DN
25.06.2006
João Pedro Fonseca Em Díli
Quando virá a solução para a crise? Será hoje? É a pergunta que todos se fazem em Díli, desde políticos, estrangeiros, fretilins, apoiantes de Xanana, jovens manifestantes. É fácil perceber o que cada um quer, mas ninguém se atreve a adivinhar o futuro. A bola está agora do lado do maior partido, a Fretilin, que ficou de reunir o seu Comité Central e apresentar uma proposta ao Presidente. Mas ontem não foi possível fazê-lo. O argumento oficial prende-se com a impossibilidade de acesso ao local e falta de condições psicológicas e de segurança.
A reunião devia ter início às 09.00, mas por volta das 10.00 ainda não havia quórum. Depois, e numa questão de minutos, dezenas de camiões estacionados junto ao Palácio do Governo deslocaram-se para a frente do edifício da Fretilin, onde os manifestantes gritaram contra Alkatiri. Lá dentro, elementos do Comité Central disseram ao DN sentir-se insultados: "Isto é que é democracia? O Presidente faz uma declaração na televisão carregada de insultos, provocando e mentindo sobre a Fretilin."
Lá fora os jovens alertavam: "Não vale a pena mais encontros. Não interessam ao povo. O povo quer a demissão do Governo." Insultaram e caracterizaram, muito negativamente, os elementos da Fretilin apontados como sucessores de Alkatiri, nomeadamente a ministra da Administração do Estado, Ana Pessoa, de quem disseram ser "ainda mais ditadora que Alkatiri." De vez em quando o discurso subia de tom: "Se for preciso vamos capturar Alkatiri para o levar a tribunal internacional." A solução, para os manifestantes, está nas mãos de Xanana.
A cada hora a pressão popular aumenta. Frente ao edifício do Comité Central, a GNR controlou a situação sem dificuldade, mantendo aberta a estrada para o aeroporto. Em teoria, Alkatiri e os membros do Comité Central poderiam deslocar-se, mas a pressão popular seria enorme.
O adiamento da reunião parece interessar aos dirigentes da Fretilin, que procuram soluções no quadro da legalidade constitucional. Daí os contactos para uma mediação internacional, a vinda de Ana Pessoa (chega hoje) e de Ian Martin, enviado de Kofi Annan, amanhã. Por outro lado, a facção dura da Fretilin, que pode levar o braço-de-ferro ao limite tentando provar que os manifestantes na capital (cerca de 6000) não representam a população, pode estar a reunir condições para trazer a Díli multidões de apoiantes do Governo. Um "disparate" dizem os opositores do Executivo. Ninguém sabe.
Em Timor-Leste é fácil manobrar a população: maioritariamente analfabeta, com grandes necessidades básicas e um historial de guerras sucessivas, muda facilmente de opinião. Na guerra das massas, tudo está em aberto, e o jogo também se faz neste tabuleiro. Em 1999, jovens aceitavam integrar as milícias indonésias por um saco de arroz ao fim do dia...
Depois, é estranho que, numa crise como esta, uma reunião considerada fundamental não se realize por razões de segurança quando há mais de mil militares australianos em Díli, umas centenas de malaios e centenas de polícias portugueses e australianos. Não seria difícil organizar um cordão de segurança, mas parece não haver muito interesse nisso.
Se se realizar hoje a reunião do Comité Central, há dois caminhos prováveis: a indicação de outro elemento da Fretilin para a chefia do Executivo ou a demissão em bloco do Governo e a entrega da batata quente a Xanana. Há uma terceira muito perigosa: o Comité Central dizer que não há lugar para demissões.
Hoje é mais um dia decisivo, que pode não decidir nada...
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Portugal não comenta apelo de Alkatiri
Ana Sá Lopes
Helena Tecedeiro
As autoridades portuguesas recusaram ontem comentar o apelo lançado, na véspera, por Mari Alkatiri à mediação do ex-presidente Jorge Sampaio na crise timorense. Depois de Sampaio ter remetido a decisão para o actual chefe do Estado e para o Governo, Cavaco Silva limitou-se ontem a afirmar que o seu antecessor "conhece bem o país e deve estar imensamente preocupado".
Em declarações à Lusa, o Presidente sublinhou ainda que a situação em Timor-Leste é uma questão interna, recusando fazer mais comentários enquanto não forem conhecidos novos desenvolvimentos.
O Ministério dos Negócios Estrangeiros também recusou comentar o apelo de Alkatiri, tendo o porta-voz do ministro Freitas do Amaral, Carneiro Jacinto, afirmado ao DN preferir esperar que a situação se esclareça. Posição idêntica teve o gabinete do primeiro-ministro, José Sócrates.
Na sexta-feira, Alkatiri, inquirido pelo DN, apontou Sampaio, o ex-presidente de Moçambique Joaquim Chissano e o enviado especial do secretário-geral da ONU, Ian Martin, como mediadores ideais, sublinhando o seu profundo conhecimento de Timor-Leste e o bom relacionamento que mantém com os principais protagonistas da crise.
Num artigo de opinião publicado na edição de ontem do Expresso, Sampaio garante ter chegado o momento de Portugal assumir as suas "obrigações num processo lento de construção do Estado" timorense. Não fazendo qualquer referência ao seu eventual papel de mediador, o ex-presidente lança críticas à ONU, afirmando que a redução gradual da sua missão em Timor-Leste "tornou muito difícil evitar uma escalada de violência interna". Sampaio aplaude ainda o papel da Austrália na constituição das forças internacionais e considera o Governo de Camberra como um parceiro fundamental para Portugal no seu esforço de consolidação do Estado timorense.
1 comentário:
Finalmente um Ilustre Português que percebe que o papel de Portugal não é andar em bicos dos pés com paternalismos a roçar o colonialismo. Nota 20 para Jorge Sampaio!!
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