sábado, junho 24, 2006

No Blog Timor do Publico.pt

A responsabilidade de Portugal

Sou daqueles que acha que Portugal tem uma dívida a pagar pelo que se passa nas suas ex-colónias. Séculos de colonização incompetente (e encerrada tarde e más horas) não podiam ter gerado senão o que geraram: guerras civis, milhares de mortos, fome, corrupção em doses alucinantes, etc, etc, etc.

Isto aplica-se, evidentemente, a Timor-Leste. Ali, à incompetência juntou-se também uma enorme cobardia (na II Guerra e em 1975). Sempre que uma potência bem armada ameaçou a ilha a primeira coisa que os portugueses pensaram foi em fugir o mais rapidamente que podiam. E se bem o pensaram melhor o fizeram. A história da presença portuguesa em Timor-Leste é, no essencial, a história de uma grande indignidade.

Foi assim na colonização, foi em 1975 e foi nos anos seguintes. A situação só começou a mudar porque, no início da década de 90 (11 de Novembro de 1991), três jornalistas/activistas pró-Timor - Max Stahl, Alan Nairn e Amy Goodman - conseguiram pôr cá fora imagens do massacre de Santa Cruz. Aí, face à comoção global, o Governo português entendeu finalmente que não podia continuar a arrastar os pés na disputa diplomática que "mantinha" (na verdade não mantinha nada) com a Indonésia. Lisboa e o mundo inteiro perceberam então o que meia dúzia de lunáticos vinham a dizer há décadas, perante a indiferença geral: os timorenses não queriam mesmo ser indonésios.

Depois a situação evoluiu como toda a gente sabe que evoluiu. Vieram os prémios Nobel da Paz para Ramos Horta e D.Ximenes Belo. E, no primeiro mandato de António Guterres como primeiro-ministro (1995-1999), o Governo revelou-se capaz de explorar com grande sucesso a fragilidade diplomática internacional do regime ditatorial de Suharto (que caiu em 1998, num dia em que Portugal quase não deu por isso porque, provincianamente, estava muito mais ocupado com a abertura oficial da Expo).

Conseguiu-se – e aqui é devida uma palavra de homenagem à mestria diplomática de Jaime Gama - a realização do referendo de autodeterminação – sendo que também não nos podemos esquecer de várias dezenas de funcionários heróicos das Nações Unidas que levaram a cabo (desarmados, note-se) um acto eleitoral num ambiente tremendamente hostil.

Não direi que Portugal se redimiu de toda a incompetência (e, volto a dizer, cobardia) com que lidou com Timor durante séculos. Mas esteve seguramente pela primeira vez à altura das suas responsabilidades históricas.

Esteve – mas convém que continue a estar. Hoje a evolução política de Timor-Leste chegou onde se já se suspeitava que iria chegar: o Presidente Xanana exigiu a demissão do primeiro-ministro Alkatiri. Ora isto confirma o que o próprio Alkatiri tinha denunciado: está em curso um golpe de Estado contra o primeiro-ministro legitimamente eleito.

Sei que a atitude mais natural em Portugal será uma grande irritação com a total irresponsabilidade que o corpo político timorense tem revelado. É inevitável que pensemos: se os timorenses se quiserem suicidar enquanto país independente e até economicamente viável então que se suicidem – mas sozinhos, claro, que nós já cá temos, no nosso próprio país, problemas suficientes que nos apoquentem.

Isto é a reacção emocional normal nestas alturas. Só que é uma reacção directamente proporcional à irresponsabilidade dos próprios timorenses (dos seus dirigentes) – não estando portanto à altura da responsabilidades históricas reassumidas por Portugal em toda a acção política que levou ao referendo de 1999 (e respectivas consequências, claro).

Está portanto na altura de o Governo de Portugal se voltar a mostrar responsável. E mostrar-se responsável é, acima de tudo, fazer ver a Xanana Gusmão que o seu braço de ferro com Mari Alkatiri coloca Timor-Leste num clima de pré-guerra civil. Alguém esperará que Alkatiri leve a bem a sua demissão forçada? Alguém estará à espera que não se vingue? Alguém estará à espera que a poderosa Fretilin se deixe ficar sossegada? Alguém duvida que forçar o primeiro-ministro timorense a demitir-se é dar o passo em frente em direcção ao precipício?

João Pedro Henriques (jornalista do PÚBLICO, acompanhou a questão timorense desde 1991 até finais de 1999)

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Traduções

Todas as traduções de inglês para português (e também de francês para português) são feitas pela Margarida, que conhecemos recentemente, mas que desde sempre nos ajuda.

Obrigado pela solidariedade, Margarida!

Mensagem inicial - 16 de Maio de 2006

"Apesar de frágil, Timor-Leste é uma jovem democracia em que acreditamos. É o país que escolhemos para viver e trabalhar. Desde dia 28 de Abril muito se tem dito sobre a situação em Timor-Leste. Boatos, rumores, alertas, declarações de países estrangeiros, inocentes ou não, têm servido para transmitir um clima de conflito e insegurança que não corresponde ao que vivemos. Vamos tentar transmitir o que se passa aqui. Não o que ouvimos dizer... "
 

Malai Azul. Lives in East Timor/Dili, speaks Portuguese and English.
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