terça-feira, maio 27, 2008

Indulto presidencial suscita reacções de repúdio

Díli, 27 Mai (Lusa) - O indulto concedido na semana passada pelo Presidente timorense, José Ramos-Horta, que inclui o ex-ministro do Interior e nove condenados por crimes contra a humanidade, foi recebido com repúdio por diferentes fontes ouvidas pela agência Lusa em Díli.

Joni Marques, Gonçalo dos Santos, João da Costa “Lemorai” e Paulo da Costa, membros ou “associados” da milícia pró-indonésia Team Alfa em 1999, de Lospalos (leste), estão entre 94 indultados pelo Presidente José Ramos-Horta a 20 de Maio, dia da independência.

O indulto abrange também o ex-ministro do Interior Rogério Lobato, condenado em 2007 a sete anos e meio de prisão pela distribuição de armas a civis durante a crise política e militar de 2006.

Tanto Rogério Lobato, fundador das Falintil em 1975, como cinco dos nove ex-milícias integracionistas de 1999 incluídos no indulto, beneficiam de redução de metade da pena, ficando em condições de pedir a liberdade condicional.

“Estou sem palavras. O Presidente é uma obstrução completa à justiça em Timor-Leste”, acusou Fernanda Borges, líder do Partido Unidade Nacional (PUN), em declarações à Lusa.

Fernanda Borges é presidente da Comissão A do Parlamento Nacional, que tem competência sobre assuntos constitucionais e direitos, liberdades e garantias, e nessa qualidade pretende apresentar um pedido de esclarecimento ao Governo sobre as informações e sugestões enviadas ao Presidente da República para o indulto.

“É asqueroso indultar criminosos como Joni Marques e o seu grupo. Legalmente, o Presidente pode fazê-lo, mas é uma medida indefensável para os ideais da defesa da justiça”, afirmou à Lusa um especialista internacional em direitos humanos, com experiência de vários anos em Timor-Leste.

“A única lógica que vejo é a de que, uma vez que já não há ninguém preso na Indonésia pelos crimes de 1999 ou da Ocupação, o Presidente timorense decidiu nivelar pelo mesmo critério, por baixo, e dar aos timorenses a mesma impunidade de que gozaram os indonésios”, adiantou o mesmo especialista, que pediu o anonimato.

“É um nivelamento por baixo”, acrescentou.

“O indulto é ainda mais indefensável porque o relatório ‘Chega!’ (da Comissão de Acolhimento Verdade e Reconciliação-CAVR) nunca foi discutido pelo Parlamento”, explicou o mesmo especialista à Lusa.

Também Pat Walsh, do secretariado da pós-CAVR (a comissão funcionou entre 2002 e 2005), manifestou informalmente a sua condenação pelo indulto presidencial, em declarações proferidas na semana passada durante um encontro inter-religioso em Díli.

“Crimes como os de 1999 não foram apenas cometidos contra indivíduos mas contra valores e sistemas de justiça, ou de moral”, analisou Pat Walsh nessa ocasião.

“O perdão de José Ramos-Horta aos seus agressores (em Fevereiro de 2008) é muito bonito, mas como chefe de Estado ele tem que defender os interesses dos cidadãos, incluindo das vítimas”, explicou também Pat Walsh, um veterano da causa timorense de há mais de três décadas.

Um outro activista de direitos humanos envolvido no processo da antiga CAVR, e que pediu o anonimato, declarou à Lusa que “se houvesse uma sondagem de opinião honesta, a maioria dos timorenses não concordaria que o sistema (judicial) fosse comprometido desta maneira”.

Para um magistrado envolvido em vários dos processos que agora receberam indulto presidencial, “o decreto é uma amnistia encapotada”.

“É uma lei de calculadora na mão, porque os critérios foram arranjados para encontrar as reduções de pena necessárias para casos individuais, e não o contrário”, acrescentou o mesmo magistrado.

“No centro dos ‘critérios’ está, claramente, o caso de Rogério Lobato. Os outros nomes compõem o ramalhete”, acusou a mesma fonte judicial, que falou sob anonimato.

O magistrado salientou que o resultado directo do indulto presidencial será “a saída precoce em liberdade de dezenas de violadores e homicidas”, uma vez que são esses os crimes mais frequentes em Timor-Leste.

“Os condenados por crimes contra o património são uma minoria na lista dos 94 indultados”, declarou o magistrado.

“Há condenados por crimes contra a vida e outros direitos fundamentais que vão voltar à rua depois de apenas alguns meses na prisão, porque as sentenças iniciais já eram baixas em relação à gravidade dos crimes”, alertou o mesmo magistrado.

Essa desproporção entre crime e pena tem a ver com a valoração relativa do Código Penal Indonésio, que é mais duro com crimes contra o Estado, por exemplo, do que com crimes contra o indivíduo.

O magistrado sublinha também que o indulto de 20 de Maio foi o terceiro indulto presidencial em menos de um ano.

“Num país de grande violência como é Timor-Leste, um indulto assim tem consequências pesadas para a sociedade, em impunidade e em insegurança”, concluiu o magistrado.

O Programa de Monitorização do Sector Judicial (JSMP), que acompanha em detalhe todo o sistema jurídico timorense, chamou a atenção para as “muitas ambiguidades legais e linguísticas” do decreto presidencial.

“O que é claro, no entanto, é que a redução generalizada de sentenças ameaça desvalorizar o papel dos tribunais e minimizar a gravidade dos crimes cometidos”, notou o JSMP num comunicado.

“Até a verdade não é suficiente, mas nem sequer a isso chegámos, e à justiça ainda menos”, resumiu o activista da CAVR sobre o último indulto presidencial.

PRM.
Lusa/fim

1 comentário:

Anónimo disse...

As "brincadeiras" dos titulares do poder com a justiça há muito que nos deixaram todos com os olhos em bico e com a vontade de chagarmos ao pé deles e lhes darmos um bom par de estalos na cabeça. Não há outra forma de expressar a desilusão com tudo. Nem sem uma justiça justa para todos há segurança e estabilidade no país nem há a confiança dos cidadãos no estado e nessa mesma justiça.
Como se pode pôr em pé de igualdade Rogério Lobato e ex- milícias como o indulto presidencial os colocou na mesma situação? A Constituição esclarece bem que o indulto é presidencial e naõ papal, muito menos divinal, não esclarece?

Os titulares de poder no papel de "Madre Teresa de Calcutá" já levaram a muitos e enormes prejuízos para Timor e os seus cidadãos, incluindo a recente ameaça de morte do próprio presidente da República. O que é que esperam então que aconteça como a consequência? Causa-efeito, não existe, ou os políticos actualmente no poder em Timor estão todos a ficar desmiolados ou em processo de danificação das células cerebrais?

Traduções

Todas as traduções de inglês para português (e também de francês para português) são feitas pela Margarida, que conhecemos recentemente, mas que desde sempre nos ajuda.

Obrigado pela solidariedade, Margarida!

Mensagem inicial - 16 de Maio de 2006

"Apesar de frágil, Timor-Leste é uma jovem democracia em que acreditamos. É o país que escolhemos para viver e trabalhar. Desde dia 28 de Abril muito se tem dito sobre a situação em Timor-Leste. Boatos, rumores, alertas, declarações de países estrangeiros, inocentes ou não, têm servido para transmitir um clima de conflito e insegurança que não corresponde ao que vivemos. Vamos tentar transmitir o que se passa aqui. Não o que ouvimos dizer... "
 

Malai Azul. Lives in East Timor/Dili, speaks Portuguese and English.
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