segunda-feira, junho 18, 2007

Timor-Leste: José Mattoso considera situação "complexa" e não arrisca prognósticos

LUSA - 17/06/2007 09:10
Nuno Lopes (texto) e Nuno Alegria (fotos), da Agência Lusa

Lisboa, 17 Jun (Lusa) - O historiador José Mattoso, que coordenou a organização do arquivo da Resistência Timorense pela Fundação Mário Soares, disse numa entrevista à Agência Lusa que a "actual situação é tão complexa" que não arrisca qualquer prognóstico.

José Mattoso, também autor de uma biografia do líder da resistência Konis Santana (1957-2005), afirmou que "a realidade é complexa, não só actualmente, mas desde sempre".

"Não entendo nada dos timorenses, francamente não compreendo aquele país e aquele povo. Compreendo que Timor é constituído por uma grande quantidade de comunidades unidas por vínculos de tipo clãnico, familiar, que vêm até hoje, e que perduraram como comunidades antagónicas, devido ao seu anterior isolamento. Tinham línguas diferentes, viviam em espaços reduzidos, e cultivavam a agressividade contra os outros como forma de subsistência", afirmou.

O historiador, que leccionou em Timor-Leste de 2000 a 2005, salientou também o facto de os timorense serem "um povo com tradições culturais muito ritualizadas, muito interessantes, mas estudadas de uma maneira muito superficial, exceptuando três ou quatro estudos antropológicos sérios".

José Mattoso, 74 anos, fala de Timor-Leste de forma emocionada e até arrebatadora quando se refere ao papel da Resistência e do seu líder, morto em 1998.

À realidade étnica, Mattoso contrapõe "a realidade dos exilados que lutaram sempre pela independência, não com as categoriais mentais dos reinos e clãs, mas com as dos países de acolhimento, ou os esquemas mentais ocidentais conforme os partidos políticos que os apoiaram ou os apoiantes que encontraram".

Por outro lado, há os guerrilheiros que "tinham direito a ter alguns benefícios da independência, mas tiveram de ficar nas montanhas sem emprego e por vezes, até, com fome".


Segundo a análise do historiador, esta situação "levou muitos guerrilheiros e outros participantes na Resistência clandestina e até membros do clero a questionar: 'Afinal que ganhamos com a independência? são só eles [os que controlam o poder político e económico] e nós nada?'".

"A mãe do Konis, por exemplo, vive na miséria. É o que acontece a muita gente", enfatizou o investigador.

José Mattoso salientou também a "importância do papel que a ONU desempenhou em todo este processo".

Segundo o historiador, a ONU "trouxe pessoal internacional a ganhar muito dinheiro, houve muitos relatórios pagos a peso de ouro, uma intervenção empenhada do Banco Mundial, muitos projectos dirigidos por centenas de ONGs, e os seus funcionários a ganharem salários infinitamente maiores do que os dos timorenses, mesmo dos que com eles colaboravam".

Contudo, "comparativamente, na resolução dos problemas de Timor a ONU gastou muito pouco", sublinhou.

O biógrafo de Konis Santana citou Sérgio Vieira de Mello, representante especial das Nações Unidas no território, segundo o qual "apenas 10% do orçamento da ONU ia para Timor e que os restantes 90% eram para funcionários e outras despesas de manutenção".

"Tal levou a que os timorenses que trabalhavam na ONU e nas ONGs ganhavam muito mais do que os familiares que viviam da agricultura. Isso e o desemprego da grande maioria dos jovens criou situações terríveis de disparidade económica", referiu.

As críticas de Mattoso vão também para o que falhou "no papel da Igreja, que procurou fortalecer-se, dominar as consciências e as orientações sociais, muitas vezes com muito pouco empenhamento no apoio das necessidades básicas e na criação de uma certa cultura popular ou numa ideologia identitária. Não se percebe o que quer a Igreja timorense, nem a sua passividade a respeito da violência".

Mattoso considera que em Timor-Leste "há poucas instituições verdadeiramente empenhadas em compreender os problemas do povo".


A este quadro Mattoso acrescentou "os interesses da China, Austrália e da Indonésia, além das pressões exercidas sobre os chefes dos partidos, e a situação de apropriação de poder político por parte da FRETILIN, pelo facto de ter obtido a maioria absoluta nas primeiras legislativas".

Um outro factor salientado por Mattoso é "a quantidade de jovens desenraizados das estruturas tradicionais, sem emprego, que não vão para a universidade, não estudam, se organizam em grupos de artes marciais, e cultivam uma agressividade que vem do tempo dos seus antepassados".

"Perante tudo isto não se pode traçar um prognóstico", disse o historiador.

José Mattoso foi trabalhar para Timor-Leste através da Cooperação Portuguesa, com o objectivo de recuperar a documentação timorense. Quanto à biografia de Konis Santana, inicialmente era para ser apenas um texto "relativamente curto", disse.

Porém, o que encontrou, nomeadamente no refúgio de Konis Santana, "era tão forte, tão pungente, tão dramático" que entendeu ter "material suficiente para fazer uma história da Resistência".

"Fiz a biografia como forma de contar a história da Resistência. No meu fascínio por Konis, reconheço que há uma atitude um pouco romântica, como aquela que nos leva a admirar personagens como Che Guevara".

O historiador reconhece que foi motivado também por outra razão. "O que me aguçou verdadeiramente a curiosidade, foi perceber como é que aquele povo, meia dúzia de pessoas, sem nada, sem recursos nenhuns, acossados por todos os lados por um exército poderosíssimo, com as armas mais sofisticadas, com todos os recursos, e ainda por cima com o apoio internacional, consegue aquilo - a independência. Por isso falei em 'milagre'".

"Situações como esta, aparentemente inexplicáveis, são muito atraentes para um historiador", declarou.

NL-Lusa/Fim

3 comentários:

Anónimo disse...

É lamentável que pouca gente faça uma profunda reflexão sobre o modelo de desenvolvimento para T.L.
A insistência no modelo de estado de direito democrático à maneira ocidental, não se aplica para já em T.L. Metam isso na cabeça os que não querem ver que o "Rei vai nu". Enquanto o "politicamente correcto" se sobrepuser ao antropológico e social, não vai haver nem paz nem efectivo desenvolvimento naquele território.

Anónimo disse...

Não é o antropológico e social que vai criar instituições fortes e que garantam a segurança. E sem segurança não vai haver desenvolvimento. O equivoco tem sido esse alimentado por muitos antropólogos frustrados que foram para Timor Leste delirar, incendiar os ânimos e ganhar dinheiro!
Para que serve um Estado?
Para garantir a defesa e a segurança. A Justiça, a educação e a saúde.
Sem uma polícia profissional, sem um exército eficaz, sem tribunais competentes e bem organizados, sem hospitais que assegurem a boa saúde do povo, sem as escolas a preparar as novas gerações para o futuro, Timor Leste não se livrará da balburdia, da dependencia externa e da pobreza.
Não há alternativa ao reforço das instituições do Estado. E isso tem de ser feito pelos timorenses e com os timorenses com tempo persistência e paciência.Em paz e com muita tolerância para com os erros que vão ser necessariamente cometidos. Mas com os erros também se aprende e também se avança se souberem ser reconhecidos e não voltarem a ser repetidos.
Não há tradição de instituições do Estado em Timor Leste? A tradição também se cria. Há 300 anos não havia estados no continente americano!Hoje existem dezenas...

Anónimo disse...

… À custa de muito sangue e muita dor.

Parece que se fala de alhos e se entende... bugalhos:

Os antropólogos, mesmos alguns dos frustrados, mas que conhecem há muito, muito tempo, Timor-Leste e os timorenses, sabem que um Estado se estabelece e se consolida com as premissas indicadas e outras, também.( O parto terá que ser paciente por difícil, já se sabe).

O que está em causa não é a sua necessidade, urgência, paciência, etc., mas sim o modo como as alcançar. A escada desse processo é penosa de percorrer e não se podem dar saltos nos degraus da consciência colectiva e no desenvolvimento político. Queimando etapas, correm-se grandes riscos de graves quedas e sofrimentos, muito sofrimento para todo um povo…é o que está a acontecer em T.L. e provavelmente se agravará.
A solução deverá ser encontrada pelos próprios intervenientes (os timorenses) e não devem ser os de fora a impor modelos que não funcionam nas condições actuais e que estão a provocar muita dor. A comunidade internacional solidariamente deve ajudar no desenvolvimento, mas não impor modelos desadequados à realidade histórica (para não falar em antropológica) local. É isso que não está a ser devidamente equacionado, tão só.

Traduções

Todas as traduções de inglês para português (e também de francês para português) são feitas pela Margarida, que conhecemos recentemente, mas que desde sempre nos ajuda.

Obrigado pela solidariedade, Margarida!

Mensagem inicial - 16 de Maio de 2006

"Apesar de frágil, Timor-Leste é uma jovem democracia em que acreditamos. É o país que escolhemos para viver e trabalhar. Desde dia 28 de Abril muito se tem dito sobre a situação em Timor-Leste. Boatos, rumores, alertas, declarações de países estrangeiros, inocentes ou não, têm servido para transmitir um clima de conflito e insegurança que não corresponde ao que vivemos. Vamos tentar transmitir o que se passa aqui. Não o que ouvimos dizer... "
 

Malai Azul. Lives in East Timor/Dili, speaks Portuguese and English.
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