Por Pedro Rosa Mendes, da agência Lusa
Díli, 02 Dez (Lusa) - Timor-Leste homenageou hoje 205 veteranos da Frente Armada. Um deles, de uniforme, foi receber o cheque calçando chinelo num pé e bota da tropa no outro.
O pé esquerdo está doente.
É uma imagem que pode resumir o grupo a quem hoje o Estado timorense agradeceu o sacrifício da luta: velhos combatentes com um pé nas velhas Falintil e outro nas novas Forças de Defesa.
"Para a grande maioria, é a primeira vez, desde há 32 anos, que recebem uma ajuda financeira para fazer frente a profundas carências e poderem realizar desejos antigos", afirmou o primeiro-ministro, Xanana Gusmão.
Cada um dos veteranos recebeu um "reconhecimento" de 9.600 dólares americanos (cerca de 6.500 euros), sob a forma de vale a depositar num dos bancos com agências em Timor-Leste.
Chinelo e bota, em passo coxo e solene diante de um Xanana Gusmão emocionado e cansado, resumem também o país ao largo: o Timor-Leste do presente, nação inquieta entre as feridas antigas da resistência e as feridas frescas da independência.
Havia civis e militares entre os 205 veteranos, todos com mais de 15 anos na Frente Armada ou, como sintetizou um assessor das Falintil-Forças de Defesa de Timor-Leste (F-FDTL), "são `gentlemen` que comeram muita erva e raízes".
Havia peticionários - 3, e um faltou -, excluídos das Forças Armadas em Março de 2006, incluindo o major Tara Ablai Ana, hoje em traje civil.
Havia um soldado, Armindo Silva "Maukade", condenado há apenas quatro dias no Tribunal de Recurso a 10 anos de prisão no caso do massacre de 8 polícias timorenses em Maio de 2006.
Havia, envolvido na cerimónia, um Governo que senta no Conselho de Ministros antigos resistentes e antigos integracionistas.
Havia um primeiro-ministro que também é o ex-comandante supremo da guerrilha - ou talvez o contrário para os homens que hoje choraram diante dele e as mulheres que lhe fizeram continência.
"Mais vale tarde do que nunca", declarou Xanana Gusmão, de fato e gravata, discursando perante veteranos que conhece e abraça como "Kada Fi" (sic), "Nixon", "Alende", "Maputo", "Cuitado", "Cuba" e uma lista infindável de nomes de código nas várias línguas timorenses.
"Passaram 8 anos sobre o fim da guerra e a grande maioria dos heróis e veteranos da libertação encontra-se ainda a viver na pobreza e sem um mínimo de condições de dignidade", afirmou Xanana Gusmão.
"Sem eles, muitos de nós estaríamos ainda nas prisões de Cipinang ou na diáspora em Moçambique, Lisboa ou Nova Iorque", acrescentou.
Nas bancadas do GMT, o ginásio do "campus" universitário de Díli, a assistência era quase apenas composta por alunos de várias escolas, a quem Xanana Gusmão teve de repreender o mau comportamento e a desatenção.
De resto, as escolas saíram cedo da estufa do ginásio e as bancadas ficaram vazias.
Os mais veteranos dos veteranos da Frente Armada - "que no total não são mais de 250 pessoas", segundo um elemento ligado à organização da homenagem aos 205 de hoje - assistiram à sua própria coroação largamente ignorados pelo resto do país.
Não esteve presente o Presidente da República, José Ramos-Horta.
Na pilha dos cheques dos que não compareceram à cerimónia ficou um em nome do chefe-do-Estado-Maior das F-FDTL, brigadeiro-general Taur Matan Ruak, e outro para o presidente da Fretilin e ex-presidente do Parlamento, Francisco Guterres "Lu Olo".
"Vou construir uma casa com este cheque", afirmou à Agência Lusa um dos veteranos, o septuagenário Matias Magno, que veio à homenagem vestindo a lipa tradicional, uma espécie de pano-saia.
"Timor-Leste é uma nova nação. Nós também temos que arranjar uma nova vida com este cheque", afirmou à Lusa outro veterano idoso, Frederico Araújo.
Também o major Tara pensa numa vida nova em casa nova: "Aquela onde vivo foi queimada em 1999. Arranjei-a só com umas placas de zinco. Agora posso finalmente reconstruí-la", disse à Lusa.
Outros veteranos explicaram o mesmo padrão de prioridades que Francisco da Costa Belo, ex-maqueiro da guerrilha.
"Um bocadinho para guardar. Um bocadinho para a casa. Um bocadinho para a escola do meu filho", explicou o veterano, contando pelos dedos.
"E um bocadinho para uma namorada nova", completou, rindo, outro velho de cheque na mão.
"Cerimónias semelhantes à de hoje deverão ter lugar quando estiver apurada toda a verdade e separados os verdadeiros dos falsos combatentes", explicou Xanana Gusmão aos veteranos.
O apuramento da lista de 205 veteranos "levou cerca de 50 horas de discussões", afirmou um dos seis elementos envolvidos na comissão criada para esta homenagem.
Exemplo da dificuldade, na antevéspera da cerimónia o nome de José Pereira, administrador do subdistrito de Lolotoe, distrito de Bobonaro, teve de ser retirado: esteve 24 anos na resistência, mas em 1999 foi comandante de secção de uma milícia pró-indonésia.
Em Timor-Leste, o passado fica ainda demasiado perto.
Lusa/Fim
terça-feira, dezembro 04, 2007
Timor-Leste: Homenagem à Frente Armada - mais vale cheque do que nunca
Por Malai Azul 2 à(s) 20:31
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
Traduções
Todas as traduções de inglês para português (e também de francês para português) são feitas pela Margarida, que conhecemos recentemente, mas que desde sempre nos ajuda.
Obrigado pela solidariedade, Margarida!
Obrigado pela solidariedade, Margarida!
Mensagem inicial - 16 de Maio de 2006
"Apesar de frágil, Timor-Leste é uma jovem democracia em que acreditamos. É o país que escolhemos para viver e trabalhar. Desde dia 28 de Abril muito se tem dito sobre a situação em Timor-Leste. Boatos, rumores, alertas, declarações de países estrangeiros, inocentes ou não, têm servido para transmitir um clima de conflito e insegurança que não corresponde ao que vivemos. Vamos tentar transmitir o que se passa aqui. Não o que ouvimos dizer... "
Sem comentários:
Enviar um comentário