Semanário
2006-06-09 12:28
No mesmo dia em que o Presidente da República comemora o Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades, convidando o Corpo Diplomático para um concerto na Casa da Música e um jantar na Alfândega do Porto, nos antípodas, do outro lado do mundo, no Extremo Oriente, Portugal recomeça a sua "aventura de defesa da Lusofonia", com uma operação arriscada em Timor.
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Trinta e cinco anos depois de Kaúlza de Arriaga ter lançado no Norte de Moçambique a operação Nó-Górdio, os portugueses regressam ao teatro de operações colonial, com o propósito de restabelecer os velhos equilíbrios anteriores à autodeterminação. A operação Nó Górdio da democracia não é feita por militares, mas pelos GOI, a força de intervenção da GNR. A Austrália tentou fazer um ultimato a Lisboa para conseguir o controlo da força internacional pedida pelo Presidente Gusmão. Portugal não ligou e, pelo contrário, Freitas do Amaral disse que Portugal não aceitaria subordinar as suas forças a um comando estrangeiro.
É uma mudança estratégica de Portugal. Até agora, e desde a primeira guerra, o envolvimento português foi sempre subordinado operacionalmente ao comando estrangeiro. Portugal, com José Sócrates, volta ao plano de player internacional, com interesses próprios.
O golpe de Estado começou há três semanas em Díli, com a mulher de Xanana Gusmão a pedir a demissão do primeiro-ministro, Alkatiri, a pretexto de uma redução de efectivos das Forças Armadas. Ex-maoísta e com ligações aos PALOP, em particular a Moçambique, Alkatiri foi sempre visto como próximo dos interesses da China e visto com desconfiança pelo sector católico. A Igreja fez sempre o jogo de Xanana Gusmão, sobretudo depois de Bill Clinton e o Papa João Paulo II terem acordado que Timor seria a primeira zona de confronto aberto entre o cristianismo e o islamismo.
António Guterres soube aproveitar bem a situação e, sobretudo, depois da Conferência de Washington, onde a NATO definiu o conceito de parceria e as suas zonas de influência para a Ásia Central, ficava claro que as velhas potências coloniais voltavam a ter um papel a desempenhar como polícias das Nações Unidas em caso de desagregação dos regimes dos países que emergiram das antigas colónias. Conscientes do fracasso da política de autodeterminação, apoiada militarmente pelos EUA a partir dos anos cinquenta, como instrumento para impedir a invasão soviética, os casos flagrantes do Sudão, Somália e do Congo exigiam uma presença das forças internacionais de paz, não estando, depois da Cimeira de Washington, a NATO em condições de intervir.
Papel dos ex-colonizadores no restabelecimento da ordem nas antigas colónias
Foi nesse contexto e como potência colonial que Portugal acabou por se envolver na independência de Timor, retirando protagonismo à potência regional dominante, que queria apanhar o petróleo e os recursos naturais da ilha, mas que, sobretudo, tal como em 1975, não queria ver instalado um regime hostil nas suas águas. Então era o marxismo da Fretilin e o maoísmo de Alkatiri que impressionavam e acabaram por justificar a luz verde de Kissinger à invasão indonésia de Timor. Agora é a porta do islamismo que se pode estar a abrir e, apoiando o movimento católico, a Austrália consolida o protectorado.
Curiosamente, a Igreja está calada: não pode apoiar Alkatiri, mas desconfia dos propósitos de Xanana Gusmão e de Ramos Horta. Esta semana, apoiados nas forças islâmicas da Malaia, manifestantes exigiram a demissão do primeiro-ministro, forçando o golpe de Estado. A Constituição timorense é decalcada da portuguesa, mas o Presidente da República não tem o poder de dissolução do Parlamento. E, por isso, o "golpe de Estado" que Jorge Sampaio fez em Portugal, quando demitiu Santana Lopes, não é possível em Timor. Só com a demissão do primeiro-ministro é que, dentro da ordem constitucional, se muda o Governo. Com o espectro de guerra civil, o golpe orquestrado pelo Presidente da República, apoiado pela Austrália a partir do momento em que o Governo de Alkatiri deu aos italianos da AGIP a exploração do petróleo do mar de Timor (a Galp também concorreu, mas foram os italianos que detêm 33% do capital da Galp que ficaram com a exploração, numa altura em que aparentemente está acordada a venda da posição italiana aos angolanos da Sonangol, dentro de cinco anos) corria o risco de se transformar numa situação de "guerra total", o que, naturalmente, obrigou à intervenção de tropas internacionais.O receio do descontrolo da situação foi mesmo o pretexto ideal para malaios e australianos dividirem entre si a zona de influência. Foi diante deste cenário que Portugal decidiu agir de novo.
A solução lusófona
Em primeiro lugar, definindo o objectivo claro da nossa presença internacional: sempre no quadro das Nações Unidas, a pedido dos Governos locais e tendo em vista o seguinte conceito estratégico:
a. Manutenção firme do conjunto unido dos territórios de língua portuguesa no mundo, a partir da CPLP.
b. Promoção, o mais acelerada possível, do seu progresso económico, social e político, em particular educacional, da saúde e cívico nesses territórios.
c. Intensificação da implantação, nos mesmos territórios, da Solução Lusófona de paridade, harmonia e dignificação étnicas, de coexistência de religiões e crenças, e de conciliação de culturas e tradições - proposições fulcro da Solução Portuguesa. E proposições implicando objectivos, a prazo e de começo necessariamente tendenciais, de integração lusófona, de equivalentes posições iniciais e iguais oportunidades, de vigência dos mesmos direitos e deveres, e de acesso a situações económicas, sociais e políticas, conseguido em face do valor real, da iniciativa havida e da actividade desenvolvida.
d. Tudo com a finalidade da consecução de um elevado grau de desenvolvimento global e com uma presença internacional relevante. e. Conseguido esse grau de desenvolvimento o estabelecimento de uma verdadeira comunidade lusófona entre Estados iguais e autónomos.
f. Tudo prevenindo interferências estrangeiras ou de terceiros. Tal conceito, ou pelo menos a sua essência, nunca foi assumido até agora por nenhum governo da República, depois do colapso do império colonial. Mas volta agora a estar presente, percebendo Portugal que tem interesses próprios e que os pode gerir no concerto das nações. De algum modo esta nova Solução Portuguesa recoloca o papel da Europa no mundo, muito embora Portugal, no âmbito da doutrina NATO da Cimeira de Washington, esteja a correr pelo seu próprio risco. E por isso o sigilo acaba por ser estratégico, embora a clareza de objectivos seja essencial para as tropas da GNR saberem o que estão a fazer em Timor.
Esta doutrina portuguesa parte do pressuposto do
(a) fracasso das autodeterminações;
(b) a responsabilidade histórica dos europeus ricos em assegurarem condições de dignidade às populações dos países pobres, tendo em vista evitar lançar os povos das ex-colónias no caos, por causa da voracidade das potências emergentes ou regionais;
(c) recuperar a dignidade das instituições e do Estado;
d) Portugal e os portugueses podem cumprir melhor, do que quaisquer outros, esses propósitos estratégicos e deveres morais, respeitando as outras etnias, as outras religiões e crenças, e as outras culturas e tradições, mesmo quando incipientes. (Indo ao ponto de uma miscigenação alargada, que Afonso de Albuquerque, em momento de inspiração, mandou que se iniciasse.)
Portugal considera um erro a análise australiana
Neste contexto, Portugal discorda naturalmente da Austrália, que o Governo de Alkatiri seja a porta de entrada do islamismo em Timor e que, bem pelo contrário, é graças ao equilíbrio de poderes entre o grupo católico e os ex-maoístas que se tem conseguido manter a paz em Timor.
A solução portuguesa é, portanto, aliás com o evidente apoio da China a de uma solução de compromisso. A única saída para a paz em Timor e para evitar banhos de sangue e guerras étnico-políticas.
O facto das Nações Unidas estarem a ver a problema no ângulo europeu decorre exactamente da consciência que o jogo australiano pode ser perigoso, como o foi o da Indonésia em 1975.
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O Nó Górdio de Timor
A pergunta é se trinta e cinco anos depois é possível um Estado democrático definir os seus interesses ultramarinos neste contexto e levar até ao fim o seu propósito, numa missão que se quer nacional, mas que não pode ser assumida pela propaganda do regime, sob pena de atenção redobrada das embaixadas estrangeiras.
Por outro lado, Portugal, que é visto na Ásia como uma espécie de Macau da Europa, zona de casinos e refúgio de criminosos e turistas, pode servir como plataforma de entrada de produtos e área de influência, exactamente como Macau é para a China. E neste sentido o jogo português em Timor só pode ser bem visto pela República Popular da China, com quem o Governo do PS tem estabelecido relações privilegiadas, tendo recentemente estado na China José Lello e Jorge Coelho, antecipando a visita do primeiro-ministro José Sócrates. E, não deixa de ser curioso que Sócrates tenha colocado à frente dos serviços de informação um homem que veio de Macau, com o apoio chinês.
A "Nó Górdio" de Timor pode ser uma operação que reponha a legalidade no quadro constitucional timorense, obrigando a um entendimento entre as diversas partes, tratado que apenas os portugueses estão em condições de assegurar em Timor. A ideia de que pode haver uma ordem legal, que estabeleça o relacionamento entre interesses e etnias diversas - a ideia de tratado - é talvez a melhor homenagem ao melhor do espírito colonial português e a grande inovação do antigo Império Asiático português.
E o mais curioso é que, como há quinhentos anos, depois a aventura lusófona portuguesa volta a recomeçar pelo Oriente. Será coincidência ou destino?
Terá Portugal capacidade diplomática para, na próxima conferência da CPLP, impor esta doutrina?
Freitas do Amaral e José Sócrates podem estar a jogar o seu prestígio nisto mesmo.
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sábado, junho 10, 2006
Timor – A operação “Nó Górdio” da democracia
Por Malai Azul 2 à(s) 19:16
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Traduções
Todas as traduções de inglês para português (e também de francês para português) são feitas pela Margarida, que conhecemos recentemente, mas que desde sempre nos ajuda.
Obrigado pela solidariedade, Margarida!
Obrigado pela solidariedade, Margarida!
Mensagem inicial - 16 de Maio de 2006
"Apesar de frágil, Timor-Leste é uma jovem democracia em que acreditamos. É o país que escolhemos para viver e trabalhar. Desde dia 28 de Abril muito se tem dito sobre a situação em Timor-Leste. Boatos, rumores, alertas, declarações de países estrangeiros, inocentes ou não, têm servido para transmitir um clima de conflito e insegurança que não corresponde ao que vivemos. Vamos tentar transmitir o que se passa aqui. Não o que ouvimos dizer... "
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