Expresso
24-06-2006
Mais do que inimigos
O conflito político atingiu o seu auge. O vencedor, para já, é a Austrália
EM QUEM se deve acreditar, neste momento, em Timor-Leste? A escolha é um quebra-cabeças delicado, tendo em conta todo o fluxo de informação e contra-informação dos últimos dias. Em Díli, os líderes políticos parecem estar a usar em pleno o que aprenderam durante os 24 anos de ocupação indonésia sobre tácticas de subversão. O exemplo mais recente é de ontem à noite, quando o gabinete do ministro dos Negócios Estrangeiros comunicou a diplomatas que Mari Alkatiri «decidiu resignar» do seu cargo de primeiro-ministro e que o próprio Ramos-Horta está a pensar regressar à Fretilin para ajudar a recuperar a credibilidade do partido.
Mas por que razão é que, conhecidas as divergências pessoais entre ambos, o chefe de Governo iria deixar que fosse o Prémio Nobel da Paz a anunciar essa decisão?
Já era demasiado tarde em Díli para Alkatiri poder contestar a informação, mas Abílio de Araújo, um dos fundadores da Fretilin, comentou ao EXPRESSO a partir de Lisboa: «Falei com o primeiro-ministro há pouco e isso é uma mentira completa. Ele não se vai demitir É uma manobra de Ramos-Horta, que gosta de inventar factos a seu favor».
A guerra, por enquanto, é apenas de palavras. Na capital e nos distritos remotos das montanhas, os timorenses estão a ser encostados à parede para decidirem se acreditam no primeiro-ministro ou se, pelo contrário, estão do lado de Ramos-Horta e do Presidente da República.
Ao exigir a demissão de Mari Alkatiri, o Presidente Xanana Gusmão não apelou apenas à consciência dos líderes da Fretilin para se retratarem por terem promovido a distribuição de armas a civis, depois de o ex-ministro do Interior Rogério Lobato ter ficado em prisão domiciliária, na sequência de factos revelados pelo EXPRESSO. Xanana apelou directamente ao povo, num discurso de três horas em que lavou publicamente a água suja dos últimos 30 anos de história da Fretilin. Falou em nomes, fez acusações pessoais graves e revelou conversas privadas com o primeiro-ministro e com Rogério Lobato. Com esse apelo, o conflito político em Timor passou claramente à fase da contagem de espingardas: ou estão comigo, ou contra mim.
A ruptura de Xanana com Alkatiri surpreendeu quase toda a gente, com a ameaça de se demitir caso o primeiro-ministro não o faça, aumentando o sentimento de instabilidade no país. Tentando pôr água na fervura, o secretário-geral da ONU, Kofi Annan, e o presidente da Comissão Europeia telefonaram ontem ao Presidente timorense. Durão Barroso aconselhou Xanana a não abandonar o Palácio das Cinzas e a tentar uma solução constitucional. Não se sabe se a conversa foi decisiva, mas o Presidente acabou por desistir para já da sua intenção, apesar de ter terminado o prazo dado a Alkatiri.
A mão australiana.
Mas as surpresas esta semana não vieram só do gabinete da Presidência. Jon Howard, o primeiro-ministro australiano, fez uma declaração de apoio a Xanana, depois de, a 26 de Maio, mal as forças internacionais entraram em Timor, ter criticado a «má governação» de Alkatiri. «É difícil acreditar que Xanana Gusmão não continue a ser o centro dos acontecimentos políticos de Timor-Leste», disse desta vez Howard, dissipando as dúvidas que ainda pudessem haver sobre a posição da Austrália.
Contra a corrente, alguns analistas australianos têm denunciado aquilo que é a estratégia do Governo de Camberra para uma mudança de regime em Timor. Tim Anderson, analista político da Universidade de Sydney, acredita que Howard quer impor uma junta nacional em Díli liderada por Xanana e Ramos-Horta. E Rob Wesley-Smith, da Free East Timor, lembra um facto a que o EXPRESSO assistiu em Díli: «Os soldados australianos deixaram os incêndios e os saques acontecer mesmo à sua frente. Pergunto-me se isto não faz parte de um plano sinistro». Foram as imagens de caos na cidade que reforçaram a justificação para a presença australiana. Helen Hill, socióloga da Universidade de Victoria, fala do mais óbvio dos «leitmotivs»: petróleo.
Micael Pereira
Mari Alkatiri
O CHEFE do primeiro Governo independente de Timor-Leste, indigitado pelo partido vencedor (por maioria absoluta), em eleições democráticas, Mari Alkatiri diz que a consolidação das instituições é decisiva para garantir a independência, a soberania política e económica de Timor-Leste.
Por isso defende que a solução política da crise institucional deve ser encontrada pela negociação e respeitar a Constituição, os poderes de todos os órgãos de soberania e as prerrogativas do partido maioritário. Toda a mudança imposta pela rua ou por forças estrangeiras configuraria um «golpe de estado» e um retrocesso para a situação anterior à proclamação da independência, em 2002. Alkatiri nega todas as acusações lançadas contra si (corrupção, esquadrões da morte) e lembra que no Congresso da Fretilin se opôs à votação por braço no ar. Rejeitou o ultimato de Xanana Gusmão, recusando demitir-se e argumenta que um Governo não apoiado pela Fretilin poderia fazer aprovar o orçamento, o Código penal e a legislação para as eleições de 2007.
Por outro lado, acusa Camberra de «provocações» e de difundir a tese do «Estado falhado» para justificar a ocupação de Timor por uma coligação chefiada pela Austrália. Diz que os ataques contra si e o seu Governo obedecem a uma estratégia para mudar a política económica e externa de Timor sem esperar pelas eleições.
Xanana Gusmão
É EM nome do povo que o Presidente Xanana Gusmão acusa o Governo e a Fretilin, partido maioritário, de serem os únicos responsáveis da crise actual e de violar o artigo primeiro da Constituição, que diz que «a República Democrática de Timor Leste é um Estado de direito democrático (...) baseado no respeito pela dignidade da pessoa humana».
Eleito como independente, depois de ter abandonado as FALINTIL (a guerrilha da Fretilin) e dissolvido o Conselho Nacional da Resistência, anunciou, na quinta-feira, ao «querido povo martirizado» a sua decisão de retomar a chefia das Forças Armadas e de Segurança para libertar Timor-Leste da ditadura dos «esfomeados de poder».
Segundo Xanana, a actual liderança da Fretilin pôs o aparelho de Estado ao serviço da cúpula do Partido, e aproveita-se da pobreza e da falta de empregos para «comprar» votos, apoios e consciências.
De acordo com os seus argumentos, a direcção da Fretilin, eleita no Congresso de Maio, é «ilegítima» porque não foi eleita por sufrágio secreto, como estipula a lei de 2004 sobre os partidos políticos.
O Presidente timorense acusa ainda a cúpula de só pensar em manter-se no Governo porque o poder proporciona dinheiro e negócios; e de ser «arrogante e insensível», fomentando a divisão e a intolerância, o que ameaça provocar um banho de sangue.
sábado, junho 24, 2006
Timor
Por Malai Azul 2 à(s) 17:07
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Traduções
Todas as traduções de inglês para português (e também de francês para português) são feitas pela Margarida, que conhecemos recentemente, mas que desde sempre nos ajuda.
Obrigado pela solidariedade, Margarida!
Obrigado pela solidariedade, Margarida!
Mensagem inicial - 16 de Maio de 2006
"Apesar de frágil, Timor-Leste é uma jovem democracia em que acreditamos. É o país que escolhemos para viver e trabalhar. Desde dia 28 de Abril muito se tem dito sobre a situação em Timor-Leste. Boatos, rumores, alertas, declarações de países estrangeiros, inocentes ou não, têm servido para transmitir um clima de conflito e insegurança que não corresponde ao que vivemos. Vamos tentar transmitir o que se passa aqui. Não o que ouvimos dizer... "
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