Transcrição (pela Margarida) do artigo no Público que não está on-line:
General José Loureiro dos Santos, Público, 12 Julho 2006
Não “está escrito nas estrelas” que Timor-Leste tenha que ser anexado pela Indonésia, mesmo que apenas de facto, ou, em alternativa, passar a protectorado da Austrália. Há um terceiro cenário, que poderá envolver relações privilegiadas com um destes países, mas reservando liberdade de acção bastante para traçar, nos seus próprios termos (aqueles que os timorenses exprimirem democraticamente), o destino que pretende seguir.
Portugal, ao longo da sua história, viu-se a braços com uma situação relativamente idêntica, que nem sempre resolveu da melhor maneira. Por vezes, deixou-se amarrar demasiado às decisões do seu vizinho peninsular, ocorrendo mesmo um período em que perdeu a independência, outras vezes, cedeu o uso da sua plataforma estratégica e da sua riqueza à potência marítima, transformando-se num seu protectorado. São exemplos claros destas situações o período de 60 anos, de 1580 a 1640, relativamente a Espanha, e os decénios do início do século XVIII, na sequência do Tratado de Methuen, em 1703, e os perto de quinze anos que vão das invasões francesas à revolução de 1820, em relação à Inglaterra. Perdemos a independência e transformámo-nos num protectorado.
O curioso de assinalar é que qualquer destas posições-limite surgiu como resultado de desequilíbrios políticos internos que, por razões económicas, tenderam demasiado para uma das duas potências que reclamavam a capacidade de usar em seu proveito a plataforma estratégica portuguesa.
Timor-Leste tem uma posição geoestratégica singular, que pode ser extremamente vantajosa ou muito perigosa em função do rumo político que nele prevalecer. Existem grandes probabilidades de ser disputada, por motivos estratégicos, pela Austrália e pela Indonésia ou por qualquer potência que pretenda ameaçar invadir o grande país anglo-saxónico do Pacífico. O que mostra a importância da plataforma de Timor para a Austrália, que já a pretendeu comprar (em 1944), conforme foi visível durante a Segunda Guerra Mundial, quando o Japão a ocupou e dela efectuou bombardeamentos a Darwin.
Do ponto de vista da Austrália, o território de Timor-Leste não pode ser vulnerável a transformar-se numa plataforma que uma ameaça ao seu território nacional utilize como trampolim para o atingir. E tenderá a fazer o necessário para o controlar, se possível fazer dele um protectorado, caso considere o seu poder fraco; ou a aliar-se com ele, se entender que o poder político é forte (por si próprio ou com concurso de aliados). Registe-se que Timor-Leste não é o único país que a Austrália observa por este prisma. São olhados do mesmo modo todos os países próximos que são susceptíveis de servir de corredores de aproximação ao seu território. São os casos de Papua-Nova Guiné e das Ilhas Salomão (uma das quais é a mítica Guadalcanal).
Quando se somam interesses económicos aos interesses geoestratégicos, como acontece com Timor-Leste a propósito do petróleo, tudo se complica ainda mais.
A crise a que assistimos recentemente em Timor, aparentemente a esvaziar-se (?), e o comportamento de alguns actores externos e internos que nela participaram constituem um alerta para os cuidados que as suas lideranças deverão ter com as ameaças/apoios externos que se configuram e configuração na sua região.
De acordo com as notícias, tudo começou com um suposto motim militar, a que não seria estranha uma decisão errada das chefias castrenses, que levou ao afastamento das fileiras de cerca de seiscentos efectivos. Esta situação, que provocou tensões abertas nas ruas de Dili, levou a sua população, sofrida e escarmentada com acontecimentos anteriores, a refugiar-se nas montanhas, o que, para os timorenses, é sinal de grandes perigos. Curiosamente, os líderes do putativo motim anunciaram as suas reivindicações - apoio ao Presidente Xanana, demissão do primeiro-ministro, Mari Alkatiri, e formação de um governo chefiado pelo Ministro dos Negócios Estrangeiros à data, Ramos Horta, que governaria até às eleições gerais de 2007.
Para controlar a crise, o Presidente e o Governo de Timor solicitaram à Austrália, Portugal, Malásia e Nova Zelândia, o envio de forças militares e paramilitares, o que foi satisfeito pelos respectivos governos.
Não menos curiosas foram as declarações públicas, não muito depois, do primeiro-ministro da Austrália, ao mesmo tempo que despachava um importante contingente militar para Timor-Leste, contingente do qual a “guarda avançada”, como que prevendo o que se iria passar, já estava embarcada há algum tempo, pronta a zarpar. Estas declarações, aliás repetidas posteriormente, podem resumir-se numa simples frase: os problemas de Timor resultam dos erros de governação, pelo que há que substituir o governo. Não muito depois, a esposa de Xanana, declarou a um jornal australiano ser indispensável que o Presidente substituísse o primeiro-ministro. Sucessivamente interrogado pelos jornalistas, Ramos Horta mostrou-se disponível para assumir a chefia do governo. Tudo coincidências?
Até agora, tudo correu conforme os putativos “amotinados” tinham exigido. Já existe novo governo chefiado por Ramos Horta, depois de Mari Alkatiri ter sido forçado a demitir-se, debaixo da acusação de mandar distribuir armas a civis (terá fundamento ou não; se sim, tinha ou não o direito de o fazer?). Embora já haja quem conteste Ramos Horta e apresente Carrascalão como a melhor solução.
O mais interessante é que Xanana assumiu o “comando” dos “rebeldes” e acolheu como seu aquilo que eles queriam, que (imagine-se) também coincidia com o que a esposa (australiana) e o primeiro-ministro da Austrália afirmaram. E agiu, consequentemente, em termos políticos. Ou seja, pelo menos na aparência, a Austrália não gosta de Alkatiri e gosta de Xanana. Teriam as forças militares presentes no território timorense servido de escudo às pretensões da Austrália, “apoiando” no terreno a estratégia desenvolvida por Xanana? Tudo indica que sim, pelo menos psicologicamente.
Durante todo este processo, foi visível o facto de as Forças Armadas de Timor-Leste se terem mantido coesas, não tomando posições que afectassem significativamente qualquer dos actores políticos internos que se digladiaram, Presidente da República e chefe do Governo.
Para que a facção até agora vitoriosa tenha a capacidade de continuar o seu caminho sem perturbação de maior, precisa de substituir Taur Ruak, o comandante militar de Timor.
Quais serão os novos lances? Qual o peso real da Fretilin? E da Igreja Católica, e de elementos da oposição política, aliados, no mínimo, objectivos de Xanana e da Austrália? Qual será o posicionamento da ONU? Quando avançará uma força sob sua direcção, e qual será o papel dos Estados Unidos na sua definição e na fixação dos seus objectivos e regras de empenhamento? A China, sedenta de petróleo, ficará indiferente a este problema? O Japão, aliado dos EUA e com a mesma necessidade de combustíveis da China, colocar-se-à ao lado da Austrália? Como se posicionarão os restantes países da Ásia/Pacífico, nomeadamente Indonésia e Malásia? E que papel reservará a CPLP para si, particularmente alguns dos seus membros, como Brasil, Angola e Portugal?
Não se podem prever todas as tempestades que Timor terá pela frente. O que se afigura muito provável é que as coisas não ficarão por aqui.
Para já, parece que a Austrália está na rota do estabelecimento de um seu protectorado em Timor-Leste. Para isso, ser-lhe-ão muito úteis as infra-estructuras que começou a construir durante a anterior comissão das suas forças expedicionárias, no território cujo controlo tanto deseja...
O que não sabemos é se, no fim de todo o processo, vingará a liderança de Xanana, e, nesse caso, se aceitará o “abraço de urso” de ânimo leve, (ficar às ordens dos interesses australianos), ou se procurará contrabalançar a sua influência, recorrendo às relações com outras potências. De qualquer modo, em todo este contexto, encontram-se em jogo interesses culturais portugueses de alcance estratégico, especialmente a continuação do português como língua oficial do território, interesses comuns a todos os países da CPLP.
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quarta-feira, julho 12, 2006
Sobre o destino da plataforma geoestratégica timorense
Por Malai Azul 2 à(s) 22:17
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Traduções
Todas as traduções de inglês para português (e também de francês para português) são feitas pela Margarida, que conhecemos recentemente, mas que desde sempre nos ajuda.
Obrigado pela solidariedade, Margarida!
Obrigado pela solidariedade, Margarida!
Mensagem inicial - 16 de Maio de 2006
"Apesar de frágil, Timor-Leste é uma jovem democracia em que acreditamos. É o país que escolhemos para viver e trabalhar. Desde dia 28 de Abril muito se tem dito sobre a situação em Timor-Leste. Boatos, rumores, alertas, declarações de países estrangeiros, inocentes ou não, têm servido para transmitir um clima de conflito e insegurança que não corresponde ao que vivemos. Vamos tentar transmitir o que se passa aqui. Não o que ouvimos dizer... "
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