terça-feira, maio 27, 2008

A milícia Team Alfa e a violência de 1999 no indulto de Ramos-Horta

*** Pedro Rosa Mendes, da Agência Lusa ***

Díli, 27 Mai (Lusa) - Na lista de 94 nomes indultados pelo Presidente da República timorense estão os primeiros e únicos condenados em Timor-Leste por crimes contra a humanidade, incluindo os quatro protagonistas do “julgamento de Lospalos”.

Entre os nove ex-elementos de milícias integracionistas indultados por José Ramos-Horta no dia da independência, 20 de Maio, sobressai o de Joni Marques, acusado de alguns dos crimes mais cruéis cometidos antes e depois do referendo de 30 de Agosto de 1999.

Joni Marques, Gonçalo dos Santos, João da Costa “Lemorai” e Paulo da Costa, membros ou “associados” da milícia pró-indonésia Team Alfa (ou Tim Alfa), de Lospalos (leste), constituem, juntos, uma das cinco listas nominais do decreto presidencial número 53/2008.

Os quatro foram acusados de crimes contra a humanidade em Dezembro de 2000 pelo procurador internacional da Autoridade de Transição e foram os primeiros a ser julgados, a partir de Janeiro de 2001, pelo Tribunal Especial para Crimes Graves em Díli.

O “julgamento de Lospalos”, como ficou conhecido, foi um marco na história judicial do novo país, onde pela primeira vez se julgou e condenou responsáveis directos da campanha de violência que assolou o território em 1999.

Joni Marques, João da Costa e Paulo da Costa receberam penas cumulativas de prisão de 33 anos e quatro meses e Gonçalo dos Santos foi condenado a 23 anos.

Na lista de crimes de que foi acusado Joni Marques e os seus colegas de milícia conta-se a tortura e morte de Evaristo Lopes, um membro clandestino das Falintil, a 21 de Abril de 1999, em Lospalos; ataques, deportação e movimentação forçada de população de várias aldeias de Lautém entre 08 e 30 de Setembro.

O rol de crimes inclui ainda o rapto e assassínio do jovem Aleixo Oliveira a 11 de Setembro, o assassínio de Alfredo Araújo e Calixto Rodrigues, a 21 de Setembro, e o conhecido massacre de freiras, padres, um jornalista indonésio e outros passageiros, num total de oito ocupantes da mesma viatura, em Lautém, dia 25 do mesmo mês.

“Estes crimes foram parte da onda de violência generalizada, orquestrada e enquadrada pelas forças armadas indonésias (ABRI, renomeadas TNI em 1999) e pela polícia”, considerou o Tribunal Especial que julgou Joni Marques e companheiros.

“As milícias pró-autonomia eram organizadas e dirigidas por uma organização paramilitar de enquadramento, as Forças de Combate da Integração (PPI), que tinha o apoio das TNI e da administração”, pode também ler-se no primeiro auto de acusação.

No distrito de Lautém (com capital em Lospalos), as forças indonésias trabalharam em estreita cooperação com grupos armados como a Team Alfa, a BRTT (Barisan Rakyat Timor Timur) e a Pengamanan Swakarsa, grupos de “autodefesa” civil.

Joni Marques, detido em 31 de Outubro de 1999, foi comandante da milícia Team Alfa entre 1994 e 1996 e membro do Comando das Forças Especiais indonésio (KOPASSUS).

João da Costa “Lemorai” era membro da milícia. Paulo da Costa estava “associado” ao mesmo grupo, tal como Gonçalo dos Santos, segundo a acusação.

A Team Alfa, referida algumas vezes como Jati Merah Puti (que em bahasa significa “Autêntico Branco e Vermelho”, as cores da bandeira indonésia), foi criada em 1986 pelo capitão Luhut Panjaitan, do KOPASSUS, como força de recrutamento local contra a guerrilha das Falintil.

Segundo a acusação, “membros da Team Alfa eram armados, equipados e treinados pelo KOPASSUS, actuando em operações mistas” de grande violência contra a população timorense.

Joni Marques foi um dos participantes de uma reunião na base de Laruara, a 03 de Setembro, onde se analisou a violência ao longo do ano de 1999 e se definiu a campanha seguinte, de retaliação contra a vitória da independência.

Relatos do “julgamento de Lospalos” referem “a grande crueldade” e “desumanidade” dos crimes da Team Alfa, com detalhes chocantes do massacre das freiras e padres na estrada de Lautém para Baucau.

Nessa ocasião, a eliminação das vítimas foi feita a tiro, em alguns casos à catanada e à facada, e terminou com o linchamento de um jovem que o grupo de Joni Marques tinha atado a uma árvore antes da emboscada à viatura dos religiosos.

Joni Marques e os outros dois condenados a 33 anos de prisão receberam um primeiro indulto em 2004, do então chefe de Estado, Xanana Gusmão, actual primeiro-ministro. A pena ficou reduzida a 25 anos.

Com a redução da pena para metade (doze anos e seis meses) por José Ramos-Horta, todos os quatro nomes constantes do Anexo III do decreto presidencial estão em condições de pedir a liberdade condicional. A cumprir pena há quase nove anos, Joni Marques e o seu grupo já ultrapassaram a barreira legal de meio da pena cumprida, que é de seis anos e três meses.

Beneficiam também de indulto presidencial, com redução de dois anos na pena, outros ex-membros de milícias integracionistas: Mateus Punef, Sixto Barros, César Mendonça e Januário da Costa. Um outro ex-milícia, Mateus Lao “Ena Poto”, é abrangido pelo indulto presidencial com a mesma redução, mas na lista do Anexo II do decreto.

Lusa/fim

2 comentários:

Anónimo disse...

Sou o sobrinho
do Liurai Verissimo Dias
Quintas assasinado
pelo Team Alfa
o 28 agosto 1999.

E' uma vergonha.
Em TL hoje
mataram a justica!

Mais nada.
David Dias Quintas Corona

Anónimo disse...

Que "linda" maneira de homenagear as vítimas - abrindo o caminho à liberdade a seus carrascos.
A dizer que perdoar significa a superioridade, não se aplica a este caso. Isto é um insulto às vítimas e à condição de ser humana.
Alguém cujo comportamento até em muito é inferior abaixo do comportamento do mundo animal não merece indulto, aministia, ou qualquer perdão. A sociedade humana reservou a tais casos o afastamento da própria sociedade através do seu confinamento às prisões ou hospícios, quando tal se comprove justificado.

Uma vez que na política nada é cortesia ou generosodade mas todos os actos vistos como políticos, é difícil de compreender o indulto presidencial de criminosos mais cruéis. Caso se trate de uma estratégia de aproximação de Timor à Indonésia e demonstração que o perdão foi concedido, não me parece ser uma boa estratégia. Há outras formas de conseguir aproximação e cooperação, mais do que necessárias dada a situação geográfica de Timor-Leste. Contudo, uma coisa é perdoar, e mesmo assim em certos limites, e outra é esquecer, neste caso todas as vítimas de crimes graves, dos abusos e outras tentativas contra a dignidade humana.

A cooperação com os seus vizinhos deve ser de igual para igual, e não é devido ao seu tamanho que Timor deve pôr se em bicos dos pés. Timor tem muitos recursos naturais, petróleo nomeadamente, tão cobiçados pelos seus vizinhos que o permitem não apenas exigir de ser tratado como igual mas também colocam numa certa posição da superioridade. O caminho que está a seguir é de auto-mutilação, auto-destruição e vitimização.

E não se pode esquecer de que quem matou uma vez cruelmente é capaz de matar as vezes que for preciso porque para tais a vida e a dignidade humanas, ou quaisquer outros valores não têm importância ou sentido algum.

Traduções

Todas as traduções de inglês para português (e também de francês para português) são feitas pela Margarida, que conhecemos recentemente, mas que desde sempre nos ajuda.

Obrigado pela solidariedade, Margarida!

Mensagem inicial - 16 de Maio de 2006

"Apesar de frágil, Timor-Leste é uma jovem democracia em que acreditamos. É o país que escolhemos para viver e trabalhar. Desde dia 28 de Abril muito se tem dito sobre a situação em Timor-Leste. Boatos, rumores, alertas, declarações de países estrangeiros, inocentes ou não, têm servido para transmitir um clima de conflito e insegurança que não corresponde ao que vivemos. Vamos tentar transmitir o que se passa aqui. Não o que ouvimos dizer... "
 

Malai Azul. Lives in East Timor/Dili, speaks Portuguese and English.
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