Figuras da Igreja e estrangeiros aliciaram os militares para um golpe de Estado em Timor-Leste
Público, 30/06/06, Entrevista de Adelino Gomes a Mari Alkatiri
Público: A opinião pública portuguesa tem-se mostrado de algum modo desiludida com o que se passa em Timor-Leste. Desistiram da independência?
Mari Alkatiri: Toda a gente apoiou os timorenses, realmente, mas tiveram algumas ilusões. Os timorenses são seres humanos como os outros. Saíram de uma guerra prolongada e dura, e esto exigia uma melhor perspectiva e sistematização. Viram-se as partes mais economicistas e políticas do problema, mas descuraram-se as questões social e cultural.
Público: Quis preservar os benefícios do petróleo para as gerações vindouras. Mas - criticam alguns - esqueceu-se de que os timorenses não vão chegar lá com a barriga vazia.
Mari Alkatiri: As pessoas esquecem-se de que o primeiro dólar dos 600 milhões que agora estão no Fundo do Petróleo entrou em Setembro do ano passado. Não se podia usar dinheiro sem o ter. Segundo ponto: para uma política de desenvolvimento avançar, tem que desenvolver a capacidade da administração pública e desconcentrá-la. A sociedade deve acompamhá-la. Ora, isto não se faz de um dia para o outro.
Público:Quem vá a Timor-Leste depara com a sensação, no homem comum, de que este não ganhou nada com a independência.
Mari Alkatiri: Naturalmente. Se conseguir dar-me o exemplo de um país que tenha chegado à independência e três ou quatro anos depois tenha conseguido resolver os seus problemas, reconheço o meu erro.
Público: Devia comparecer hoje diante de um procurador. Rejeita as acusações de que armou um grupo paramilitar, mas a verdade é que se encontrou com os responsáveis do grupo.
Mari Alkatiri: Pedi um adiamento. O meu advogado (português, cujo nome Alkatiri não revela) não chegou ainda. Quando me encontrei com eles, vinham como delegados ao Congresso da Fretilin. Pertenciam à organização de segurança, que todos os congressos têm.
Público: O antigo comandante da Polícia Nacional, Paulo Martins, diz que o informou, por carta, dessa distribuição de armas.
Mari Alkatiri: Paulo Martins anda a mentir descaradamente.
Público: O ex-ministro do Interior, Rogério Lobato, confirma que organizou esse grupo armado. Isso torna-o responsável.
Mari Alkatiri: Não li ainda o depoimento dele. Esse caso devia ser do conhecimento do primeiro-ministro, é verdade. Mas não me foi pedida opinião nenhuma. (Se tivesse sido) Teria dito que não.
Público: Foi traído por Lobato?
Mari Alkatiri: Prefiro não estar a enterrar mais ninguém. Deixemos que as conclusões sejam retiradas pelo tribunal.
Público: Lobato há muito que era objecto de acusações. Não acha que foi no mínimo imprudente nomeá-lo para funções daquelas?
Mari Alkatiri: Acredito na transformação das pessoas. Continuo convicto de que com a mudança as pessoas se transformam.
Público: Há quem pense que, de protector, passou, a partir de certa altura, a ficar refém dele.
Mari Alkatiri: Eu não sou refém de ninguém. E muito menos dos meus ministros. (O comandante do grupo) Railós apareceu como a gota de água que fez transbordar o copo. Foiaproveitado. Encontrou-se aí um argumento político. Doutra forma, ter-se-ia respeitado o princípio da presunção da inocência.
Público: John Martinkus (antigo correspondente australiano em Timor-Leste) acaba de escrever um artigo (NewsMatilda.com) em que o cita, dizendo que figuras de topo da Igreja e da oposição, acompanhadas por dois elementos estrangeiros, tentaram convencer o brigadeiro Matan Ruak e o tenente-coronel Falur a derrubar o Governo. Confirma?
Mari Alkatiri: Confirmo, mas não disse o nome dos oficiais contactados. E não disse se era o Governo A, B ou C. Mas disse “estrangeiros”, sim.
Público: Esta crise mostra um enorme fosso entre a geração da resistência e as gerações seguintes. Os senhores falharam a passagem do testemunho?
Mari Alkatiri: O espaço entre os veteranos e a geração actual não está devidamente ocupado. (Os líderes mais jovens) Estão aí. São os que viveram intensamente a ocupação (indonésia). Há jovens bastante determinados, embora um pouco perdidos. É preciso é que não haja mais conflitos destes.
Público: O Presidente chamou “ilegítima” à sua direcção. Vai convocar novo Congresso?
Mari Alkatiri: Se o Tribunal de Recursos confirmar essa ilegitimidade. Só ele tem competência constitucional para o fazer. O Presidente tomou uma posição política. Respeitamo-la. Mas num estado de direito democrático há órgãos próprios para tomar essas decisões.
Público: Se pudesse, que medidas tomava para ultrapassar esta crise?
Mari Alkatiri: Primeiro, formar o mais rapidamente possível um Governo constitucional. Depois, encontrar um mecanismo de consulta mais abrangente, para que todos participem no processo que leva até às eleições.
Público: Voltará a falar com o Presidente Xanana?
Mari Alkatiri: Por que não? Não sou um bom relações-públicas, mas nunca deixei de falar com as pessoas.
Não é essencial que o novo primeiro-ministro pertença à Fretilin
A comissão política da Fretilin decide hoje o nome que deverá sugerir a Xanana para a chefia do Governo. Mari Alkatiri acredita que o presidente não dissolverá o Parlamento.
Público: A Fretilin esperava 30 mil pessoas em Díli. As notícias que chegam aqui a Portugal falam em quatro mil. É bastante menos...
Mari Alkatiri: O correspondente da Lusa deve ser míope. Ou não sabe contar. Não são quatro mil nem são 30 mil, porque nãohavia viaturas que chegassem. São para cima de 15 mil.
Público: Os manifestantes pretendiam entregar um documento ao Presidente da República (PR) pedindo que este reconsidere a aceitação da sua demissão. Isso faz sentido?
Mari Alkatiri: Não vi ainda o documento. Espero que não façam isso.
Público: Já houve contacto do PR com a Fretilin? Que nome indicará para primeiro-ministro, se ele lhe pedir, nos termos constitucionais?
Mari Alkatiri: Até agora não houve nenhum contacto. Vamos ter uma reunião da comissão política nacional esta sexta-feira à tarde. Aí veremos qual a pessoa.
Público: Pode dar-nos o perfil mais adequado? Alguém entre aqueles que o Dr. Ramos-Horta já apontou?
Mari Alkatiri: Alguns, sim. Alguém que tenha um domínio dos dossiers, que tenha participado, nos últimos anos, nesta governação para saber o que é governar e (que tenha) com uma formação global, não muito específica.
Público: É essencial que pertença à Fretilin?
Mari Alkatiri: Não é essencial que seja. Mas terá que ser alguém da confiança da Fretilin, no mínimo.
Público: Se não chegar a acordo e o PR dissolver o Parlamento, o que é que a Fretilin fará?
Mari Alkatiri: Não creio que o PR avance nesse sentido. Ele tem dito que vai cumprir a Constituição. A dissolução aprofunda ainda mais esta crise que passa de política a humanitária e institucional. A dissolução significa que não teremos Orçamento, nem leis eleitorais, com todas as implicações para o futuro.
Público: Ele disse que gostava que houvesse eleições já em Novembro. Concorda?
Mari Alkatiri: Digo terminantemente que não há condições. Se conseguirmos realizá-las em Abril/Maio, o que espero, teremos muita sorte.
Público: Já falou nisso (numa entrevista publicada ontem na Visão). Em concreto o que se passou entre domingo à tarde e segunda-feira de manhã para que se convencesse mesmo a resignar?
Mari Alkatiri: A quase certeza de que, sem a minha demissão, o Parlamento será dissolvido ou o PR, inclusive, resignaria. Foi para evitar a crise institucional que isso provocaria, e o que acabei de me referir.
Público: O PR já o tinha dito antes.
Mari Alkatiri: Sim, Mas havia várias iniciativas em volta para que nada disso acontecesse. O mais importante, num Estado jovem como o nosso, é que se consiga preservar as instituições democráticas eleitas. Uma demissão do PM não implicaria novas eleições, mas a do PR sim. Ora, não há eleições sem leis eleitorais. A queda do Governo era um mal menor. Senti que, se não me demitisse, a história julgar-me-ia pelo aprofundamento da crise. Fiz consultas amplas, com o presidente do partido e com outros membros da comissão política e assumi essa responsabilidade. Para servir melhor o país e servir também melhor o partido.
Público: Foi uma derrota também pessoal, a sua resignação?
Mari Alkatiri: Não me importo com derrotas pessoais, desde que haja vitórias para o povo e para o Estado. Mas não me sinto derrotado: tenho a certeza de que a Fretilin vai ganhar as eleições em 2007.
domingo, julho 02, 2006
Transcrição completa da entrevista no Publico que não está online:
Por Malai Azul 2 à(s) 11:01
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Traduções
Todas as traduções de inglês para português (e também de francês para português) são feitas pela Margarida, que conhecemos recentemente, mas que desde sempre nos ajuda.
Obrigado pela solidariedade, Margarida!
Obrigado pela solidariedade, Margarida!
Mensagem inicial - 16 de Maio de 2006
"Apesar de frágil, Timor-Leste é uma jovem democracia em que acreditamos. É o país que escolhemos para viver e trabalhar. Desde dia 28 de Abril muito se tem dito sobre a situação em Timor-Leste. Boatos, rumores, alertas, declarações de países estrangeiros, inocentes ou não, têm servido para transmitir um clima de conflito e insegurança que não corresponde ao que vivemos. Vamos tentar transmitir o que se passa aqui. Não o que ouvimos dizer... "
4 comentários:
VIVA SENHOR PRIMEIRO-MINISTRO estou consigo, o povo timorense eh que ganhou. O Senhor Primeiro Ministro e um LIDER RESPONSAVEL.
Sejamos mais Unidos, para que os inimigos nao tenham espacos para trazer o seu veneno. Nao confio em nenhum deles, senao vejamos: Esta e para Portugal " o Ministro dos Neg. Estr. bateu-se bem forte e com justica na crise timorense, vibrei de alegria e com vivas a portugal e muito orgulho em portugal. Mas, o que estranhou-me foi o silencio do chefe do executivo portugues. Nao me adimirou nada quando ouvi e li sobre o afastamento por questoes pessoas do Dr. Freitas. Nao acretido, nunca acreteirei no seu afastamento por questoes de doenca. O seu afastamento foi pelas posicoes justas que foi tomando ao longo dos seus quinze meses como gorvenante. A crise timorense so fez o copo tranbordar. A comunidade internacional, gosta sempre de por o dedo onde nao e chamado, exigindo muita transparencia, liberdade de expressao e na imparcialidade. Onde esta a liberdade de expressao e a imparcialidade dos jornalistas Portugueses na crise timorense?
Dizem sempre que os timorenses vendem-se por migalhas para fazer mal uns aos outros! Quanto eh que os jornalistas portugueses respectivamente correspondentes da Lusa e RTP receberam para serem parciais? Mais uma uma vez cai, Porque pensava e confiava que Portugal fosse bater pela legalidade, mas afinal eh igual aos outros esta feito com a Autralia.
Meu Povo e Lideres timorenses, sejamos unidos por bem, para defender os maldosos do exterior, porque todos estao feitos com a Autralia para afundar Timor-Leste.
Filha sofrida timorense.
Tem razão amiga timorense, compete aos timorenses lutarem pelo seu futuro e pela sua independência unindo-se à volta da Fretilin. Mas não estão sózinhos. Também há muitos portugueses de boa vontade que os ajudam, esclarecendo. E não só. Também muitos brasileiros, moçambicanos, angolanos, cubanos e até australianos. Em todo o lado há gente esclarecida para quem os interesses dos povos estão à frente dos interesses do big-business. Precisamos é de não nos acanharmos e de continuarmos a esclarecer e a apontar o dedo aos oportunismas e vende-pátrias por mais "heróis" ou "laureados" que tenham sido.
A fretilin so pode contemplar uma vitoria nas proximas eleicoes sem o Alkatiri. Ele devia mesmo era ir prestar declaracoes ao PGR em vez de tentar, agora, esconder-se atras da imunidade parlamentar. Quase me fez acreditar que ele proprio queria clarificar a situacao o "mais rapido possivel". Agora diz que os seus advogados nao estao em Dili e mesmo que goza de imunidade parlamentar. Enfim agora que nao e PM virou contorcionista. E muito triste ve-lo a agir dessa forma pouco digna de quem nada teme.
Anónimo das 12:16:31 AM: mas os seus advogados não estão mesmo em Dili, pois não? E agora quer ser mais papista que o Procurador-Geral? Veja lá. Não exagere.
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