Ministra de Estado e da Administração Pública de Timor
«Há uma estratégia por detrás de tudo isto»
24.06.2006
Lusa
Ana Pessoa, ministra de Estado e da Administração Pública de Timor-Leste e membro do Comité Central da FRELIMO, é uma mulher de convicções fortes e sem papas na língua. Jurista de formação, acha «inacreditável» que o Presidente Xanana Gusmão tenha exigido a demissão do primeiro-ministro Mari Alkatiri numa carta apensa a gravação de uma reportagem de televisão australiana, mas acha que a crise institucional ainda pode resolver-se pela negociação e no respeito da legalidade e das normas constitucionais.
Convicta, como Alkatiri e Lu-Olo (presidente do Parlamento) de que há forças empenhadas em fazer de Timor-Leste «um Estado falhado», que deve ser posto sob tutela pelo menos até às eleições de 2007, veio a Lisboa pedir o apoio da CPLP.
A ONU é acusada de não ter evitado a politização e instrumentalização das Forças Armadas e de Segurança timorense, que estaria na origem da crise institucional actual...
O principal aspecto positivo das intervenções da ONU é a multilateralidade, que acarreta também consequências negativas, mas não se pode, de maneira nenhuma culpar a ONU de tudo o que acontece agora. Para a constituição das forças policiais, a UNTAET teve assessores de 40 nacionalidades diferentes e isto cria necessariamente confusão. Não há um modelo, uma doutrina, uma estratégia clara, o que é grave para a formação de um exército e de polícias num país como Timor-Leste, sem tradições institucionais e com referências negativas, herdadas da ocupação militar estrangeira.
Os critérios de avaliação para o recrutamento de funcionários, polícia, militares, não foram logo um factor de tensão? Há pessoas que foram excluídas porque não falavam português...
É absolutamente falso, aconteceu mesmo o contrário. Quando eu era ministra da Administração Interna do governo de transição, a UNTAET lamentava-se de não encontrar timorenses qualificados para ocupar lugares na administração pública e fui assistir às entrevistas de selecção. Verifiquei que eram feitas em inglês ou em bahasa indonésio. Explicaram-me que o inglês era a língua de trabalho da ONU. Respondi: 'então contratem intérpretes. Não estão a recrutar funcionários para a ONU mas sim para o Estado timorense, cujas línguas oficiais são o tétum e o português. Saber inglês pode ser uma habilitação suplementar, nunca um critério de selecção. A maioria dos timorenses não fala inglês e muitos não dominam português, porque durante a ocupação indonésia falar português era ser conotado com a guerrilha, dava direito a ser preso, torturado, morto. Até hoje, só se exige o tétum e só recentemente começou a exigir-se provas de português. No meu ministério, só aceito documentos em tétum ou em português. Se vierem em inglês ou em bahasa, voltam para trás.
O facto de haver oficiais da polícia oriundos da polícia indonésia não criou problemas?
O recrutamento da Policia Nacional de Timor-Leste (PNTL) foi inteiramente feito pela UNTAET. Incorporaram mais de 100 agentes e oficiais indonésios, alguns dos quais tinham uma folha de serviços muito má, referenciados como torcionários. Foi o que provocou a primeira divisão entre os chamados «nacionalistas» e o grupo dos «autonomistas», ex-agentes da polícia indonésia que foram incorporados na PNTL em nome da reconciliação nacional. Costumava dizer que a policia foi estruturada para se desestruturar na altura da primeira crise. Foi o que aconteceu.
A criação de forças especiais também criou mal-estar e aparece agora relacionada com grupos paramilitares de autodefesa.
Em Janeiro de 2003, milicianos infiltrados através da fronteira com Timor Ocidental atacaram aldeias, mataram populações indefesas, na região de Atsabe. A nossa polícia, que só tinha uns 15 homens na zona armados com pistolas, não foi capaz de reagir. Fizemos intervir os militares das Forças de Defesa e Segurança (FDSTL) e fomos acusados de violações dos direitos humanos.
Foi nesta altura que se decidiu criar a Reserva Especial da polícia, para actuar fora das zonas urbanas, segundo o modelo da «Jungle Police» da Malásia. Os seus membros foram recrutados no seio da PNTL, deviam ter pelo menos seis meses de serviço e nenhum antecedente disciplinar. Receberam um treino mais puxado, tipo rangers, equipamentos adequados e armas automáticas.
Como aparecem armas nas mãos de civis?
Há armas nas mãos de civis porque o comando da polícia falhou. Os paióis foram roubados, há armas em circulação na posse de pessoas que não sabemos ao certo se são civis ou polícias que despiram as fardas. Não creio que entrou clandestinamente mais armamento em Timor. Há muitas especulações que são aproveitadas, sobretudo pelos australianos, para provar que há descontrolo por parte do governo. Está a fazer-se o levantamento das armas existentes e das que faltam ao inventário. As FDSTL fizeram-no imediatamente, porque estava tudo bem organizado. Na policia não.
As FDSTL não têm problemas?
Têm um comando e quando há comando há disciplina, felizmente.
Quem são os grupos armados que o Rogério Lobato admitiu ter autorizado?
Não sei. Só tenho uma certeza: não são da Fretilin. Como disse o Lu-Olo (presidente da Fretilin e do Parlamento), a Fretilin não tem milícias armadas, não é nem nunca foi um partido terrorista como uma certa imprensa quer fazer crer. Também não conheço o Railos, mas recebi uma mensagem dele, no meu telemóvel, a 12 de Junho. No SMS que recebi por engano (era dirigido a Lu-Olo) Railos autoproclamava-se chefe do «Grupo de Salvaguarda Povo e Nação» e dizia, em tétum, que sabia que a Fretilin não distribuiu armas, mas que quem o fez foi Alkatiri. Julgo que estão a tentar dividir a Fretilin para fazer cair o Governo.
Num artigo de opinião, o seu filho, Loro Ramos Horta, acusa Mari Alkatiri e Xanana Gusmão, de serem responsáveis da actual situação. (ver «Os senhores da Guerra» - Expresso, edição de 10.06.2006)
O meu filho ficou furioso e preocupadíssimo com o que nos poderia acontecer, a mim e ao meu filho pequeno, e telefonou-me para dizer que devia pedir asilo numa embaixada. Depois publicou um artigo horrível e fui eu que lhe telefonei para lhe dizer 'Julgava que tu eras um académico, mas um académico não escreve assim. Podemos ter divergências, mas não baixar até ao insulto. Por outro lado tens obrigação de saber do que estas a falar. Mesmo que quando se discorda tem que haver respeito pelas instituições do país, que custaram tanto sangue e sofrimento'. Sente a necessidade de defender o pai, eu compreendo, mas quem o ler vai pensar «tal pai tal filho».
Foi a Genebra para falar na sessão inaugural da Comissão dos Direitos Humanos da ONU. Pediu apoio para investigar os recentes acontecimentos de Timor?
O apoio internacional já foi pedido pelas autoridades timorenses competentes.
Mari Alkatiri declarou que as casas incendiadas, saqueadas, foram «operações cirúrgicas»...
Isto é outra história. É bom que se saiba que os incêndios, as casas saqueadas, as ameaças contra pessoas, aconteceram maciçamente depois da chegada das tropas australianas e depois de nós termos ordenado aos militares timorenses para recolher aos quartéis. Toda a gente pedia ao Governo para chamar as FDSTL. Mas depois de terem voltado para os quartéis, já não podiam sair sob pena de serem desarmados pelos australianos.
O facto do embaixador de Timor na ONU, José Luís Guterres, ter sido candidato à presidência da Fretilin e ter criticado publicamente o PM e o Governo não cria uma certa confusão?
Um cidadão não deixa de o ser por ter sido nomeado embaixador. Tem o direito de participar em actividades políticas. Acho que se deveria coibir de certas manifestações públicas, para que a sua lealdade não suscite dúvidas. Ramos Horta fez uma observação neste sentido no Congresso da Fretilin.
A Justiça está em condições de funcionar em Timor-leste?
Depois de tomar o controlo das forças de defesa e segurança, a Austrália e a Nova Zelândia vão querer controlar a Justiça. É aliás um problema antigo. Quando eu era ministra da Justiça, era a Nova Zelândia que tomava conta das cadeias. A uma dada altura, mandei fazer uma inspecção, porque me chegaram rumores de irregularidades. Brindaram-me com um motim de reclusos, que se verificou depois ter sido orquestrado para comprometer o Governo. Os neozelandeses retiraram-se e depois de muita guerra e muita intriga, Portugal ficou encarregue deste sector e da Justiça. Quando deixei a pasta, já tínhamos assinado todos os protocolos de cooperação, para a formação dos magistrados, etc. Mas há quem não veja com bons olhos esta presença portuguesa e faça tudo para obstruir a aprovação das leis, do Código Penal. Agora, os australianos desembarcaram com polícias, investigadores, magistrados. Vão querer tomar conta da Justiça e depois da Administração Pública. Se isto acontecer, será o fim da independência e da soberania de Timor. Não se enganem: há uma estratégia por detrás disso. Fizeram exactamente a mesma coisa nas ilhas Salomão. A pretexto da luta contra os bandos, jogaram a polícia contra os militares e conseguiram por no poder o Governo que queriam. O problema é o tempo, que é curto, e temos menos de um ano até as eleições.
sábado, junho 24, 2006
Entrevista Expresso - Ana Pessoa
Por Malai Azul 2 à(s) 16:24
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
Traduções
Todas as traduções de inglês para português (e também de francês para português) são feitas pela Margarida, que conhecemos recentemente, mas que desde sempre nos ajuda.
Obrigado pela solidariedade, Margarida!
Obrigado pela solidariedade, Margarida!
Mensagem inicial - 16 de Maio de 2006
"Apesar de frágil, Timor-Leste é uma jovem democracia em que acreditamos. É o país que escolhemos para viver e trabalhar. Desde dia 28 de Abril muito se tem dito sobre a situação em Timor-Leste. Boatos, rumores, alertas, declarações de países estrangeiros, inocentes ou não, têm servido para transmitir um clima de conflito e insegurança que não corresponde ao que vivemos. Vamos tentar transmitir o que se passa aqui. Não o que ouvimos dizer... "
1 comentário:
Xanana Gusmão está preocupado, não quer a FRETILIN: quer o poder absoluto!
A FRETILIN não tem estado a facilitar as coisas a australianos e aos poucos* timorenses que se manifestam contra Mari Alkatiri.
Há, no entanto, aqui vários problemas.
Primeiro acharam que seria massacrando Mari Alkatiri que conseguiriam alterar as coisas. Agora perceberam que Mari Alkatiri não está agarrado ao Poder, mas sim agarrado à Constituição da República.
E perceberam também que a FRETILIN sabe continuar a respeitar a Constituição da República e que o fará sempre - contrariando a vontade de Xanana Gusmão e seus pares.
Surge o independente ministro José Ramos Horta, não surpreendentemente, a posicionar-se para reentrar na FRETILIN, para tomar o poder por dentro - quiçá para aceder a primeiro-ministro sem ser por iniciativa presidencial -, controlar o partido e mudar o rumo do mesmo mais para os interesses de Camberra e de Washington -, e até já "autorizou" o seu embaixador americano a regressar a Dili.
Xanana Gusmão cometeu outro erro estratégico no processo do assalto ao poder- e aqui não leva aspas pois é mesmo de assalto ao poder que se trata em Timor -, na sua provincial declaração deixou escapar da primeira à última linha que o que se pretende é a decapitação da FRETILIN e a sua anulação política e partidária.
Xanana Gusmão, que esteve e está, desde a primeira hora, numa política de enfraquecimento da FRETILIN - criando** partidos políticos e estímulando a sua acção -, tem agora o maior desafio da sua estratégia comum a José Ramos Horta e aos amigos americanos e australianos, que é o de provocar o declínio do maior partido timorense.
A execução do plano de aniquilação do partido político FRETILIN ainda está em marcha.
O passo seguinte é o que está a acontecer.
A FRETILIN percebeu desde o início a estratégia de Xanana Gusmão. Conduziu as coisas até a ponto em que estamos.
Xanana Gusmão, provinciano que é, mal preparado e mal aconselhado, perdeu as estribeiras e veio a público gritar brejeiramente, em tom e conteúdo bulhento, contra a FRETILIN e pessoas às quais o país deve muito, como é o caso do comandante Lu'olo.
O plano seguinte também já está em marcha.
Xanana Gusmão, ontem de forma burlesca, dirigiu-se aos seus homens - aqueles que ele tem controlado desde a primeira hora e protegido -, em pleno centro da cidade, protegidos pelos militares australianos***, para lhes agradecer a dedicação, usando as suas palavras, a "esta guerra".
Agora a hora é de passar à destruição da FRETILIN.
As tropas pseudo-políticas (a quem Xanana vai ter da pagar as promessas, pois caso contrário ...), de Xanana Gusmão, com Fernando de Araújo, Leandro Isaac, Manuel Tilman, Mário Carrascalão, Ângela Carrascalão, Lúcia Lobato, Joe Gonçalves, entre tantos outros pela primeira vez, nestes últimos anos podem andar a gritar vitória com os manifestantes pelas ruas de Díli.
Provocar a FRETILIN para uma reacção violenta ao circo montado em seu torno é o objectivo dos manifestantes, coordenados com a chefia máxima, de forma a provocar o governo de iniciativa presidencial. De outra forma, na forma actual, será a FRETILIN a decidir quem e como governa. A Constituição está viva e a FRETLIN, ao contrário do Presidente da República continua a ser o único pilar que sustém a Democracia, a Soberania ea Unidade Nacional.
Xanana Gusmão e José Ramos Horta sabem-no e estão a desesperar, estão emparedados.
A ofensiva seguinte está aí, os desertores passaram a Frente Nacional - com o sorriso de Xanana Gusmão - e já tomaram várias medidas, como a do encerrar o Parlamento Nacional e tomar conta dos movimentos na cidade de Dili.
* Poucos manifestantes, duas a três mil pessoas não têm "quórum" para a representação de um Povo Soberano e Democrata;
** sobre a consituição do PD e do PSD todos sabem dentro e fóra destes partidos como se processou o seu nascimento nos bastidores e o contributo que o "fotógrafo" deu ao surgir nos comícios como que por acaso;
***A entrada dos militares australianos era fundamental. De tal forma, que José Ramos Horta, com o "cc" de Xanana Gusmão, assinou o acordo, à revelia do governo ao qual pertence, dotando de poderes totais as tropas australianas - há sempre um preço a pagar nestas coisas.
Sem as tropas inoperantes, mas a comandar internamente, Xanana Gusmão e José Ramos Horta não tinham conseguido levar o processo até ao ponto em que está.
Reparem como os manifestantes foram introduzidos na cidade com o apoio das tropas e a sua segurança é assegurada pelos militares. reparem como Xanana Gusmão não respeita os seus pares e "deixa" promover provocações em caravana automóvel a casa do primeiro-ministro e em frente às instalações da FRETILIN.
Enquanto isso, nas estradas do país, as tropas australianas estão a bloquear os militantes da FRETILIN que organizados por si e em grupos pretendem dirigir-se a Dili.
Conclusão prévia:
Mesmo sem Mari a dirigir o Governo, vitimado por um golpe de Estado presidencial, a FRETILIN continuará a ser o partido que formou o governo em funções, com ou sem Mari Alkatiri.
Sabemos, todos nós ,que as coisas não ficam por aqui.
Xanana Gusmão, os amigos e a Austrália não estão satisfeitos - não esquecendo os USA, que já manifestaram todo o apoio à Austrália nas suas decisões para com Timor-Leste -, daí que se esperem mais ofensivas contra a pacificidade da FRETILIN, hoje, amanhã, mas não para sempre - desde que José Ramos Horta consiga entrar lá para dentro.
Enviar um comentário