sexta-feira, julho 27, 2007

"Ninguém tem o monopólio da verdade, da virtude e das soluções"

Público, 26.07.2007
Adelino Gomes

O Presidente timorense quer um governo de "grande inclusão". Se os partidos não chegarem a acordo, avançará com a sua decisão

José Ramos-Horta dispõe--se a esperar até 31 de Julho, data provável da eleição do novo presidente do Parlamento Nacional, a segunda figura mais elevada na hierarquia do Estado. Se os líderes dos partido - com quem, entretanto, tem vindo a manter reuniões, nos arredores de Díli - não chegarem a acordo quanto à constituição do próximo governo, tomará uma decisão na próxima quarta-feira, 1 de Agosto. Nesta entrevista, cujas respostas foram recebidas ontem de manhã, por correio electrónico, o presidente timorense defende que seria "de toda a prudência" uma solução em que "os líderes e partidos maiores " do país "se juntassem e formassem um governo bem abrangente e representativo de todos e em que todos os timorenses se sintam representados". Pragmatismo, humildade e prudência precisam--se em Timor-Leste, diz o Prémio Nobel da Paz, explicando as razões que levam a Fretilin, de Alkatiri, e o Congresso Nacional de Reconstrução de Timor-Leste (CNRT), de Xanana Gusmão, a não se entenderem.

Qual é a deadline presidencial para que os partidos cheguem a acordo para um governo de grande inclusão?

O novo Parlamento inicia os seus trabalhos, isto é, a nova legislatura, no dia 30 de Julho, um mês após as eleições. Vamos ver primeiro a eleição do novo presidente do Parlamento Nacional. Lá para o dia 1 de Agosto anunciarei a minha decisão, de acordo com os art.º 85 e 106 da Constituição da República Democrática de Timor-Leste (RDTL).

Esta terça-feira, os jornalistas viram sair da reunião [com ar zangado] o presidente do CNRT, Xanana Gusmão, o que foi interpretado como sinal de que não houve acordo. Acha possível uma solução sem o acordo de uma figura-chave como Xanana Gusmão?

Pensei que ele saiu para fumar porque Xanana não consegue estar muito tempo sentado sem fumar. Claro, não houve acordo. E, se não houver, tomarei uma decisão no dia 1 de Agosto.

Um governo de grande inclusão é a sua solução preferida. Porquê, se toda a crise em que o país mergulhou há mais de um ano teve como base as posições irreconciliáveis entre a liderança da Fretilin, por um lado, e o presidente Xanana, hoje líder do maior partido a seguir à Fretilin, e os outros partidos que formaram com o CNRT uma coligação governamental, por outro?

Continuo a defender que - dado o resultado eleitoral, que revelou uma profunda clivagem regional, e dada a situação ainda frágil que nós atravessamos - seria de toda a prudência que os líderes e partidos maiores deste país se juntassem e formassem um governo bem abrangente e representativo de todos e em que todos os timorenses se sintam representados, canalizando as nossas experiências para duas áreas prioritárias: a estabilização e a recuperação económica. Propus uma agenda de 10 pontos para dois anos.

A recém-formada Aliança de Maioria Parlamentar (AMP), liderada pelo CNRT de Xanana Gusmão, quer ser ela a governar; a Fretilin quer ser ela a governar porque é o partido mais votado mas não conseguiria fazer passar o seu programa e orçamento. Acredito sempre que mesmo as posições mais irredutíveis podem ser conciliadas quando há um objectivo maior, mais sublime, mais nobre, a alcançar, que é a paz, a tranquilidade, o bem--estar. Os agentes políticos deviam ser mais sensíveis, inteligentes, pragmáticos, humildes, prudentes. Disse várias vezes nas nossas reuniões: ninguém tem o monopólio da verdade, das virtudes e da solução para Timor--Leste. No passado, a Fretilin parecia pensar que tinha a exclusividade das verdades e soluções. Hoje já não pensa assim. Fizeram uma reflexão e concluíram que não podem governar sozinhos. Mas teimam em liderar um novo governo abrangente. A AMP parece agora pensar que ela detém o monopólio da verdade, das virtudes e das soluções. Enfim, talvez quando começarem a governar vão ver que governar não é só através de declaração de princípios, que a governação é bem mais complexa e terão que fazer concessões, compromissos e vão precisar da Fretilin.

Já disse que está fora de causa a convocação de eleições intercalares. As opções que restam são: convidar a Fretilin ou a AMP para formarem governo. Posteriormente, surgiu uma terceira, algo surreal: cada um destes partidos dividirem a legislatura ao meio. Qual destas soluções (ou outra) favorece? Porquê?

Tomarei uma decisão entre as duas previstas na Constituição[convidar o partido mais votado ou a coligação com maioria parlamentar] no dia 1 de Agosto.

A violência voltou a Díli, no domingo. Um porta-voz da polícia das Nações Unidas admitiu a hipótese daqueles actos terem tido motivações relacionadas com o major Reinado. Um juiz português considerou "ilegais" as ordens presidenciais para que cessassem as buscas para a sua detenção. Em declarações reiteradas, quer de Reinado, quer de Leandro Isaac [no PÚBLICO de 22/7], tudo indica que Reinado não se entregará. Que solução preconiza, perante estes novos dados?

O sr. juiz enganou-se (juízes também se enganam, não são superinteligentes ou sapientes) e podia ter-se informado melhor. O Presidente da República, em sintonia com todos os órgãos de soberania e com a UNMIT (Missão Integrada das Nações Unidas em Timor-Leste, sigla em inglês), decidiu suspender todas as operações militares contra o sr. Reinado. Não se pronunciou sobre o mandado de captura, já que todos os presentes nas reuniões temos consciência das fronteiras que nos separam em termos das nossas respectivas prerrogativas. Tenho apostado e investido muito no diálogo para que o sr. Reinado se entregue à Justiça, e vou continuar a fazê-lo.

Apesar da demissão de Mari Alkatiri e das eleições presidenciais e legislativas, actos tidos por clarificadores da situação, continua tensa a situação em Timor-Leste. Porquê e o que é necessário para a ultrapassar?

Tensa às vezes. Raras vezes surgem actos de violência, mas não de grande escala. A situação em mais de 99 por cento do país é muito calma. A maior parte de Díli está calma, com muito comércio, muito tráfego, agora com semáforos, iluminação nocturna nalguns bairros, etc. Estamos no bom caminho, com sobressaltos pelo meio. Vamos continuar com determinação, serenidade, com a consciência da nossa inexperiência, logo das nossas falhas, mas com apoio da ONU, Austrália, Nova Zelândia, Portugal, e outros países vizinhos vamos chegar a bom porto em pouco tempo. A economia está a crescer. Mais embaixadas vão abrir em Díli. A do Kuwait é uma delas. A Comissão Europeia já elevou a sua missão aqui para full delegation. Países asiáticos como Índia, Paquistão, etc., querem abrir embaixadas. Companhias de petróleo de Itália, Índia, Malásia, estão a acorrer ao mar de Timor. Vamos investir algumas centenas de milhões de dólares nos próximos cinco anos em infra-estruturas, estradas e outros investimentos que vão criar milhares de empregos, reduzindo ou mesmo eliminando o desemprego. Portanto, estou optimista, sem exageros, ciente dos desafios, riscos.

A AMP, de Xanana Gusmão, terá que compreender que governar implica fazer concessões, diz Ramos-Horta.

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Traduções

Todas as traduções de inglês para português (e também de francês para português) são feitas pela Margarida, que conhecemos recentemente, mas que desde sempre nos ajuda.

Obrigado pela solidariedade, Margarida!

Mensagem inicial - 16 de Maio de 2006

"Apesar de frágil, Timor-Leste é uma jovem democracia em que acreditamos. É o país que escolhemos para viver e trabalhar. Desde dia 28 de Abril muito se tem dito sobre a situação em Timor-Leste. Boatos, rumores, alertas, declarações de países estrangeiros, inocentes ou não, têm servido para transmitir um clima de conflito e insegurança que não corresponde ao que vivemos. Vamos tentar transmitir o que se passa aqui. Não o que ouvimos dizer... "
 

Malai Azul. Lives in East Timor/Dili, speaks Portuguese and English.
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