"O mundo é sempre mais difícil do que se pensaA interrogação é inevitável: será que, depois de tanta luta e tanto sofrimento para obter a sua independência, Timor-Leste se pode transformar num Estado falhado? Será que não bastava a pobreza, também tinha de regressar a divisão e pairar a ameaça de guerra civil?
Todos desejamos que este prognóstico sombrio não se cumpra, mas o que se está a passar em Timor-Leste deve obrigar-nos a maior frieza e a muito mais cepticismo e determinação quando se lida com países tão frágeis.
Na verdade a primeira indicação que podemos tirar dos acontecimentos dos últimos dias é que quase todos se enganaram quando traçaram um retrato cor-de-rosa do "milagre" da transição timorense. Que muitas vezes quisemos fechar os olhos às tensões que afloravam aqui e além, acreditando mais depressa na "bondade" natural do povo e na sua insuperável "coragem". Estes retratos voluntaristas, mesmo que alimentados por uma história a todos os títulos exemplar, cegam-nos para os problemas que construir um país - e era disso que se tratava - sempre implica.
Timor-Leste era e é pobre; não possui uma elite nem política, nem económica, a maioria da população é muito jovem, não tem trabalho e possui a agressividade natural de quem atravessa esse período da vida; os poucos quadros existentes nutrem ódios antigos, inimizades com décadas, desejos de desforra que, de resto, radicam na cultura local; há mais diferenças entre as suas comunidades (no pequeno território falam-se 19 dialectos diferentes) do que as recomendáveis para construir depressa uma identidade nacional que não radicasse apenas na oposição ao ocupante; e alguns dos heróis da luta pela independência têm defeitos a que se fechou os olhos por compaixão ou admiração cega.
Com este quadro era preciso mais do que um milagre para que do caos nascesse um país, sobretudo em tão pouco tempo. Para esse mais do que milagre teria sido muito importante que as Nações Unidas não tivessem retirado de Timor tão cedo, não por pensarem genuinamente que tudo estava bem, mas porque a comunidade internacional tinha perdido a paciência para mais investimentos e a opinião pública virara-se para outras parte do mundo. O erro cometido noutros países pelas Nações Unidas - o erro da pressa - não ajudou Timor-Leste nem serviu de amparo a líderes que ainda necessitavam de ajuda, conselho e incentivo.
Agora que, depois de uma confusa acumulação de diferentes mal-estares, o barril parece à beira de explodir, a Austrália precipitou-se, o Conselho de Segurança recordou-se e até Portugal tratou de regressar a correr. Tudo isso pode ajudar a impedir a catástrofe - mas não nos deve inibir de olhar para o que se passou e pedir também responsabilidades aos líderes timorenses.
Isso custa, porque isso implica questionar antes do mais Xanana Gusmão. Presidente da República, não manda no país e sabe que detesta o primeiro-ministro, Alkatiri. Contudo, se a este sobra inteligência e determinação, falta-lhe aquilo que só Xanana possui: magnetismo pessoal, capacidade para, com uma palavra, um discurso, um gesto, dizer alto ao desvario e ser ouvido pelos desvairados. Por que é que o não fez? Por que é que parece ter preferido assistir ao martírio do homem que abomina? Por que é que, ao fazê-lo, não entendeu que Timor-leste pode cair com Alkatiri, não por causa deste, mas da sua inacção?
Custa distanciarmo-nos de um ídolo, interrogarmo-nos sobre o lado menos nobre de um herói. Mas sem o fazermos podemos voltar a cair nos mesmos erros, e em Timor eles passaram por certo por não se entender que mais do que de homens grandiosos, um país, um povo e uma democracia necessitam de leis justas e de uma tradição de respeito pelos outros.
Porque a democracia é o governo dos homens banais, o governo que dispensa heróis e iluminados, antes serve a todos."
domingo, maio 28, 2006
Editorial do Jornal Público, sexta-feira, 26 de Maio de 2006:"
Por Malai Azul 2 à(s) 13:21
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Traduções
Todas as traduções de inglês para português (e também de francês para português) são feitas pela Margarida, que conhecemos recentemente, mas que desde sempre nos ajuda.
Obrigado pela solidariedade, Margarida!
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Mensagem inicial - 16 de Maio de 2006
"Apesar de frágil, Timor-Leste é uma jovem democracia em que acreditamos. É o país que escolhemos para viver e trabalhar. Desde dia 28 de Abril muito se tem dito sobre a situação em Timor-Leste. Boatos, rumores, alertas, declarações de países estrangeiros, inocentes ou não, têm servido para transmitir um clima de conflito e insegurança que não corresponde ao que vivemos. Vamos tentar transmitir o que se passa aqui. Não o que ouvimos dizer... "
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