Expresso
10.06.2006
Desde que o comandante da Polícia Militar timorense atacou uma coluna do Exército e foi para as montanhas, o mito tem vindo a crescer. É por ele que clamam os jovens loromonos que fazem a «intifada» contra os lorosaes nas ruas de Díli: «Viva Alfredo!»
Dizem que os criminosos costumam arder no inferno e, no entanto, a estrada estreita e esburacada que sobe até ao promontório da pousada de Maubisse vai dar a um pequeno céu, cercado por uma neblina permanente e uma estranha aura de intocabilidade. Todos sabem quem lá está mas ninguém o vai buscar.
Muitos timorenses consideram aquela antiga casa colonial portuguesa de telha lusa e grandes janelas sobre os cafezais dos vales em redor como o estabelecimento hoteleiro mais bonito do país, a 70 quilómetros de Díli, para sul.
Nesse refúgio idílico - «Ninguém me mandou vir para aqui, fui eu que o escolhi. Não acha que estou bem instalado?» - o major Alfredo Reinaldo Alves vive dias de glória, assediado ininterruptamente por televisões e jornais do mundo inteiro, sedentos por descobrir quem é o homem que parece estar por detrás da revolta interna em Timor-Leste e a quem ninguém faz frente, num medo evidente de recomeçar com um gesto em falso o caminho sem retorno para uma hipotética guerra civil.
Embora a imprensa internacional insista em tratá-lo por Reinado, esquecendo-se do «l» do apelido, os seus conterrâneos conhecem-no por major Alfredo.
É o primeiro e único dissidente militar até agora a ter morto oficialmente colegas das FDTL, as Forças de Defesa de Timor-Leste, a 23 de Maio, quando confrontou em Fatuai, a leste de Díli, uma coluna de quatro camiões que iam do centro de treino de Metinaro para Becóra, um dos bairros mais tensos da capital e onde na véspera tinham irrompido nas ruas os primeiros desacatos entre civis loromonos e lorosaes.
Supostamente, e segundo o major, o Exército preparava-se para atacar jovens loromonos indefesos.
É uma figura controversa. Fala um inglês fluente e responde muitas vezes com perguntas.
Visivelmente vaidoso, trata os jornalistas com sarcasmo («sei que só estão interessados em notícias más para vender jornais, mas eu gosto dos ‘media’») e tem ar de quem saiu de algum bairro suburbano de Miami para montar um mini-quartel paramilitar apenas a pensar na fama.
Entre Deus e o diabo
As opiniões sobre o seu carácter dividem-se na linha exacta em que o país se fracturou ao meio.
No Palácio do Governo dizem que o comandante da Polícia Militar há-de ter de responder pelos seus crimes e desconsideram-no, descrevendo-o como um «bon vivant» preocupado com os pequenos prazeres da vida e com a gestão mediática do seu ego.
Mas antes de vir a prestar contas em tribunal pelo que fez, a Igreja católica local já o absolveu perante os olhos de Deus. «Alfredo é um bom homem», diz o pároco de Ailéu, a terra onde nasceu há 39 anos, a 20 quilómetros de Maubisse. Rodeado por centenas de fiéis que vestem os fatos domingueiros e percorrem longas distâncias na montanha para assistir a duas horas e meia de missa, o padre Hermínio não tem medo de tomar partido. «O major defende o povo».
Estimado pelas igrejas do interior ocidental do país, convertidas em templos políticos numa guerra santa contra o muçulmano Mari bin Amude Alkatiri, e defendido pelos líderes dos concelhos dominados pelos loromonos, Alfredo tornou-se um símbolo da nova resistência timorense contra os antigos resistentes timorenses. Todos aqueles que se sentem discriminados pelas acusações de não terem feito nada durante a ocupação indonésia, vêem no major um exemplo de que o espírito guerreiro não é exclusivo dos guerrilheiros lorosaes do Leste de Timor. E é em sua homenagem que os jovens arruaceiros dos bairros loromonos de Díli atiram pedras e incendeiam casas, gritando pelo seu nome - «Viva Alfredo!» - e acusando o número um das Forças Armadas, o general Taur Matan Ruak: «Taur is no good!» (Taur não é bom)
Como convém a qualquer mito em construção, Alfredo tem uma história de vida intensa, pontuada por episódios dramáticos. Correm rumores em Díli - postos a circular pela facção contrária - sobre ligações menos claras ao Governo australiano e ao regime indonésio.
Ao desestabilizar a recém-criada democracia timorense, estará a servir interesses estrangeiros?
A única verdade provada é que viveu em ambos os países.
À espera de Xanana
Alfredo é filho de um empresário português, Costa Alves, e de uma timorense. Viviam em Maubisse. O seu pai não chegou a assistir à independência da colónia mais longínqua de Portugal. Morreu antes, de doença, e em 1975, com a invasão das tropas indonésias, toda a família de Alfredo acabaria por ser chacinada. Dizem que o miúdo só sobreviveu porque a mãe o protegeu das balas com o seu próprio corpo. Tinha oito anos e foi depois adoptado por um oficial de alta patente indonésio, que o levou para as ilhas Celebes, onde foi criado.
Mais tarde, regressaria a Timor-Leste, passando a morar em Díli, onde foi guarda de uma loja em Comoro, uma das áreas da cidade que hoje vive a ferro e fogo com lutas de rua e onde os jovens parecem dispostos a morrer por ele e pela sua causa.
Relutante em revelar grande coisa sobre si e o seu passado, o major admite que se juntou à frente clandestina e que em 1995 resolveu ir para a Austrália. Pilotou um bero, uma pequena embarcação à vela, com mais 18 ou 20 homens, e quando chegaram a Darwin foram presos pela polícia marítima. Esteve na cadeia três meses, até conseguir o estatuto de refugiado. Mudou-se para Melbourne, onde esteve dois anos, e depois foi para Perth. «Julgo que arranjou emprego numa empresa de estofos», conta Lino, um retornado da Austrália que também esteve lá na mesma altura.
Quando voltou definitivamente a Timor-Leste, em Novembro de 1999, a seguir à independência e aos tumultos de Setembro desse ano, concorreu ao curso de graduados para as Forças Armadas e ingressou na Marinha, ficando em Hera, um porto nos arredores de Díli, antes de ser nomeado comandante da Polícia Militar, no coração da capital, como responsável por controlar os incidentes dentro das FDTL.
O major esteve debaixo das ordens do general Matan Ruak e do primeiro-ministro Mari Alkatiri até abandonar com os seus homens o quartel no início de Maio. A fractura dentro das FDTL já era, então, insanável. «Agora só sou leal ao comandante supremo das Forças Armadas, o Presidente Xanana Gusmão». E só Xanana o pode ir buscar.
Micael Pereira
sábado, junho 10, 2006
A estrela da revolta
Por Malai Azul 2 à(s) 17:41
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Traduções
Todas as traduções de inglês para português (e também de francês para português) são feitas pela Margarida, que conhecemos recentemente, mas que desde sempre nos ajuda.
Obrigado pela solidariedade, Margarida!
Obrigado pela solidariedade, Margarida!
Mensagem inicial - 16 de Maio de 2006
"Apesar de frágil, Timor-Leste é uma jovem democracia em que acreditamos. É o país que escolhemos para viver e trabalhar. Desde dia 28 de Abril muito se tem dito sobre a situação em Timor-Leste. Boatos, rumores, alertas, declarações de países estrangeiros, inocentes ou não, têm servido para transmitir um clima de conflito e insegurança que não corresponde ao que vivemos. Vamos tentar transmitir o que se passa aqui. Não o que ouvimos dizer... "
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