sábado, março 31, 2007

Xanana diz que a economia não funciona

Público, 31.03.2007
Por: Paulo Moura em Díli

Ninguém pode dizer que as coisas sejam previsíveis. Nunca se pode saber quantos vão aparecer num comício. Nem quais. Uma sessão do candidato Fernando la Sama, em Manatuto.

O Presidente cessante de Timor--Leste, Xanana Gusmão, declarou ontem ao Financial Times que a elite dirigente do país apresenta um balanço que se pode comparar de forma desfavorável com o dos 24 anos de ocupação indonésia: "Matavam e mentiam, mas a economia continuava a funcionar. Agora somos independentes e ela já não funciona. Agora as estradas não são reparadas. As escolas estão reabilitadas, mas não de forma adequada. Constroem-se edifícios para os ministérios, mas o povo continua a sofrer".

O homem que já há duas semanas dissera à Lusa e à RTP que "o Estado não esteve à altura dos problemas que foram surgindo" afirmou agora que o país jamais irá recuperar se a actual direcção da Fretilin (partido do qual se afastou na década de 1980) continuar a ter poder. E também argumentou que a missão das Nações Unidas constituída depois dos incidentes de 2006 poderá não ser necessária para além de meados de 2008 se os timorenses conseguirem resolver as suas divergências. Mas, dias antes, o candidato presidencial independente José Ramos-Horta (primeiro-ministro com as funções suspensas) defendera que a ONU continuasse por mais cinco anos, tal como as tropas australianas que se encontram destacadas em Timor-Leste.

O mês passado, o chefe do Governo dissera ao PÚBLICO que a Indonésia, a Austrália, a Alemanha e os Estados Unidos, entre outros países "amigos", o haviam encorajado a candidatar-se às presidenciais, para ser o sucessor de Xanana Gusmão, que é casado com a australiana Kirsty Sword.

Na estrada sinuosa e magnífica, cruzam-se os camiões das várias campanhas. Apoiantes de candidatos rivais gritam para este e para oeste, pendurados às centenas nas caixas abertas de veículos de carga. De Díli a Baucau, e em sentido inverso, o rodopio eufórico dos manifestantes parece retesar a estrada, torná-la ainda mais estreita.

Dois camiões com apoiantes da Fretilin, um outro atafulhado de adeptos de Fernando La Sama de Araújo, líder do Partido Democrático e candidato às eleições presidenciais de 9 de Abril. Cada magote humano grita o mais alto que pode, durante a tangente impossível, mas não passa disso. Há notícias de confrontos entre as várias forças políticas, um pouco por todo o país. Aqui não. Estão demasiado próximos. Estão muito juntos, a estrada é perigosa, uma distracção poderia ser fatal. E a paisagem é demasiado bela. Limitam-se, por isso, a gritar a plenos pulmões. É a atitude mais sensata em Timor-Leste.

O caminho segue junto ao mar. Enrola-se nas montanhas, atira-se sobre o horizonte, plana, imponente, entre o azul e o verde, como num sonho louco e feliz. De Díli até Manatuto, onde vai decorrer o comício de La Sama, os camiões vão-se juntando, vindos de várias regiões, desde as povoações vizinhas a cidades longínquas. Pontuais no atraso, despejam mil manifestantes no campo de futebol de Manatuto.
Junto ao palco, o candidato é precedido por um enorme poster de si próprio, pintado a cores irrealisticamente vivas. À volta do rosto, tem mesmo um degradé muito claro, destacando-o do fundo, como se fosse uma aura.

Quando, após alguns discursos laudatórios, Fernando La Sama chega ao púlpito, a multidão está ganha. Aplaude com entusiasmo cada frase curta, em tétum. La Sama, que se gaba de ter o apoio dos jovens, está de camisa bem engomada e colar de flores ao pescoço. Critica o Governo, ataca as elites, fala dos direitos do povo e da língua tétum. Atrás, tem uma fila de activistas, com t-shirts a dizer "Vota candidato número 8", dois deles em cadeira de rodas. À sua frente, ergue-se a igreja, de um lado o mar, do outro as montanhas.

"Ele lutou, esteve preso, mas nunca quis o poder", diz um homem com idade para ter vivido toda a História de Timor-Leste. "Eu acredito nele para acabar com essa elite que está a destruir o nosso país." É um velho rodeado por jovens que não falam português. Grupos de raparigas de saias sujas e pés descalços. Rapazes com t-shirts rotas. Numa delas, lê-se, nas costas: "Total Kaos".

Empoleirados no arco em ruínas do que foi outrora um palácio, rapazes de fita no cabelo e tronco nu gritam vivas e assobiam, entre cada frase do candidato. Calam--se quando ele fala, quase sempre. Vê-se que estão impacientes, têm dificuldade em estar quietos.
De súbito, lá atrás, ouve-se o roncar de motos com motores muito velhos e pouco potentes, como uma praga de moscas. Um grupo de adolescentes corre para o meio do comício. Todos se voltam, visivelmente desconfortáveis: os jovens têm as caras, os cabelos e os troncos pintados, de azul, vermelho, verde, com símbolos, listas, letras, bandeiras. Lançam gritos de apoio, não nos intervalos das frases, mas no meio delas. Estão com o candidato, mas não o deixam falar.

La Sama termina o discurso com vivas a Timor e começa a música. Uma banda ataca um ritmo fanhoso e acelerado, a partir das traseiras do palco e, da audiência, um grupo salta imediatamente para a frente e começa a dançar. Abre-se uma clareira, junta-se mais gente, forma--se uma roda. As pessoas dão as mãos, entrelaçam os braços, mas eis que, entre a massa humana, fura o grupo dos caras-pintadas. Uns têm cabeças rapadas, outros longas cabeleiras negras, empoeiradas de tinta azul e vermelha. Gritam como loucos e instalam-se no meio da roda, também a dançar, mas à sua maneira. Dão encontrões uns aos outros, correm em círculos, numa forma muito específica de mosh de Manatuto.

No ar fica uma poeira que se enfia nas narinas, a nuvem colorida da tinta argilosa e seca que se solta dos seus cabelos e corpos.
Rapidamente, a roda desfaz-se, as pessoas recuam. É impossível dançar com a tribo dos caras--pintadas. A música pára. Um militante vem ao microfone dar vivas ao "candidato número 8", Fernando La Sama de Araújo. Depois, manda todos embora, para Baucau, ou para a estrada, ou para os arredores de Manatuto. E no momento em que a ordem foi dada, em três segundos, não mais, a multidão correu para os camiões. O recinto ficou vazio num piscar de olhos. Os caras-pintadas montaram nas suas motos e seguiram-nos. Pela estrada irresistível, labirinto de sonhos. Dois ou três em cada moto, aos gritos e gargalhadas, as raparigas no lugar do passageiro, cabelos azuis soltos, ao vento.

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Traduções

Todas as traduções de inglês para português (e também de francês para português) são feitas pela Margarida, que conhecemos recentemente, mas que desde sempre nos ajuda.

Obrigado pela solidariedade, Margarida!

Mensagem inicial - 16 de Maio de 2006

"Apesar de frágil, Timor-Leste é uma jovem democracia em que acreditamos. É o país que escolhemos para viver e trabalhar. Desde dia 28 de Abril muito se tem dito sobre a situação em Timor-Leste. Boatos, rumores, alertas, declarações de países estrangeiros, inocentes ou não, têm servido para transmitir um clima de conflito e insegurança que não corresponde ao que vivemos. Vamos tentar transmitir o que se passa aqui. Não o que ouvimos dizer... "
 

Malai Azul. Lives in East Timor/Dili, speaks Portuguese and English.
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