quarta-feira, maio 14, 2008

Arroz, base alimentar e angústia sasonal

Díli, 14 Mai (Lusa) - Timor-Leste, o país mais pobre de uma região exportadora de arroz, sofre de um défice crónico de produção alimentar. O arroz, a base da alimentação, é o centro de uma angústia cíclica, embora existam condições para a autosuficiência.

A produção actual de Timor-Leste é de 40 mil toneladas de arroz por ano. O país tem que importar anualmente entre 50 a 60 mil toneladas, o que significa que apenas 30 por cento do arroz consumido pelos timorenses é produzido no país.

Dito ainda de outro modo: Timor-Leste produz arroz para três ou quatro meses de consumo; o arroz para o resto do ano tem que vir de fora.

Antes de 1999, o recorde de importação de arroz situou-se nas 48 mil toneladas e a produção foi estável ao longo da década, em média de 65 mil toneladas, com um pico de 74 mil toneladas em 1995.

Os principais distritos produtores de arroz são Viqueque, Baucau, Bobonaro e Manatuto.

Um relatório de 2001, feito pela Autoridade de Transição, indicava que apenas 40 por cento da terra arável estava cultivada, um dos indicadores do potencial por explorar.

Apenas 29 por cento da força de trabalho total era usada no sector, embora existam estudos que indicam que a agricultura, combinada com projectos de infra-estruturas e comercialização, poderia assegurar quase 75 por cento dos empregos.

Os estudos económicos e agronómicos sobre Timor-Leste retratam um país onde o sector agrícola é, apesar disso, a única fonte de rendimento de 80 por cento da população, a um nível de subsistência e num contexto de problemas estruturais.

No caso do arroz, estudos posteriores à independência mostravam que 75 por cento da população rural depende da orizicultura para sobrevivência ou para obter lucros marginais. No entanto, 75 por cento da produção de arroz é para consumo próprio das famílias camponesas, deixando apenas 25 por cento para entrar no mercado.

A penúria alimentar na cidade e no campo reflecte o quadro mais geral da agricultura timorense: lotes de pequena dimensão, baixa produtividade por hectare, altos níveis de analfabetismo e problemas de saúde da população, cumulados num nível de vida muito baixo.

Experiências recentes em Maliana (oeste) com sementes melhoradas demonstraram que é possível ao agricultor timorense atingir o nível de nove toneladas de arroz por hectare.

Uma camponesa da região recebeu um tractor como recompensa, sábado passado, na cerimónia de início da colheita. No entanto, a média nacional é de apenas duas toneladas de arroz por hectare.

Os hábitos alimentares dos timorenses sofreram uma alteração durante a ocupação indonésia, aproximando-se dos gostos do Sudeste Asiático.

No tempo colonial português, a base da alimentação dos timorenses era o milho. Actualmente, o milho é a base da dieta de 45 por cento da população rural mais pobre, mas sempre como cereal de substituição do arroz, o que acontece também com os pobres na população urbana.

Timor-Leste produz cem mil toneladas de milho por ano, além de produzir quantidades substanciais de mandioca. Ambos os cereais constituem alternativas e complemento na dieta diária, sobretudo em épocas de escassez de arroz.

O café, principal cultura de exportação, continua num patamar de cultura de subsistência, com os níveis de produtividade inferiores a metade do potencial conhecido.

O arroz está a ser vendido nos mercados da capital, Díli, por 50 ou 60 cêntimos de dólar norte-americano, com arroz de distribuição governamental disponível, comparando com 40 cêntimos por quilo há seis meses.

Estes preços foram hoje dados em Díli por responsáveis das Nações Unidas em Timor-Leste. Uma visita ao mercado de rua no centro da capital revela um preço um pouco superior, rondando os 70 cêntimos de dólar por quilo.

O preço do arroz no mercado mundial é de 1,20 a 1,30 dólares por quilo, comparado com 40 cêntimos de dólar há seis meses.

Em todo o caso, "sem comida do governo no mercado, o preço rondaria o dobro" em Timor-Leste, salientaram hoje os responsáveis do Programa Alimentar Mundial (PAM) e da organização para a Agricultura e Alimentação (FAO) no país.

Os mesmos responsáveis afirmaram que "há comida suficiente para os próximos tempos" e consideraram improvável que se venha a registar uma crise alimentar devido ao contexto internacional, mas alertaram que a crise já quase habitual só será ultrapassada com um aumento da produção.

"Não esperamos uma crise (alimentar), pela monitorização semanal que vimos fazendo dos géneros disponíveis no mercado e dos preços praticados", declarou hoje Finn Reske-Nielsen, representante residente do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) em Timor-Leste.

"A situação está a ser seguida pelo Governo, com importações de arroz", acrescentou Finn Reske Nielsen, salientando que "não há motivo para alarme".

O Governo timorense concluiu um acordo com o Vietname para a importação de 16 mil toneladas de arroz, "que estão neste momento a ser embarcadas" para Timor-Leste, de acordo com o director do Programa Alimentar Mundial no país, Joan Fleuren.

"Continuam negociações com outros países para a importação de arroz, incluindo com a Indonésia e talvez com a Tailândia, que é o maior exportador de arroz do mundo e ainda não fechou as suas fronteiras à exportação", declarou Joan Fleuren.

Chana Opaskornkul, director da FAO em Timor-Leste, frisou que "a causa essencial das crises alimentares é que o país nunca foi auto-suficiente em comida".

Apesar de estar para já afastada uma crise mais grave, um relatório elaborado em Setembro de 2007 pelo PAM e pela FAO, sobre a situação em Díli, revelou que existem 25 mil pessoas "em risco de vida" na capital, a necessitar de ajuda alimentar urgente.

O relatório indicou também que outras 40 mil pessoas estão em "risco de subsistência", numa cidade com cerca de 120 mil habitantes.

Em média, uma família timorense gasta cerca de 60 por cento do seu rendimento em comida (75 por cento em famílias pobres).

Armazéns de alimentos foram atacados em Fevereiro de 2007, sobretudo em Díli, e a fúria popular foi dirigida contra viaturas e instalações das Nações Unidas e do Governo. Também em 2006, em plena crise política e militar, o arroz faltou nos mercados.

Além das consequências directas sobre uma larga população que não consegue pagar o arroz aos preços actuais, as condições específicas de Timor-Leste após a crise de 2006 aumentam o potencial de instabilidade.

O relatório do PAM/FAO revelou que metade da população assistida com ração em Díli não está em situação de carência. Ao mesmo tempo, um igual número de pessoas com carência alimentar existe fora dos campos de deslocados.

Os dados disponíveis do PAM e da FAO indicam que 47 por cento das crianças timorenses sofrem de má nutrição crónica e 42 por cento abaixo dos cinco anos de idade têm menos peso do que seria normal.

Timor-Leste tem um rendimento anual per capita de apenas 370 dólares norte-americanos e 40 por cento da população vive abaixo do limiar mínimo nacional de pobreza, que é de 55 cêntimos de dólar por dia.


PRM.
Lusa/fim

1 comentário:

Anónimo disse...

Alô pessoal da Lusa:

Cuidado que a mandioca não é um cereal, mas uma raíz.

Uma curiosidade:

"Ai-farina", em Tétum, é o equivalente literal de "pau-farinha", um dos muitos nomes dados a esta planta no Brasil...

Traduções

Todas as traduções de inglês para português (e também de francês para português) são feitas pela Margarida, que conhecemos recentemente, mas que desde sempre nos ajuda.

Obrigado pela solidariedade, Margarida!

Mensagem inicial - 16 de Maio de 2006

"Apesar de frágil, Timor-Leste é uma jovem democracia em que acreditamos. É o país que escolhemos para viver e trabalhar. Desde dia 28 de Abril muito se tem dito sobre a situação em Timor-Leste. Boatos, rumores, alertas, declarações de países estrangeiros, inocentes ou não, têm servido para transmitir um clima de conflito e insegurança que não corresponde ao que vivemos. Vamos tentar transmitir o que se passa aqui. Não o que ouvimos dizer... "
 

Malai Azul. Lives in East Timor/Dili, speaks Portuguese and English.
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