Do João Porventura:
“A religião é a atitude do homem para com a sua própria essência – nisto reside a sua verdade -, mas com a sua essência, não como a sua, mas como uma outra, especial, distinta e mesmo oposta a ele -, nisto reside a inverdade, as limitações, a má essência da religião, nisto reside a fonte nefasta do fanatismo religioso, o supremo princípio metafísico dos sangrentos sacrifícios humanos, nisto reside, em suma a prima materia de tudo o que há de abominável, de todas as cenas arrepiantes na tragédia da história da religião”, diz Ludwig Feuerbach, em “A Essência do Cristianismo”.
Serve o presente pensamento, de um incontestável para, reflectidamente, assumir que o homem cristão timorense não é fanático e não se deixará cair jamais no fanatismo religioso. Contudo, se a falta de mobilização dos católicos, na anacrónica manifestação política/religiosa – se é que se pode entender tal antagonismo -, foi prova determinante de crueldade democrática, condenatória dos princípios da praxis, por parte dos organizadores, foi também, em certeza de lógica simples, um exercício que colocou à prova o discernimento popular. Ficou provada a superior capacidade do nosso povo na análise das questões vitais de estabilidade nacional e de consciência. Pode afirmar-se, sem margem de erro, que temos um povo que pensa por si, em numero superior ao que alguns laudatórios, mesmo retóricos, apostavam.
Estamos num processo de aprendizagem constante. A existência, enquanto isso, é continuadamente absorção de conhecimentos e de testes permanentes à razão pura das coisas – a começar pelo ser-se em si de cada um de nós.
António Damásio, cientista lusófono, de obras mundialmente reconhecidas, identifica no livro “Sentimento de Si” - obra de investigação/analítica -, a capacidade e existência de uma consciência que detecta a própria consciência. Apenas e tão só. O reconhecimento individual da consciência é particularmente premente na discussão da razão do auto-conhecimento, daquilo que nós é cognítivo ou não. Somos conscientes e analíticos. Conseguimos ser reactivos e passivos.
Três anos depois do 20 de Maio de 2002, o nosso povo sabe identificar-se a si mesmo e a quem deve dedicar a razão do seu conhecimento, das suas acções. Porventura, no atrás descrito, em verdade absoluta, estará a resposta ao quadro político actual da Nação.
A democracia, a nossa é, no concreto, jovem em resultado do tempo contabilizado como soberanos, reconhecidos internacionalmente. No entanto, independentemente de alguns sobressaltos - promovidos por quem escapa deliberadamente às regras da própria democracia que diz defender e pugnar, aqueles que em minoria não olham a meios para simular uma maioria salvadora -, o país tem dado provas de maturidade racional.
A Democracia tem tido no povo o seu maior trunfo. O passado não nos deixa fugir da memória da cobardia eterna que tanto sofrimento causou. Primeiro pelas questões internas, de irmãos contra irmãos. Mas, essa intolerância de frustração de poder político durou o que tinha para durar. O pior foi o depois. O depois foi a bárbara ocupação indonésia a pedido de alguns com a benção de potências que se escudavam numa “guerra fria”. Foram 25 anos de mortes, de usurpação das nossas riquezas e das nossas vidas. É essa memória que fez de Díli, no dia 20 de Maio passado, a cidade da razão absoluta. Foi ali que mais uma vez, João Carrascalão abraçou Francisco Guterres. A FRETILIN e a UDT estão reconciliadas, estão unidas democraticamente. No entanto, a razão dos opostos existe ainda a níveis duvidosos. Subsiste, doentiamente, naqueles que se identificam à imagem figurada de puros camaleões.
Já confiei na razão como conquista absoluta de todos nós. Hoje, tenho sérias e manifestas insatisfações na confiança e acreditar que depositei em alguns desses senhores. A memória pode ser ignorada, mas morre connosco. Ela existe e dirige-se para a porta do ser-se e deixar de se ser. O tempo não perdoa, a memória também não - é a tal consciência que o António Damásio fala no seu livro. Estamos a ficar mais próximos da consciência ignorada, estamos mais velhos alguns de nós já bem velhos -, daí que afirme a vontade de olhar o futuro com o optimismo eterno. Daí que olhe o futuro em respeito pelo passado. Daí que sugira que todos façam o mesmo, olhai o “eu” que existe em cada um de nós. É tempo de aceitar democraticamente a vontade da maioria do povo – pelo menos a que ainda hoje é dominante. É tempo de cada interesse político/partidário se reger pelo cumprimento das normas constitucionais. É com trabalho e muito trabalho, com propostas concretas que se semeia para mais tarde colher – parece-me que permanece em alguns, daqueles que atrás referi, a política da magia (sinónimo de nada fazer e tudo receber sem esforço, sem estratégia, sem cultura democrática, sem verdade, sem honra, sem dignidade).
Volto ao início desta crónica. A capacidade de mobilização da FRETILIN (não interessa o número - foi sobejamente suficiente para envergonhar os “organizadores” e os “aproveitadores” da manifestação do absurdo que, em apenas 19 dias, hipotecaram séculos de confiança junto do povo), demonstrou que o nosso povo sabe o que quer e a forma. Mostraram, em rigor, ser conhecedores das regras de um Estado democrático, que assenta na separação de poderes entre esse mesmo Estado e a Religião. A participação política é um direito inquestionável e de louvar quando interpretado desta forma.
Parabéns à FRETILIN, pela forma ordeira e democrática na organização de uma mobilização de contornos históricos. Foi ordeira, certeira e limpa.
João Porventura
no Jornal Nacional Semanario 2005
terça-feira, agosto 08, 2006
Um Povo, uma memória
Por Malai Azul 2 à(s) 12:10
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Traduções
Todas as traduções de inglês para português (e também de francês para português) são feitas pela Margarida, que conhecemos recentemente, mas que desde sempre nos ajuda.
Obrigado pela solidariedade, Margarida!
Obrigado pela solidariedade, Margarida!
Mensagem inicial - 16 de Maio de 2006
"Apesar de frágil, Timor-Leste é uma jovem democracia em que acreditamos. É o país que escolhemos para viver e trabalhar. Desde dia 28 de Abril muito se tem dito sobre a situação em Timor-Leste. Boatos, rumores, alertas, declarações de países estrangeiros, inocentes ou não, têm servido para transmitir um clima de conflito e insegurança que não corresponde ao que vivemos. Vamos tentar transmitir o que se passa aqui. Não o que ouvimos dizer... "
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