domingo, maio 28, 2006

In Público

Ana Sá Lopes

Kirsty manda

Uma terrível caricatura do conflito timorense foi a entrevista que Kirsty Sword-Gusmão deu à rádio australiana ABC. Kirsty é a mulher de Xanana Gusmão e, até ver, não tem legitimidade institucional de espécie alguma.

No entanto, Kirsty, alcandorada a uma espécie de porta-voz autorizada do Presidente da República, praticamente demitiu Mari Alkatiri aos microfones da rádio australiana. A cisão entre o Presidente da República e o primeiro-ministro timorenses fica clara das palavras da timorense-australiana Kirsty Sword-Gusmão: "Penso que vamos assistir a mudanças significativas. Acho que o Governo perdeu a confiança da população."

À hora em que este jornal sai para a rua, é provável que Mari Alkatiri já não seja primeiro-ministro de Timor-Leste. Se, tal como afirmou Kirsty, Xanana Gusmão "continua claramente a ser uma figura de autoridade e as pessoas esperam que ele exerça a sua autoridade neste momento decisivo", o passo seguinte no desenrolar do conflito será a entrega da cabeça de Alkatiri.

Os últimos dias em Timor-Leste vieram fazer disparar, da maneira mais violenta, o mal-estar no país mais jovem do mundo.

Há tensões e clivagens que vêm de longe, dos tempos da Resistência. Xanana Gusmão versus Alkatiri, Ramos-Horta versus Alkatiri, católicos contra laicos (ou, pior, muçulmanos laicos como Alkatiri).

Houve até agora um milagre timorense: desde 1999, o país foi-se construindo em relativa acalmia - consideradas as divisões internas da Resistência, os conflitos entre timorenses registados em 1975, a presumível dificuldade de reconciliação entre quadros da antiga administração indonésia e resistentes, a adopção da língua portuguesa só conhecida por maiores de 40 anos (a única língua que unifica todos os habitantes de Timor-Leste nem sequer é o tétum, mas o bahasa indonésio), a coexistência entre um país fortemente dominado pela Igreja Católica e um primeiro-ministro laico e muçulmano, a mais absoluta pobreza em que vive o povo, o analfabetismo, a falta de elites e, entretanto, o progressivo abandono das Nações Unidas.

Perante o caos instalado, quatro países, incluindo Portugal, voltam a entrar em Timor-Leste para "repor a ordem". O terrível desta imagem é que foi esse precisamente o argumento da invasão indonésia em 1975, aliás operada também com a cumplicidade de timorenses. É, agora como antes, a viabilidade do Estado que está em causa.

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Traduções

Todas as traduções de inglês para português (e também de francês para português) são feitas pela Margarida, que conhecemos recentemente, mas que desde sempre nos ajuda.

Obrigado pela solidariedade, Margarida!

Mensagem inicial - 16 de Maio de 2006

"Apesar de frágil, Timor-Leste é uma jovem democracia em que acreditamos. É o país que escolhemos para viver e trabalhar. Desde dia 28 de Abril muito se tem dito sobre a situação em Timor-Leste. Boatos, rumores, alertas, declarações de países estrangeiros, inocentes ou não, têm servido para transmitir um clima de conflito e insegurança que não corresponde ao que vivemos. Vamos tentar transmitir o que se passa aqui. Não o que ouvimos dizer... "
 

Malai Azul. Lives in East Timor/Dili, speaks Portuguese and English.
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