segunda-feira, novembro 19, 2007

Finalmente, 32 anos passados

Público - 17 de Novembro de 2007
Adelino Gomes

Foi preciso esperar 32 anos para que a verdade viesse ao de cima num país cujas autoridades governamentais a conheciam desde o primeiro minuto. Os cinco repórteres que se encontravam em Balibó, em 16 de Outubro, ao serviço de dois canais comerciais da televisão australiana, foram mortos pelos invasores, concluí de imediato quando recebi a notícia, três dias depois, em Díli.

Tínha-me cruzado com eles na tarde do dia 15, em Balibó, uma povoação fronteiriça no alto de uma colina sobranceira ao mar. Eu e os outros três enviados da RTP (operador de câmara, Herlander Mendes, operador de som, Jorge Teófilo, ajudante de operador, Manuel Patrício) fomos as últimas testemunhas independentes a verem-nos vivos. As imagens que correram mundo posteriormente, mostrando-os, de tronco nu, a pintarem a bandeira da Austrália na parede de uma casa, haviam sido filmadas por nós.

Estávamos a recolher o material para partirmos quando eles chegaram. Apresentámo-nos, trocámos impressões sobre a situação, explicando-lhes que já ali nos encontrávamos há dois dias, sem que alguma acção de fogo se tivesse registado.

- Se houver invasão é por aqui que começa ou não?, perguntou-me um deles.

Respondi-lhe que sim, apontando, ao fundo, três navios de guerra indonésios. Contei-lhe uma tentativa anterior da Fretilin para reconquistar Batugadé e os frequentes sobrevoos da zona por helicópteros indonésios.

- O meu chefe de redacção disse-me para vir a Timor filmar dois ou três minutos de guerra. Ainda não filmámos nenhum combate. Se é por aqui que começa a invasão, é aqui que vou ficar, disse-me Greg Shackleton.

Despedimo-nos cerca das três da tarde. A primeira parte da invasão começou pelas 23h30, estávamos nós já em Maliana, flagelada durante toda a noite por artilharia pesada (a segunda iniciar-se-ia a 7 de Dezembro, com o ataque por mar e ar a Díli).

A primeira das várias versões que a Indonésia pôs a circular alegava que os repórteres haviam sido mortos por estarem vestidos com uniformes da Fretilin.

Não só as imagens que recolhemos o desmentiam, como as declarações de Sheklaton me tinham demonstrado a determinação unicamente profissional do grupo em filmar o que ali acontecesse.

A correlação de dois dados, entre outros, contribuiu para que se consolidasse em mim a convicção profunda de que os repórteres haviam sido executados pelos invasores.

As emissões em português de Rádio Kupang propagandeavam, há dias, que uma equipa da televisão portuguesa se encontrava na zona de Maliana, apelando às populações para que matassem os seus elementos, pois estes eram "comunistas".

Logo após as mortes, o chefe da diplomacia indonésia, Adam Malik, reiterou a posição oficial do seu país sobre Timor: os confrontos desenrolavam-se apenas entre timorenses.

Ora, nós tínhamos testemunhado que as forças invasoras, além da artilharia pesada, dispunham de meios aéreos, algo a que não tinham acesso nem a Fretilin nem os seus adversários do MAC (Movimento Anti-Comunista, constituído pelos partidos UDT, Apodeti, Kota e Trabalhista).

Estas imagens poderiam ser sempre desacreditadas pela Indonésia, alegando que se tratava de uma montagem dos "comunistas" da televisão oficial de um país em revolução. O mesmo não poderiam fazer com as imagens recolhidas pelos repórteres australianos.

Shackleton e os outros quatro repórteres foram mortos porque filmaram aquilo que a Indonésia queria esconder do mundo.

Que governantes - da esquerda e da direita - tenham coberto estes crimes, até hoje, é uma vergonha que fere tão profundamente a democracia na Austrália quanto a honra a magistrada que assina as conclusões deste inquérito.

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Traduções

Todas as traduções de inglês para português (e também de francês para português) são feitas pela Margarida, que conhecemos recentemente, mas que desde sempre nos ajuda.

Obrigado pela solidariedade, Margarida!

Mensagem inicial - 16 de Maio de 2006

"Apesar de frágil, Timor-Leste é uma jovem democracia em que acreditamos. É o país que escolhemos para viver e trabalhar. Desde dia 28 de Abril muito se tem dito sobre a situação em Timor-Leste. Boatos, rumores, alertas, declarações de países estrangeiros, inocentes ou não, têm servido para transmitir um clima de conflito e insegurança que não corresponde ao que vivemos. Vamos tentar transmitir o que se passa aqui. Não o que ouvimos dizer... "
 

Malai Azul. Lives in East Timor/Dili, speaks Portuguese and English.
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