas também, agora, do Xanana como Presidente da República e como Primeiro Ministro de facto.

Para falar de Xanana, como homem de Estado de modo a que todos percebam é fundamental fazer-se uma muito breve retrospectiva explicativa do aparecimento desta individualidade na história da resistência de Timor-Leste.

Xanana, ex-aluno do Seminário de Dare, já nos últimos anos do colonialismo português ensaiou-se como poeta e, imitando Luís de Camões, escreveu "Os Mauberíadas". Com esta inscrição nas letras, ainda que de forma muito naïv, Xanana começou a tornar-se numa figura conhecida na pequena praça de Dili.

Em 1974, após o 25 de Abril, Xanana assitia ausente todo a movimentação política, em particular, de um grupo de jóvens para criar a ASDT (Associação Social-Democrata de Timor) . Mesmo quando esta se dissolveu para dar lugar a FRETILIN, em Setembro de 1974, Xanana continuou ausente. Posteriormente adere a FRETILIN e, juntamente com Francisco Borja da Costa, Julio Alfaro, entre outros, garante a publicação do NACROMA, voz autorizada da FRETILIN. Aqui aplica-se muito como repórter fotográfico, tendência que mais tarde procura reeditar, com a sua máquina fotográfica a tira-colo. ( Por isso, costumo brincar com Xanana dizendo que para se ser Presidente em Timor-Leste é preciso ser-se primeiro um fotógrafo mal sucedido).

Quando a 11 de Agosto de 1975 a UDT desencadeou a acção militar contra a FRETILIN, Xanana junta-se aos membros do Comité Central da FRETILIN, liderados por Nicolau Lobato, e retira-se para Balibar. No dia seguinte, a 12 de Agosto, Xanana voluntariou-se para regressar a Dili e trazer a missão de tentar estabelecer contactos com alguns Sargentos e Oficiais timorenses nas Forças Armadas Portuguesas a fim de obter deles apoio na reposição da Lei e da Ordem. Logo à chegada a cidade capital foi detectado, detido, interrogado e posto imediatamente em liberdade. Dias depois Xanana Gusmão foi preso em casa do Xavier do Amaral onde alguns membros do Comité Central da FRETILIN se encontravam concentrados. Foi levado para o Quartel da UDT, mais conhecido por "Palapaço", de onde, como resultado da contraofensiva lançada pela FRETILIN, foi liberto, juntamente com largas dezenas de membros da FRETILIN, dentre eles o conhecido Líder Vicente Reis Sa'he.

Quando as Forças de Suharto invadiram Timor-Leste, Xanana encontrava-se próximo da fronteira. Em Maio de 1977 participou na longa reunião alargada do Comité Central em Soibada onde se traçou a estratégia da Luta Popular e Prolongada. Xanana foi colocado mais tarde na Ponta Leste como adjunto do Comissário Político daquela Região.

A 31 de Dezembro de 1978 Nicolau Lobato, Presidente da FRETILIN e da República Democrática de Timor-Leste e Comandante-Chefe das FALINTIL, morre em combate. Durante os primeiros meses de 1979 outros altos dirigentes da FRETILIN e do Governo da RDTL seguiram o seu exemplo, emolando-se pela Pátria. Na região Ponta Leste estavam Xanana, Ma'Huno e Tchai como adjuntos do Comissário Político Juvenal Inácio, alias, Serakey. Serakey e Tchai também acabaram por morrer. Mais para a Região Centro Leste estava Mau Hodu e os seus companheiros sobreviventes da operação de cerco e aniquilamento lançada pelas Forças de Suharto. Antes das grandes crises, para evitar o genocídio total, a Liderança decidira ordenar a rendição das populações das zonas controladas pela FRETILIN. Em meados de 1979, as bases de apoio à guerrilha nas zonas controladas pela FRETILIN deixaram de existr. De uma forma mitigada passaram para as zonas controladas pelas Forças de Suharto. (Pois era nas aldeias estratégicas ou campos de concentração onde Xanana e outros sobreviventes foram enconrando refúgio quando eram perseguidos nas montanhas durante os longos anos de resistência). Mais de duzentas mil pessoas tinham sido mortas. As Forças ficaram reduzidas a pequenas bolsas de homens mal armados aqui e acolá.

Foi nesta situação de crise sem paralelo que Xanana se afirmou como Lider de uma nova fase de Luta. Este é o seu inegável mérito. Para todo o sempre isto deve ser reconhecido. Depois de muito esforço de localização das bolsas de resistência, em Março de 1981, convocou a Conferência Nacional da FRETILIN, conferência que estabeleu as bases para a reorganização da FRETILIN e das FALINTIL. Assim, sob a liderança de Xanana foi criado o Partido Marxista-Leninista FRETILIN, partido que foi dissolvido em 1984 por se considerar inadequado para a realidade da luta em Timor-Leste. Criou-se também o Conselho Revolucionário da Resistência Nacional, mais tarde, em 1987 transformado em Conselho Nacional de Resistência Maubere (CNRM). Em todo este processo Xanana assumiu a liderança de uma forma efectiva no terreno até 22 de Novembro de 1992, dia em que foi detido em Lahane, Dili e posteriormente julgado pelas autoridades indonésias e feito prisioneiro em Cipinang, Jakarta, até 1999. Em Abril de 1998, ainda na prisão, foi eleito Presidente do CNRT que veio a tomar o lugar do CNRM pela Convenção Nacional Constitutiva do CNRT, realizada em Peniche, Portugal. Em Maio de 1998 Suharto é derrubado, abrindo caminho para o referendum em Timor-Leste.

Dois meses após o referendum realizado a 30 Agosto de 1999, como Presidente do CNRT, Xanana regressa a Timor-Leste. Mais do que ninguém estava consciente que no país havia duas instituições que sempre se assumiram como os alicerces politico e militar da Nação – a FRETILIN e as FALINTIL. Da FRETILIN se distanciara desde Dezembro de 1987, como consequência da sua retórica política de despartidarização da Resistência. Das FALINTIL passara a ser o Comandante máximo. Na verdade, sabia com mestria continuar a explorar a lealdade de ambas as organizações para exercer o seu poder. A cumplicidade era necessária e fazia-se em torno da luta comum contra a ocupação ilegal do país. Xanana acreditava que a cumplicidade se fazia em torno de sua figura e, por isso, sempre se achou acima de tudo e de todos, mais forte que a própria FRETILIN e dono absoluto das FALINTIL..

Xanana habituou-se a ter essas duas organizações sob o seu comando e totalmente seus intrumentos no exercício do seu poder unipessoal e, na prática, proibitivo de ser questionado.

Assim, antes do acto solene de restauração da independência, conceito que recusava aceitar, Xanana dera luz verde a Sérgio Vieira de Mello para dissolver as FALINTIL, criando no seu lugar as Forças de Defesa de Timor-Leste. (Com esta dissolução podia ter-se morto um capital simbólico da Nação e cortar a cordão umbilical das Forças com à própria história da resistência). Simultâneamente fez-se a desmobilização anárquica de muitos guerrilheiros, criando com isso problemas ainda não totalmente resolvidos até hoje. Aproveitando as incongruências do Xanana, nova investida contra as FALINTIL tomou lugar e com novas formas em 2006/07 com todo o esforço para desacreditar a instituição militar, manchando a sua imagem. Diplomatas de certos países, acreditados em Dili, sentiram-se mais realizados porque acreditavam que a crise de 2006 tinha desferido o golpe de misericórdia no espérito de resistência e de patriotismo do povo de Timor-Leste. A dissolução das FALINTIL feita no período da UNTAET era já o primeiro passo para matar um capital simbólico e passar uma esponja por cima da história da Resistência. Manchar a imagem das FALINTIL, enfraquecer a FRETILIN e a sua Liderança e dividir o país faziam parte desta estratégia global de transformar Timor-Leste num país sem passado, e talvez mesmo, sem futuro soberano, era o início sem fim à vista da decapitação do país da sua Liderança histórica.

Recordo-me que no quadro da Constituinte, a questão das Forças, sua designação, bem como o princípio da restauração da independência, manutenção da bandeira, do hino, o nome do país (se Timor Loro Sa'e ou Timor-Leste), entre outros, foram profundamente questionados e debatidos. Não foi fácil fazer decisões de modo a que a história fosse reconhecida e ver-se reflectida constitucionalmente de modo a marcar a fronteira de uma identidade nacional e internacional. Mais difícil ainda foi porque o próprio Xanana, Líder da resistência, não via com muita simpatia as opções a favor desta forma de reconhecimento da história. Para ele, e alguns outros, reconhecer era igual a transformar em objecto de museu todos os capitais simbólicos. Achava que o melhor caminho para a reconciliação nacional era entregar aos histriadores o estudo da História passando os capitais simbólicos a serem simples factos, dados, elementos para este mesmo estudo. A Nação deveria renascer assente sobre um presente sem passado que, em última análise, um presente envenenado para o futuro.

Reconhecer o papel histórico e manter vivos os alicerces do patriotismo maubere era, para o Xanana, perigoso demais para continuar o tipo de liderança a que se habituara. Defendia ele que era demasiado perigoso para a democracia. Particularmente se a FRETILIN se reoganizasse, se afirmasse e ocupasse o seu lugar na vida política multipartidária do país, como na realidade aconteceu. Xanana achava que a democracia deveria significar repartir os timorenses de modo a que a Unidade nacional se fizesse em torno, talvez, da sua figura. Assim reforçava-se a sua Liderança nacional unipessoal à luz do tão conhecido conceito Comando da Luta (que fazia decisões e dava orientações a todos mesmo da sua cela em Cipinang).

Naturalmente que a FRETILIN jamais poderia aceitar continuar a apagar-se em nome de uma reconciliação em torno de valores tão abstractos e ser um instrumento nas mãos do Xanana para a prossecução desta sua política individualista. Estando ele fora da organização, sem a obrigação de respeitar a decisão dos órgãos do Partido, não fazia nenhum sentido, em tempo de democracia, pretender continuar a orientar a FRETILIN. (Recorde-se que em 2006, já como Presidete da República, Xanana tudo fez para interferir no processo de eleições para a Liderança da FRETILIN. Mas fracassou). Isto deixou o ex-Líder da Resistência muito descontente. Não podendo a FRETILIN continuar a ser seu instrumento só restava enfraquecê-la. Tanto mais que ele acreditava ser mais forte que a própria FRETILIN. (Mesmo em 2007 sonhava, mais uma vez, demonstrá-lo no embate eleitoral. Saiu derrotado e frustrado). Então, para continuar a investida contra a FRETILIN, embarcou numa aliança que se proclama de Aliança da Maioria Parlamentar (AMP), entenda-se, Aliança da Maioria Perdedora).

Descontente com a afirmação da FRETILIN, Xanana como Presidente da República usava maior parte do seu tempo fazendo oposição ao Governo. A 28 de Novembro de 2002, poucos meses depois da restauração da Independência Nacional, no seu discurso à Nação, Xanana, usando do seu populismo e demagogia, critica publicamente o Governo e, como um actor de uma novela sem enredo nem fim, mostra-se chocado com a continuação da pobreza no seio do povo. (Será que Xanana acreditava mesmo que em seis meses de governação, com um Orçamento de Estado de cerca de sessenta milhões de dólares, dez vezes menos que o Orçamento do seu governo, era possível ter já reduzido a pobreza? Se sim, então algo de muito mal ia na cabeça do Xanana). A pobreza reduz-se com medidas sociais, económicas e de desenvolvimento integral e sustentado de curto, médio e, em especial, longo prazos. Nunca se erradica a pobreza com medidas que perpetuam situações de emergência com acções viradas simplesmente para a melhoria temporária dos níveis de consumo. Enfrentar uma crise é uma necessidade. Confundir medidas de combate à crise com programas de erradicação da pobreza é uma ignorância.

Xanana dizia que o Governo era pouco inclusivo, desprezava as opiniões dos partidos de oposição, não dava créditos à sociedade civil quando esta se manisfestava nas ruas, etc.

Xanana era pois um Presidente da oposição. Decidira despir a sua farda de líder de guerrilha em troca de um camuflado de democracia e de uma máscara de defensor da justiça e dos direitos humanos. Para ele o Governo era exclusivista, autoritário, praticava o abuso do poder. E ele, Xanana, fazia o discurso de um grande democrata, homem do povo. Escondia por detrás de tudo isso a sua verdadeira face – um actor na vida real, ávido do poder. Sonhava com um sistema presidencialista. Esta tinha sido a orientação do Congresso do CNRT de 2000. A Assembleia Constituinte decidiu diferentemente. Xanana não gostou. Queria uma FRETILIN mais domesticada. Não conseguiu.

Quando as receitas do petroóleo e gás começaram a chegar o Governo preparou um Orçamento de Estado de trezentos e quinze milhões de dólares norte-americanos para o ano fiscal 2006'07, para ser proposto ao Parlamento Nacional. Nele se definiu com clareza a infraestruturação do país, a resolução da questão dos veteranos e combatentes da libertação nacional, das viúvas, dos idosos e dos órfãos e o desenvolvimento rural e comunitário como prioridades das prioridades. Traçaram-se metas: atingir um crescimento económico sustentado de sete por cento, controlar a inflacção nos três a quatro por cento em 2006/07, criar dez a quinze mil postos de trabalho. A oposição coligada, parlamentar e extra-parlamentar, querendo impedir a execução deste Orçamento optou pela divisão do país e pela violência como prática política. Com isto, trouxe a crise de 2006/07 para impedir que o Governo iniciasse um program de desenvolvimento visível, sustentado, com impacto substancial na melhoria da qualidade de vida dos cidadãos e, assim, voltar a ganhar de uma forma expressiva as eleições de 2007. Assistimos então aquilo que muitos consideram, e bem, como conspiração e golpe contra o Governo da FRETILIN com o então Presidente da República a desferir o acto decisivo, exigindo a demissão do Primeiro Ministro e impondo a sua vontade na escolha do successor. Tudo se fez com o objectivo único de controlar o dinheiro do petróleo e impedir que a FRETILIN passasse e executar o seu programa de desenvolvimento no sentido da erradicação da pobreza e da melhoria da qualidade de vida de todos os cidadãos.

Hoje como chefe de um governo de facto, beneficia de apoio total - pessoal e institucional - do Presidente da República que não se cansa de elogiar a sua governação, assumindo-se como um aliado incondicional. Muitas vezes, coloca-se em bicos de pés para extrair algo de positivo de uma governação de compra e venda, de pedir e dar, sem planos, sem programas, com um orçamento que se reduz a um grande saco azul e um enorme fundo de contigências, um Orçamento talhado para o despesismo irresponsável abrindo auto-estradas à corrupção e fechando caminhos a uma eficaz fiscalização parlamentar.

Fomos acompanhando ao longo deste ano toda a trajectória da governação Xanana. Sob o lema "reformar" e "mudar" o antigo Comandante de guerrilha e o mais conhecido Líder da Resistência timorense dos anos 80/90 procurou impor o seu próprio ritmo. "Reformas" e "mudanças" que se traduziram, inicialmente, na verdadeira "caça às bruxas", "bruxas" essas que não eram senão todos aqueles funcionários e agentes de estado conotados como leais à linha de orientação do anterior Governo. "Reformas" e "mudanças" que confundem descentralização com desestruturação, com uma administração anárquica, sem regras, sem sistema, sem disciplina na gestão fiscal e macro-económica. "Reformas" e "mudanças" que significam também viver com medo do passado e da sombra do passado. Xanana, para evitar esta perseguição, foge da sua própria sombra, recusa o seu passado e prefere viver na escuridão do conhecimento, na ignorância da Constituição e das Leis, na diluição das Instituições do Estado, na aliança política contra-natura, na corrupção generalizada das mentes com a sua prática de "comprar a paz".. E fa-lo sempre "em nome do povo" e, se necessário, para emocionar os mais desprevenidos, com lágrimas nos olhos. (Há informações que o "Conselho de Ministros", na sua última sessão de 2008, despede-se do ano com um verdadeiro coro de choros e de angústias com apelos e súplicas para a unidade em torno do Xanana).

Pois, para quem ainda não sabe, o governo Xanana é uma manta de retalhos nascido da "AMP" (Aliança da Maioria Parlamentar), uma aliança dos derrotados nas eleições, que existe assente sobre uma necessidade permanente de se opor ao passado e ao Governo anterior. Como resultado, esbanja o herário público e, no lugar de planificar e programar o desenvolvimento, enterra-se cada vez mais em improvisações, no esbanjamento, nas obras de fachada. Dominado por esta psicose doentia e talvez pela angústia, não consegue adquirir uma visão integrada de governação. Reduz o Governo a uma simples instituição social e comercial de compra e venda e o Estado num grande clube de amigos onde se recebe e se oferece. Para manter a aliança, fecham-se os olhos a todos os desmandos, ignoram-se as denúncias de corrupção, enraiza-se a impunidade, desacredita-se a Justiça.

No plano das realizações de natureza estruturante, promete aprovar um Plano Estratégico de Desenvolvimento em menos de três meses e, um ano e meio depois, nem uma leitura correcta sobre o estado da Nação conseguiu produzir. Xanana diz o que ouve, e ouve só o que quer ouvir, sussurrado nos seus ouvidos, pede para se voltar a dizer e volta a ouvir o que dizem, repete-o vezes sem fim e convence-se que é verdade. E assim vai-se consolando.

Com tudo isso, deixa o seu maior aliado, o Presidente da República Dr. Ramos-Horta, cada vez mais isolado a fazer uma apreciação positiva da governação Xanana. No próprio Parlamento Nacional a manta de retalhos que se dá pelo nome de "Aliança da Maioria Parlamentar - AMP", já mal consegue defender o seu próprio governo de facto.

Na verdade, continua o esgalhamento do sistema e aumenta a incapacidade de governar. Crescem como cogumelos depois de uma chuvada as vozes condenando a corrupção. Tudo isso entra pelos olhos adentro de qualquer cidadão minimamente mais atento. Até os cegos sentem. Só não vê e não sente quem não quer ou quem é cúmplice da situação iniciada em 2006 e continuada até agora. Ridículo, não é? Claro que sim. Ridículo é o que temos assistido durante a segunda metade de 2007 e todo o 2008. (Só um exemplo: Compram o arroz mais caro e vende-o sessenta por cento mais barato. Considera os resultados deficitários deste negócio como aumento nas receitas domésticas. Se isto não é ridículo, o quê é?).

Mas o governo Xanana continua a vangloriar-se daquilo que fez "em pouco tempo". Nunca diz a verdade. E esta é: só num ano esbanjou dinheiro equivalente a cinco anos da governação da FRETILIN, suficiente para iniciar um programa e garantir :

- a reabilitação de todas as escolas de Timor-Leste e a construção de muitas outras mais;
- a extensão para todo o país de uma refeição quente por dia em todas as escolas;
- a construção de residências para os professores e pessoal de saúde nos Distritos, Sub-distritos, Sucos e Aldeias;
- a melhoria da assistência de saúde, com mais ifraestruturas e melhores meios e equipamentos de diagnóstico e de tratamento;
- a introdução e execução de uma política de nutrição em todo o país ligado ao desenvolvimento da produção nacional agro-pecuária;
- o aumento de fornecimento de água potável;
- o melhor aproveitamento da água como fonte renovável para a produção de energia;
- a reabilitação e construção de mais sistemas de irrigação;
- a reconstrução e construção de muitos quilómetros de estradas;
- a contrução de melhores habitações para as zonas rurais e para os mais necessitados;
- o desenvolvimento da agricultura familiar e comunitária, introduzindo tecnologias adequadas ao estágio de desenvolvimento na área;
- o desenvolvimento da pesca semi-artesananal;
- a implementação do projecto de re-urbanização de Dili e de outros principais centros urbanos e a solução do problema de saneamento básico;
- a industrialização transformadora do produto agricola e pesqueiro;
- a criação de uma melhor rede de transportes colectivos;
- o desenvolvimento do turismo de pequena e média escalas e comunitário;
- o estabelecimento de uma Academia de Música e de Cultura;
- o estabelecimento de uma Instituto Médio de Desporto;
- o estabelecimento de um Banco de Crédito Rural, etc.;


E tudo isso teria garantido a criação de milhares e milhares de postos de trabalho pelo país e introduzido o incentivo para o reforço dos sectores cooperativo e privado nas áreas agro-pecuária, pesqueira e de produção artesanal, necessárias para a melhoria da qualidade de vida dos cidadãos e para melhor equilíbrio da balança comercial através do aumento da produção nacional e, consequentemente, da redução da importação.

Mas, para isso é necessário que o governo saiba planear, programar e elaborar projectos de desenvolvimento humano, social e económico. É necessário igualmente saber evitar a "projectização" da economia porque esta só impulsiona o desenvolvimento desintegrado, descontinuado, anárquico, sem qualidade. É necessário não confundir medidas de emergência com as de reconstrução e de desenvolvimento.

Xanana opta pelo mais fácil. Injecta dinheiro indiscriminadamente na economia e pensa que está a contribuir para reduzir a pobreza. Ouve, repete e acredita que sim: há redução de pobreza porque distribui dinheiro. Está convencido disso. Parece que o Presidente da República, seu aliado, também. Na verdade, como efeito macro, só provoca o crescimento da inflacção e incentiva a corrupção. E é demais sabido que inflacção e corrupção são as mães geradoras da pobreza. Por isso, a pobreza reduz-se sim, e muito rapidamente, mas para uma pequena minoria – os membros do governo de facto, seus familiares e amigos mais próximos. A maioria vê o seu cabaz de consumo a reduzir de quantidade e de qualidade, as calorias mínimas diárias que precisa custam cada vez mais alguns cêntimos de dólar. Por outro lado, a produção nacional vai-se definhando porque se torna cada vez mais incompetitiva. Nem com a reforma tributária do Xanana, a converter o país num quase paraíso fiscal, trouxe o milagre. Não há redução de preços. Então, arranjam-se bodes espiatórios e acusam-se os "comerciantes malandros". Desconhecem que a economia é uma ciência onde não há lugar para milagres. Tem as suas leis, as suas regras, os seus elementos catalizadores. Mas não há milagres Só o trabalho acelera o desenvolvimento, cria riqueza, impulsiona o crescimento económico, dignifica e eleva a qualidade de vida dos cidadãos, reduz a pobreza.

Os jornais todos os dias falam da corrupção, de nepotismo, da má governação. Os relatórios de instituições internacionais já não podem continuar a ignorar esta realidade gritante. O período da prova terminou. Do benefício da dúvida nasce a certeza e ela é: o governo Xanana converte Timor-Leste num país insustentável. Podemos questionar esta apreciação e dizer que é uma "atitude colonial" fazer tais afirmações. Mas uma leitura atenta e objectiva da realidade desmente-nos. E se a situação continuar como está por mais um ou dois anos, não sei se alguém minimamente consciente terá coragem para ignorar tal verdade. O país está a descaracterizar-se, descarrilar-se. O Estado a desestruturar-se; a cidadania a definhar-se com os cidadãos a a viverem da dependência das migalhas do governo ou intimidados para não exprimirem o seu descontentamento. Não é crier mais dependência que se liberta o povo. Confunde-se paz com ausência de violência física, estabilidade com o silêncio imposto aos cidadãos.

Fomos bafejados pela sorte (?). Sim. A natureza, de uma forma finita, oferece-nos como crédito para o desenvolvimento as receitas do petróleo e do gás. O governo Xanana trata-as de um modo tão irresponsável com políticas despesistas que só conduzirão ao enterro do Fundo Petrolífero. Xanana não sabe como gerir uma receita não renovável. Como perpetuar este tipo de receitas de modo a beneficiar todas as gerações, incluindo, naturalmente, as actuais. As receitas do petróleo são uma semente que nos é facultada. Devemos criar condições para que seja semeada e se reproduza. Xanana confunde semear com enterrar. E o governo Xanana vive de uma contradição. Acha que gastar muito significa fazer muito. E faz tudo para gastar só para poder afirmar que executou o Orçamento e sentir que fez muito. Gasta para poder dizer ao Parlamento que executou o Orçamento.

Xanana tem um ódio ao "carry over" (transferência de valores orçamentais de um ano para o outro"). Esperavamos que nos viesse com alguma solução mágica. Xanana trouxe a receita : primeira medida: fazer compras, muitas compras nos últimos dois meses do ano.(Já não se põe agora o problema de armazéns, argumento usado antes para adjudicar ao seu colaborador mais próximo GS mais de quatorze milhões de dólares de compra de arroz. Agora, com muitos milhões mais, esta questão já não se põe. O importante é gastar o dinheiro). Resultado: não há "carry over" de dinheiro. Prefere fazer "carry over" de arroz, de oleo alimentar, de cimento, de viaturas, de tractores etc. i é, de produtos perecíveis que, ou vão deteriorar-se ou, porque são subsidiados, atravessam a fronteira vendidos mais baratos para a visinha Indonésia. Também de meios de transporte e de trabalho que em breve aumentarão as despesas públicas e quiçàs, as famosas "receitas domésticas" dentro de seis meses a um ano com a venda de sucata. Só um génio como o Xanana Gusmão pode inventar isso!! Segunda medida: a reorçamentação. Quer dizer, para despesas em bens e serviços e outras recorrentes, gasta-se tudo; no tocante a capital e desenvolvimento, interrompem-se os projectos, reorçamenta-se, na esperança que o novo Orçamento seja aprovado para dar continuidade. Como o Orçamento de 2009 só será aprovado em finais de Janeiro, Xanana decide extender a vigência parcial do Orçamento de 2008 até Fevereiro de 2009. Tudo isso para ele provar que não há "carry over". Que ingenuidade, para não falar de outras coisas! Que ridículo! Mas, Xanana e o seu grupo apresentam tudo isso como produto da sua genialidade colectiva.

Nos últimos dois meses fizeram-se despesas sem um mínimo de plano e de programa. Compras e mais compras. Doze a quinze barcos a fazerem bicha durante dias a espera da sua vez de serem descarregados no Porto de Dili.. (Foi triste ver, quinze barcos na noite do Natal e na passagem de ano com as suas luzes no mar frente a Dili. As crianças até teriam acreditado que pai ou vovô Xanana tinha feito mais um milagre. Colocou no mar quinze árvores de Natal e quinze presépios flutuantes com os Reis Magos montados sobre golfinhos e crocodilos. Na verdade as árvores de Natal e os presépios flutuantes eram de mais bom gosto que àqueles feitos no jardim do Palácio porque aqui, de modo exagerado tinham as suas luzes e cores fazerem um conjunto de um verdadeiro festival de mau gosto. ( O Natal, dia de nascimento de Jesus Cristo, merece mais arte e melhor sentido de harmonia entre luzes e cores, melhor enquadramento ambiental mas também, de menos despesas supérfulas próprias de um novo rico que não conhece o valor do dinheiro. Seja como for, a fé nunca se confunde com medidas de fachada).

Para além de compras houve outros trabalhos de última hora. As ruas de Dili que não necessitam ainda de manutenção de vulto foram re-asfaltadas mesmo debaixo das chuvas e no escuro da noite. (Trabalho nocturno no brèu da noite para reflectir a falta de transparência na preparação dos projectos e na adjudicação das obras). Por outro lado, as estradas para os Distritos e Sub-Distritos a cairem uma atrás de outra, a ficarem literalmente intransitáveis. ( Assim, em 2009, é melhor que o governo Xanana compre helicópteros para transportar "o primeiro ministro e o seu vice, os ministros, vice-ministros, secretários-de-estado e deputados. Com isto até eleva o estatuto dos mesmos. Estou certo que se sentirão mais seguros e importantes. Para quê estradas, para quê pontes, se há dinheiro para helicópteros? ). E para quê carros e mais carros se não há estradas? Sim, se gastar muito é sinónimo de fazer muito, o que impede substituir os carros dos politicos por helicópeteros? O que impede adquirir aviões presidenciais ou jactos executivos para as viagens internacionais dos altos dignatários?

Xanana acha que fez muito. À excepção daquilo que foi apropriado da política do Governo anterior, melhor, do Estado no seu todo, no que se relaciona com os Combatentes de libertação nacional, as viúvas, os órfãos, os idosos, os cidadãos mais necessitados, com deliberações de reconhecimento e de pensões de diferentes montantes e naturezas, vejamos o que realmente o governo Xanana fez e do qual se vangloria:

A Questão dos Deslocados:

O governo Xanana apresenta a solução da questão dos deslocados como uma das suas bandeiras. Vangloria-se de ter resolvido esta questão. Na verdade, para quem tenha vindo a Dili algumas vezes seguidas durante os anos 2006/08, ao chegar hoje à cidade logo se depara com algumas diferenças. Já não existe o campo de deslocados imediatamente à saída do Aeroporto Internacional Presidente Nicolau Lobato. E, se habitualmente se alojar no Hotel Timor, também irá encontrar uma outra diferença de vulto. Pois, não há mais deslocados no Jardim à frente do melhor Hotel do país. (No seu lugar encontra-se um espaço totalmente cercado de zinco. Xanana decidira entregar o mesmo jardim ao seu amigo Hércules, cidadão indonésio de origem timorense conhecido e temido pelos seus feitos de chefe de um grupo de "cobranças difíceis" em Jakarta. Foi recentemente detido e acusado de homicídio na Indonésia. Mas, para o governo Xanana tem sido um VIP). Alguns outros campos em Dili também se esvaziaram. E ainda bem. Mas será que o problema se resolveu em definitivo? Se os visitantes derem algumas voltas pela cidade e, particularmente, sairem de Dili em direcção a Manatuto encontrarão o oposto. Pois o campo de deslocados de Metinaro mantem-se. Os seus ocupantes não se deixaram atrair pelo dinheiro em troca da sua segurança . Não sentem que existem garantias suficientes para retornarem aos seus bairros de origem.

O que contribuiu realmente para alguns deslocados sairem dos campos? Primeiro porque era do interesse de toda a sociedade que regressassem aos seus locais de origem ou fossem alojados em qualquer outro local da sua aceitação. Segundo, porque a vida nos campos já se tornava insustentável para os próprios deslocados. Terceiro, porque o tempo se encarregou também de diluir muitos dos conflitos. Quarto, porque o rôtulo de deslocado se tornou cada vez mais discriminatório, isolando-os do resto da sociedade urbana de Dili. Por fim, porque Alfredo tinha sido morto e o resto do seu grupo detido e porque os "peticionários" tinham sido compensados pelo trabalho realizado em 2006/07 pelo governo Xanana. Mas o campo de deslocado de Metinaro é sui generis. Colocado for de Dili, próximo do Centro de Instrução das Falintil-FDTL, sempre se sentiram mais seguros.

Acabar com os campos degradantes de deslocados era o desejo de toda a sociedade. Mas, o princípio fundamental deveria ser o Estado tudo fazer para devolver aos deslocados o direito à uma habitação condigna e o retorno à vida normal com a sua reinserção integral na sociedade com toda a garantia de segurança.

Mas Xanana, mais uma vez, avançou pelo caminho mais fácil - pagar a todas as famílias deslocadas para abandonarem os campos. O processo de pagamentos em si começa por não se revelar transparente. (Há informações de pagamentos feitos a pessoas que nem sequer deslocadas eram e que nunca tiveram as suas casas destruidas, ou de pagamentos repetidos dentro da mesma família pela mesma casa destruida. Mas esta é outra questão que a seu tempo precisa de ser investigada para ver se existe corrupção ou não, nepotismo ou não, ou, simplesmente, incapacidade organizativa e administrativa) A questão hoje é saber se a solução encontrada é sólida. Duvidamos. Duvidamos porque muitos daqueles que abandonaram os campos continuam sem casas, sem abrigo, sem terra. Ou porque não tinham casas para reabilitar, ou porque o dinheiro não era suficiente para a reabilitação ou ainda porque, seguindo o exemplo do maun Xanana, também decidiram pelo mais fácil: usar o dinheiro para outros fins como comprar uma moto, casar, viajar, etc. Sustentável ou não para a vida deles, o que importa? O mais importante é gozar enquanto houver dinheiro.

Alguns deslocados optaram também por saídas ainda mais aliciantes. Ocupam terrenos alheios e montam a sua tenda ou constroem uma barraca. Com isso, abrem novos conflitos. É uma verdadeira bomba-relógio. O governo Xanana parece ignorar tudo isso demitir-se das suas responsabilidades porque a solução que encontrou foi pagar. E pagou para sairem dos campos. Não para refazerem as suas vida com dignidade. "Agora, cada um por si, Deus por todos". Xanana prometera resolver esta questão até Dezembro de 2007. Um ano e meio depois, continuamos com o problema. Ficamos com a solução cosmética à la Xanana traduzida numa maxima: o importante é mudar a fachada.


Fim da I parte.

[1] Esta série de textos têm o simples propósito de abrir o debate sobre questões de substância do processo de afirmação de Timor-Leste como Nação soberana e como um Estado de Direito Democrático. Nada mais move o seu autor senão a necessidade de contribuir para repor a verdade para se poder construer uma visão icomum e perspectivar o futuro com mais confiança e certeza.

Lover of slain East Timor rebel leader 'left in limbo'

The Age
Lindsay Murdoch, Darwin
January 6, 2009

"All I want to do is leave": Angelita Pires, former partner of East Timorese rebel leader Alfredo Reinado awaits her fate in Dili. Photo: Glenn Campbell
ANGELITA Pires, the former lover of slain East Timorese rebel leader Alfredo Reinado, says authorities in Dili are depriving her of her freedom because her case is too political.

"I've heard that politically they don't know what to do with me — there is now a lot of support for me on the ground because people are starting to understand the truth and are asking questions," Ms Pires told The Age.

Ms Pires, 38, said she is fed up with being held in limbo, unable to leave East Timor, 11 months after attacks in which President Jose Ramos Horta was seriously wounded and Reinado shot dead.

"All I want to do is to leave," Ms Pires said by telephone from Dili, where a court has confiscated her Australian passport, pending an investigation into whether she played any role in the events that led to the attacks.

"It's going from bad to the ridiculous," she said.

Mr Ramos Horta told diplomats in a new year's address that the motive for Reinado leading a group of armed men to his house remained unknown to him. "The trial of those involved directly or indirectly in the February 11 attack on me and the Prime Minister might reveal more facts," he said.

In his first public comments after being shot, Mr Ramos Horta said Ms Pires was among several people who had "manipulated and influenced" Reinado before the attacks.

In his new year's speech, Mr Ramos Horta said it was feared at the time that the country would slide into civil war.

But he said: "My near-death, like the near death of Mahatma Gandhi when he went on a long hunger strike, pushed back the people from the brink of a wider conflict."

Ms Pires said she had been warned by "high people" to stop speaking with journalists about her plight. An application she made to a court in Dili to be able to travel to Darwin for 10 days to see her family for Christmas — and for medical reasons after losing a baby she had conceived with Reinado — was refused.

"I have come to the stage of my life where I am fed up with being in limbo — is there anything to charge me with?" she said.

Ms Pires said until Mr Ramos Horta apologises and "says what he said about me was completely wrong, I will not feel safe in Dili".

She is living in a shack in a Dili suburb, unable to get access to her bank accounts, which authorities have frozen.

Her food is provided by her family.

In Australia, Ms Pires' brother, Antonio, and mother, Maria Francisca Pires, have told Australia's Foreign Minister Stephen Smith that she has not received fair representation in East Timor.

"You and DFAT (Department of Foreign Affairs and Trade) have made it clear to us that we, as migrant Australians, are not afforded the same rights as born Australians," they said in a letter dated December 25.

Traduções

Todas as traduções de inglês para português (e também de francês para português) são feitas pela Margarida, que conhecemos recentemente, mas que desde sempre nos ajuda.

Obrigado pela solidariedade, Margarida!

Mensagem inicial - 16 de Maio de 2006

"Apesar de frágil, Timor-Leste é uma jovem democracia em que acreditamos. É o país que escolhemos para viver e trabalhar. Desde dia 28 de Abril muito se tem dito sobre a situação em Timor-Leste. Boatos, rumores, alertas, declarações de países estrangeiros, inocentes ou não, têm servido para transmitir um clima de conflito e insegurança que não corresponde ao que vivemos. Vamos tentar transmitir o que se passa aqui. Não o que ouvimos dizer... "
 

Malai Azul. Lives in East Timor/Dili, speaks Portuguese and English.
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