Público, 04.04.2007,
Por: Paulo Moura, em Oecussi (Timor-Leste)
Ramos-Horta foi em campanha a Oecussi, o enclave de Timor-Leste na parte indonésia da ilha. No comício havia sobretudo crianças. Uma jornada alucinante
José Ramos-Horta chega ao seu barco à frente de um grupo de crianças. O enorme ferry Nacroma não é dele, mas pode-se pensar que é. Ou ele quer que se pense. Hoje, alugou-o, por 4 mil dólares, para ir a Oecussi, o enclave de Timor-Leste na parte indonésia da ilha. "Eles sabem que fui eu que lhes consegui barco", diz Ramos-Horta, que, enquanto ministro dos Negócios Estrangeiros, negociou com a Alemanha a oferta do ferry que permite aos habitantes de Oecussi virem a Díli por quatro dólares e oito horas de viagem.
"Tio José, queres uma almofada?" A sobrinha do primeiro-ministro e candidato à presidência entra na sala da primeira classe chamada "Berlim". Traz amigas, entre os 13 e os 17 anos, de vários colégios de Díli. Externato de São José Balide, Escola Maria Auxiliadora dos Cristãos, Colégio Paulo VI. O resto do barco está cheio de apoiantes a quem foi oferecida a viagem. Muitas crianças. "Se eles pudessem votar, tinha a eleição ganha", diz Ramos-Horta. "Confiam em mim".
Sapatilhas Cat, camisa preta fora das calças brancas, há algo de displicente e promissor em Ramos-Horta. Algo de futuro. Ou simplesmente de calma.
É uma da manhã. A grande massa branca do Nacroma afasta-se do cais de Díli, cheia de crianças, e pode-se pensar que não tem data de regresso.
Num momento as estrelas rompem no céu, capazes de cegar, de tão intensas, e no momento seguinte cobrem-se de nuvens baixas e rápidas. Mas o dia nasce límpido e são as montanhas que nos orientam, no seu jogo púrpura de sombras. Oecussi está no horizonte às nove da manhã.
Na praia, umas cem pessoas juntam-se a outras tantas que chegam no barco e partem todos para a aldeia de Bakin, na região de Noe-Meco, nas camionetas fretadas pela campanha ou penduradas em cacho nas microletes, pequenos autocarros públicos.
O recinto do comício tem dois palcos, um toldo e um grande bulício. Muitas centenas de pessoas esperam o candidato, algumas empunhando cartazes e bandeiras de vários partidos. As crianças dominam, de rostos escuros e longas cabeleiras desgrenhadas. Descalças, como quase toda a gente. Magras, imundas, pode-se pensar que sem nome. Mas de olhos luminosos, rostos de esplendor breve e perturbador.
As poucas cadeiras estão reservadas para a comitiva, incluindo as meninas dos colégios. Corina, Genilda, Raliana, Bebe, Nina, Ony, Natha, Raquel, Emília, todas de calções, sandálias e pulseiras. Uma traz na mão um ursinho de peluche castanho. Levantam-se porque o comício vai começar. "Pai nosso que estais no Céu...", reza a multidão em coro. "... Ámen."
Só então Jorge Teme, que foi embaixador na Austrália, apresenta Ramos-Horta. "O candidato independente e da paz, conhecido internacionalmente", diz ele. As frases são intercaladas por Vivas! E palavras de ordem gritadas num megafone incompreensível. "Graças a Ramos-Horta, hoje temos um barco, o Nacroma. Ele é o candidato da liberdade, da paz, da estabilidade. Só ele merece a nossa confiança. É o candidato da mudança. Estão prontos para a mudança?"
A audiência clama que sim e sobe ao palco outro orador. "Ele é o Nobel da Paz. Ele conhece o mundo. Dia 9 vamos votar no candidato da paz."
Sex-symbol de Díli
Gritaria. Música. No outro palco, a banda Sacre Piss toca o Dame no Domin, que significa "Paz e Amor". O vocalista, Culu-hun Mato, usa óculos escuros, blusão cheio de autocolantes e boné ao contrário. Canta sentado, numa voz rouca e melosa que só levanta para disparar um "Viva Ramos-Horta!" cheio de carisma.
Também conhecido por ser líder de outra banda famosa, os Alcatraz, Culu-hun é um dos maiores sex-symbols de Díli. Tem tocado em comícios de todos os candidatos.
"Este povo é bom, porque não gosta da violência", começa Horta, ouvido em silêncio. "Se queremos progresso, temos de pôr de lado as catanas". Oecussi é um dos poucos lugares onde não houve conflitos nos últimos anos.
Simpatizantes e militantes dos vários partidos respeitam-se; no tempo da ocupação indonésia era grande a cooperação e o comércio entre as populações, apesar de terem depois ocorrido aqui alguns dos maiores massacres pelas milícias pró-indonésias. Há quem lhes chame traidores. "Somos conciliadores", diz Licínio, de 50 anos, que sempre aqui viveu. Hoje trabalha na construção civil, num projecto de construção de escolas. Mas trabalhou para os indonésios "quando não havia outro remédio". Apoia Horta, mas já foi da Fretilin, como quase toda a gente da aldeia. "As pessoas aqui gostam de paz. Tentam agradar a todos, porque não querem problemas".
A população de Oecussi é hoje vista por muitos como modelo de maturidade.
Apostam na amizade e no relacionamento, não no confronto. "Vou fazer negócios com a Indonésia", diz Horta, e recebe um forte aplauso. "Temos de ser amigos dos indonésios e dos australianos. Eu conheço-os bem. É muito perigoso passarmos o tempo a criticar as nações vizinhas. Não vivemos sozinhos aqui". Aplausos.
Está estimulado o primeiro ponto sensível. O segundo: "Alkatiri disse que eu ando por aí pendurado no Papa e nos bispos. É verdade. Tenho realmente boas relações com o Papa e com os bispos de Timor. Reúno-me com eles todas as semanas. O nosso Estado é embrionário, temos de trabalhar com a Igreja".
Aplausos. "O Estado trata do bem-estar físico do povo, a Igreja trata do bem-estar da sua alma". Aplausos.
Aplausos e aplausos
Terceiro ponto sensível: "Quando eu for Presidente, os materiais de construção não pagarão impostos. Nem as mesas e cadeiras para as escolas, nem os livros. Oecussi ficará uma zona especial, livre de impostos". Aplausos. Quarto ponto sensível: "Quando for Presidente quero trabalhar com Xanana Gusmão como primeiro-ministro." Muitos aplausos.
Zona ainda mais sensível: "As mulheres em Timor trabalham mais do que os homens." Aplausos tímidos. "Elas têm os mesmos direitos. E no dia 9 não são só os homens que vão votar."
Zona em ferida, em sofrimento flagrante e exposto: "As crianças." Horta levanta os braços, apontando um mar de miúdos esfarrapados. "Vocês têm de ter bibliotecas, computadores, Internet. Para que a nação tenha futuro."
Os meninos riem e desatam a dançar, porque os Sacre Piss atacam a sua versão "timorense-alternativa" de Maubere, a canção-hino composta nas montanhas da resistência em 1976. Todos se abraçam numa roda para o tebe, a dança tradicional. Mas a interpretação de Culu-hun troca-lhes um pouco os passos.
"Timor-Leste é a nossa nação..." canta o sex-symbol dos óculos escuros, enquanto os mais desinibidos vão saltando à vez para dentro da roda, para um solo de piruetas. Ramos-Horta é empurrado para lá mas a sua dança é dar a mão a beijar aos manifestantes que se lhe ajoelham aos pés.
Depois do almoço buffet, as pessoas regressam. Sobem para as camionetas, em algazarra crescente. Muitos trepam para os tejadilhos das microletes. O cortejo embrenha-se no calor dos caminhos. "Horta! Horta!", gritam jovens de tronco nu e fitas no cabelo, pendurados de formas impossíveis nos veículos, cabeças roçando as folhas gigantes das bananeiras. "Viva Ramos-Horta!"
Só no barco, já no meio do mar, a excitação acalma. Mas, de súbito, rompe uma algazarra no convés. Berros, correria. Haverá violência? O que se passa lá fora? Todos vão ver. Não. Seja o que for, passa-se no mar. À volta do barco, às dezenas, por todo o lado, tão próximos que se lhe pode ver a clarividência do olhar, lá estão eles, como se fossem uma escolta de honra. Corina, Bebe e Raliana entram como loucas na cabina "Berlim" e puxam Ramos-Horta pela mão. "Vem depressa, tio José. Anda ver os golfinhos."
José Ramos--Horta pede aos timorenses os votos necessários para suceder ao Presidente Xanana Gusmão.
quarta-feira, abril 04, 2007
O candidato das crianças chega a Oecussi
Por Malai Azul 2 à(s) 21:02
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Traduções
Todas as traduções de inglês para português (e também de francês para português) são feitas pela Margarida, que conhecemos recentemente, mas que desde sempre nos ajuda.
Obrigado pela solidariedade, Margarida!
Obrigado pela solidariedade, Margarida!
Mensagem inicial - 16 de Maio de 2006
"Apesar de frágil, Timor-Leste é uma jovem democracia em que acreditamos. É o país que escolhemos para viver e trabalhar. Desde dia 28 de Abril muito se tem dito sobre a situação em Timor-Leste. Boatos, rumores, alertas, declarações de países estrangeiros, inocentes ou não, têm servido para transmitir um clima de conflito e insegurança que não corresponde ao que vivemos. Vamos tentar transmitir o que se passa aqui. Não o que ouvimos dizer... "
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