quarta-feira, janeiro 30, 2008

Para Ramos-Horta, frustração maior é pobreza extrema

Folha de São Paulo
29/01/2008

Presidente de Timor Leste diz que perdoa Suharto, mas que potências mundiais têm de responder por apoio a seu regime

No Brasil para encontro com Lula amanhã, Nobel da Paz afirma que vai pedir ao colega brasileiro ajuda com florestas e laptops baratos

SAMY ADGHIRNI
ENVIADO ESPECIAL AO RIO

Mais novo país a ser reconhecido pela ONU, Timor Leste, com apenas seis anos de vida, caminha a passos modestos na consolidação de suas instituições nacionais. Confrontos ocorridos em 2006 entre policiais e militares expuseram a fragilidade do país, que conquistou independência depois de sofrer mais de duas décadas sob a ocupação implacável do ditador indonésio Suharto, que morreu no último domingo.

Em visita ao Brasil, o presidente José Ramos-Horta, 58, figura heróica da independência, explicou ontem à Folha por que perdoa Suharto e disse que sonha em distribuir dinheiro na rua para os pobres.

FOLHA - Como o sr. reagiu à morte de Suharto?

JOSÉ RAMOS-HORTA - A morte do ditador Suharto marca o fim de uma época que se caracterizou pelo massacre de centenas de milhares de pessoas. Foi ele quem ordenou a invasão e ocupação de Timor Leste. Mas EUA, Austrália, Japão e Europa não podem fugir de suas responsabilidades. Eles sustentaram o regime, contribuindo diretamente para a nossa tragédia.

A morte de Suharto fecha o capítulo da sórdida política externa dos países ocidentais, que pregavam a democracia e os direitos humanos mas apoiavam as ditaduras mais violentas.

FOLHA - O senhor chocou muita gente ao pedir que os timorenses rezassem por ele e o perdoassem...

RAMOS-HORTA - Eu mesmo perdi dois irmãos e uma irmã. Ela teve mais sorte porque, quando foi morta, o povo que mora nas montanhas encontrou seu corpo e o enterrou num local onde permaneceu por 24 anos. Em 2003, fui pessoalmente recuperá-lo para reenterrá-lo em Dili.

Os outros irmãos nem sequer sabemos onde morreram -provavelmente foram atirados em alguma vala e comidos por cães. Suharto não está mais neste mundo, o país é livre e devemos nos concentrar no presente. Aqueles que estiveram contra nós perderam, e nós ganhamos. Na vitória, devemos ser magnânimos.

FOLHA - O que o sr. dirá ao presidente Lula ao encontrá-lo nesta quarta [amanhã]?

RAMOS-HORTA - Vou dizer o quanto estou sensibilizado pelo apoio que o irmão brasileiro nos tem prestado. Timor Leste é o país que mais recebe ajuda externa do Brasil. Boa parte desse dinheiro custeia o envio de 50 professores brasileiros que ensinam a língua portuguesa. Também recebemos ajuda na área da Justiça. Os juristas vindos do Brasil entendem as nossas dificuldades e não têm a arrogância de peritos de outras nacionalidades. Na área ambiental, solicitei a Brasil e Indonésia, países com as maiores reservas florestais do mundo, que trabalhem em conjunto para apoiar o nosso processo de reflorestamento.

Também pedirei a Lula que nos ofereça mil unidades daqueles laptops que custam menos de US$ 200. Vai ajudar muito em um de meus programas de luta contra a pobreza.

FOLHA - Passada a crise de 2006, qual o risco de novos confrontos?

RAMOS-HORTA - São muito baixos. Ainda como premiê, comecei o trabalhar para sarar as feridas nas forças de segurança. Em 2006, chegamos perto do abismo, mas paramos a tempo.

FOLHA - O senhor é acusado de não ter uma política de segurança clara.

RAMOS-HORTA - Há sempre especialistas que vêm ao meu país por alguns dias e se acham grandes experts em Timor.

Nós, que vivemos o tempo todo lá, temos que nos fingir de ignorantes diante do que esses Einsteins têm a dizer. O processo de reorganização da nossa polícia é um esforço conjunto de todas as instituições timorenses, com o apoio da ONU.

Na área policial, procuramos não repetir os erros cometidos pela organização, como no Haiti. A formação da polícia naquele país envolveu muitas nacionalidades e culturas, o que causou problemas. Nós vamos privilegiar Portugal para fazer a formação básica de nossa polícia e Forças Armadas.

FOLHA - Qual sua maior conquista?

RAMOS-HORTA - Recebi mandato como premiê e ministro da Defesa em 2006, no auge da crise. Consegui sarar as feridas dentro das Forças Armadas [onde a crise começou] e da polícia.

Me orgulho de ter realizado esse trabalho em pouco tempo, mesmo que ele não tenha muita visibilidade.

FOLHA - E sua maior frustração?

RAMOS-HORTA - É não poder fazer milagre para resolver rapidamente o problema da extrema pobreza. O meu herói é Jean Valjean [de "Os Miseráveis"], condenado por roubar um pão. Eu me defino como o presidente dos pobres. Se fosse rico, sentaria na rua com malas cheias de dinheiro e daria mil dólares a cada pobre que passasse.

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Traduções

Todas as traduções de inglês para português (e também de francês para português) são feitas pela Margarida, que conhecemos recentemente, mas que desde sempre nos ajuda.

Obrigado pela solidariedade, Margarida!

Mensagem inicial - 16 de Maio de 2006

"Apesar de frágil, Timor-Leste é uma jovem democracia em que acreditamos. É o país que escolhemos para viver e trabalhar. Desde dia 28 de Abril muito se tem dito sobre a situação em Timor-Leste. Boatos, rumores, alertas, declarações de países estrangeiros, inocentes ou não, têm servido para transmitir um clima de conflito e insegurança que não corresponde ao que vivemos. Vamos tentar transmitir o que se passa aqui. Não o que ouvimos dizer... "
 

Malai Azul. Lives in East Timor/Dili, speaks Portuguese and English.
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