domingo, março 18, 2007

A causa de Timor e a decepção nacional

Diário de Notícias - Sábado, 17 de Março de 2007
Francisco Sarsfield Cabral, Jornalista

Custa-nos a aceitar a possibilidade de Timor-Leste vir a revelar-se um Estado falhado. Fizemos um enorme investimento afectivo na luta dos timorenses contra a ocupação indonésia, iniciada em 1975. A causa da libertação de Timor uniu os portugueses como raras vezes se viu.

Foi uma emoção barata, com certeza. A causa timorense pouco exigiu da maioria dos portugueses. Mas foi uma emoção real, contrastando com a frieza e até indiferença com que o País assistiu, há 30 e tal anos, ao fim do império colonial.

Em 1975 a atitude portuguesa contribuíra para desencadear a invasão indonésia. E, uma vez afastados os indonésios, talvez nos tenhamos precipitado a empurrar Timor para a independência. Além de que devíamos ter exigido das Nações Unidas uma presença mais forte e prolongada no território.

Quanto à marca cultural que deixámos em Timor, dá que pensar a recente lamentação da Ramos-Horta de que os critérios ocidentais de justiça têm dificultado o combate ao crime naquele país, porque os tribunais libertam os desordeiros presos pela polícia.

Será que o primeiro-ministro timorense também defende os "valores asiáticos" contra os direitos humanos, como outros políticos da região?

Mas Timor surgiu como a possibilidade de redimir uma descolonização que correu mal. Ainda hoje se discute se poderia ter sido de outra maneira, depois de décadas de teimosia colonialista. Por mim, duvido que, após Abril de 1974, a descolonização pudesse ter sido muito diferente.

A revolução teve na sua raiz a insatisfação dos militares com as guerras em África, que o poder político se mostrava incapaz de resolver - e de cujo impasse eles, militares, seriam também acusados. E os militares eram os grandes prejudicados, em termos pessoais e profissionais, por essas guerras sem fim à vista.

A 26 de Abril de 1974 já várias forças portuguesas em África consideravam terminada a guerra e confraternizavam com os até aí inimigos. Desmantelado o exército português nas colónias africanas, como seria possível uma negociação equilibrada de Lisboa com os guerrilheiros?

Com a excepção de Cabo Verde e talvez São Tomé, a rápida saída dos portugueses das antigas colónias representou uma tragédia para aqueles povos. Guerras civis em Angola e Moçambique, permanente agitação na Guiné. Ora salvar os timorenses da opressão da Indonésia podia lavar essa culpa escondida no inconsciente nacional.

E, de facto, David venceu Golias. A anexação de Timor pela Indonésia era, nos anos 90, encarada por muita gente como facto consumado e irreversível. Não faltaram inteligentes análises mostrando como jamais os Estados Unidos (que tinham dado luz verde à ocupação indonésia) permitiriam a independência de Timor, por razões geostratégicas.

Afinal, Timor libertou-se dos indonésios, com a ajuda diplomática de Portugal. Foi a finest hour do Governo de Guterres e, porventura, também da Presidência de Jorge Sampaio.

Mas a paixão portuguesa pela causa de Timor teve o seu preço. Desde logo, levou a nossa comunicação social, com raras excepções, a prescindir da necessária distância, da investigação jornalística séria e do espírito crítico. Preferiu envolver-se na defesa ardente da independência de Timor.

Em parte por causa desse jornalismo comprometido, "de causas", ainda hoje em Portugal se desconhecem muitas realidades timorenses. Timor fica longe, tem uma população de cuja diversidade étnica e cultural mal nos apercebemos e vive ao lado da grande Indonésia e da não menos poderosa Austrália. O interesse australiano pelo petróleo no mar de Timor é um factor essencial nos actuais problemas timorenses.

Virão a confirmar-se os receios de que, depois da ocupação indonésia, Timor sofrerá uma colonização australiana? Parece claro que Camberra apoiou Xanana Gusmão e Ramos-Horta contra Mari Alkatiri e a Fretilin, naquilo que foi um claro golpe de Estado. Mas o episódio da falhada captura do rebelde Alfredo Reinado deixa algumas perplexidades.

Agora, Portugal pouco pode fazer. Temos em Timor um contingente da GNR que é apreciado pela população local e nos prestigia. Já é alguma consolação. Seja como for, apetece pedir aos timorenses que não estraguem uma das poucas coisas de que, em matéria de descolonização, os portugueses podiam lembrar-se com satisfação. Desde logo, pedir-lhes um clima de paz e espírito democrático nas próximas eleições presidenciais.

1 comentário:

Manuel Leiria de Almeida disse...

Saarsfield Cabral segue, nesta notícia, a linha de outros comentadores, nomeadamente Miguel de Sousa Tavares: a de que a Portugal deveria ter sido dado maior relevo na administração de Timor após a saída da Indonésia.
É: a) ignorar que a não concretização dessa ideia foi, provavelmente, a única condição verdadeiramente 'sine qua non'imposta pela Indonésia para que se realizasse o referendo de 30 de Agosto de 1999. Assim sendo, o que queriam que se fizesse?
b) ignorar que seríamos atacados por todos e mais alguns na comunidade internacional por termos voltado a ser colonialistas e que teríamos, muito provavelmente, de suportar quase sózinhos os custos (financeiros e humanos) da reconstrução do país --- e de aturar a 'juventude inconsciente' que 'virou' o país de cabeça para baixo. E quando Timor passasse a ser um sorvedouro de recursos nacionais, o que diriam esses mesmos comentadores?!...

Deixem-se de cantigas!... Ninguém vos obriga a falarem do que não sabem!...

Traduções

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Mensagem inicial - 16 de Maio de 2006

"Apesar de frágil, Timor-Leste é uma jovem democracia em que acreditamos. É o país que escolhemos para viver e trabalhar. Desde dia 28 de Abril muito se tem dito sobre a situação em Timor-Leste. Boatos, rumores, alertas, declarações de países estrangeiros, inocentes ou não, têm servido para transmitir um clima de conflito e insegurança que não corresponde ao que vivemos. Vamos tentar transmitir o que se passa aqui. Não o que ouvimos dizer... "
 

Malai Azul. Lives in East Timor/Dili, speaks Portuguese and English.
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