terça-feira, novembro 13, 2007

A Síndrome do Terceiro Mandato

Jornal do Estado - BemParaná
Curitiba, 13 de novembro de 2007

A política é uma arte que exige paciência de quem a ela se dedica. A regra é avançar pouco a pouco, um passo de cada vez, não precipitar nem as notícias nem os acontecimentos para evitar que os adversários saibam o que de fato os espera. O momento, no Brasil, é de acostumar os ouvidos do povo à idéia do terceiro mandato. O presidente Lula da Silva, obediente à estratégia cuidadosamente traçada, diz ser contra, mas não perde uma só chance de falar sobre o assunto. O importante é que a idéia se vulgarize, que as pessoas se dêem conta de que pode não ser tão anticonstitucional como até ontem parecia. Afinal, Constituições existem para ser mudadas, como Fernando Henrique demonstrou.

Há no mundo de hoje uma síndrome (segundo mestre Houaiss é um conjunto de sinais e características capaz de despertar insegurança e medo) de terceiros mandatos, tal qual um canto de sereia a encantar dirigentes de países que, curiosamente, pouco têm a ver uns com os outros.

Pelas redondezas, o mais confiante na própria força é Hugo Chávez - a quem o rei de Espanha, Juan Carlos, pediu que se calasse -, com uma nova Constituição que lhe permitirá estender o mandato atual (o segundo) para sete anos e, depois, reeleger-se até quando quiser.

O equatoriano Rafael Correa apóia-o, assim como Evo Morales e Daniel Ortega, mas por ora os três se declaram satisfeitos com um 2º mandato porque recém chegaram ao poder.

Já o colombiano Álvaro Uribe, o melhor amigo de Bush no continente, depois de modificar a Carta Magna para permanecer por mais um período na presidência, agora declara que “é uma nova reeleição ou a hecatombe”, como se ninguém mais o pudesse substituir. Na América Latina as Constituições vigentes permitem uma reeleição consecutiva na Argentina, Peru e República Dominicana, além de Brasil e Colômbia. Em outros oito (Bolívia, Costa Rica, Chile, Equador, El Salvador, Nicarágua, Panamá e Uruguai) a lei exige que haja um período intermediário, enquanto na Guatemala, Honduras, México e Paraguai a reeleição é inteiramente vedada.

Os que não pretendem abandonar o poder olham com inveja os exemplos de Argentina e Rússia.

Néstor Kirchner deu um golpe de mestre abrindo mão da reeleição em prol de sua esposa Cristina, com o que espera vencer as duas eleições seguintes para ficar, em família, pelo menos dezesseis anos no poder. Vladimir Putin, à falta de uma esposa, preferiu trocar de posição com seu braço direito Viktor Zubkov que irá para a presidência nomeando-o 1º Ministro.

É a mesma solução encontrada pela dupla José Ramos-Horta e Xanana Gusmão no Timor Leste que acabam de substituir-se mutuamente na presidência e na chefia do Gabinete.

Pervez Musharraf acostumou-se a dar golpes nele mesmo e pretende uma vez mais permanecer na presidência do Paquistão realizando eleições sob estado de sítio em 2008. Sem necessidade de subterfúgios, Imomali Rakhmonov mudou a Constituição do Tadjiquistão ganhando um 3º mandato de sete anos, a exemplo de Sam Nujoma na Namíbia e de Blaise Campaore em Burkina Faso, num caminho que o argelino Abdelaziz Bouteflika pretende seguir. Para que não se diga que as coisas andam fáceis no continente africano, os presidentes do Zâmbia e de Malawi fracassaram em suas tentativas de permanência após cumprirem dois períodos no comando.

O Brasil manteve, até há pouco tempo, uma sólida tradição republicana com a troca regular a cada 4 ou 5 anos de seus presidentes, desde Deodoro&Floriano Peixoto até Ernesto Geisel, com a exceção notável dos quase quinze anos de Getúlio Vargas. Então, ainda no período militar, o general Figueiredo governou por seis anos. Todas as seis Constituições impediam a reeleição imediata, inclusive a de 1988, por sinal a mais enfática ao dizer que “é vedada a reeleição para o período subseqüente”, o que não evitou a aprovação da Emenda Constitucional 16 de 1997 que permitiu uma reeleição seguida ao presidente, governadores e prefeitos. Antes disso, Itamar Franco teve de obedecer a lei maior, mesmo tendo sucedido a um presidente que saiu por impeachment.

As resistências são, por ora, típicas da oposição nacional: bombásticas e pouco efetivas. O presidente do TSE, Marco Aurélio Mello, taxou a tentativa de “blasfêmia”, FHC de “grande insensatez” e Serra de “fantasia”. A imprensa internacional especula como nunca. O espanhol El País, dizendo que a discussão sobre um possível 3º mandato de Lula já está nas ruas e revelando a existência de pesquisas petistas de opinião para medir o percentual de cidadãos que aceitariam a continuidade, imagina que a primeira-dama, dona Marisa Letícia, poderia ser a candidata, transformando-se para surpresa geral numa Cristina Kirchner tupiniquim.

Já o sisudo inglês Financial Times supõe uma mudança do presidencialismo para o parlamentarismo, com o que Lula poderia seguir a receita de Putin, sucedendo a si mesmo. Caso o consiga, quais serão seus limites?

Retornar à primeira Constituição pátria, a de 1824, não é possível, mesmo que dê inveja o seu artigo 116 que rezava: “O Senhor Imperador Dom Pedro I imperará sempre no Brasil”. Esperemos que a razão, e não Dom Pedro ou qualquer outro, volte a imperar.

Mandatos longa ou infinitamente prolongados são prejudiciais para todos, redundando em perda de legitimidade, favorecimento de tendências ditatoriais e desmoralização do próprio poder.

Vitor Gomes Pinto
Escritor, analista internacional

NOTA DE RODAPÉ:

Ou do Terceiro Mundo...

1 comentário:

Anónimo disse...

Mas faltou de referir os teus aliados Angola, Moçcambique, Guine Bissau e Sao tome e principe

Traduções

Todas as traduções de inglês para português (e também de francês para português) são feitas pela Margarida, que conhecemos recentemente, mas que desde sempre nos ajuda.

Obrigado pela solidariedade, Margarida!

Mensagem inicial - 16 de Maio de 2006

"Apesar de frágil, Timor-Leste é uma jovem democracia em que acreditamos. É o país que escolhemos para viver e trabalhar. Desde dia 28 de Abril muito se tem dito sobre a situação em Timor-Leste. Boatos, rumores, alertas, declarações de países estrangeiros, inocentes ou não, têm servido para transmitir um clima de conflito e insegurança que não corresponde ao que vivemos. Vamos tentar transmitir o que se passa aqui. Não o que ouvimos dizer... "
 

Malai Azul. Lives in East Timor/Dili, speaks Portuguese and English.
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