Expresso
Sábado, 12 de Abril de 2008
Micael Pereira
O Presidente timorense Ramos-Horta admitiu ao Expresso que houve apoios de militares e empresários indonésios ao grupo de rebeldes do major Alfredo Reinado, que levou a cabo um duplo atentado contra o chefe de Estado e o primeiro-ministro Xanana Gusmão, a 11 de Fevereiro.
De acordo com Ramos-Horta, trata-se de “militares que tiveram ligações com Timor mas que agiram individualmente, e não enquanto instituição das forças armadas. Os indícios são muito fortes. O Estado timorense tem óptimas relações com o Estado indonésio, ao mais alto nível, e sei que haverá total colaboração por parte das autoridades indonésias para investigar e punir as pessoas privadas ou militares que tenham estado envolvidos no apoio a Reinado”.
Um dos homens de mão dos generais indonésios do regime de Suharto - o timorense Hércules Rosário Marçal - poderá estar implicado no atentado, segundo o Expresso apurou. Juntamente com outros factos, entretanto investigados, é possível estabelecer uma ligação entre a ala mais dura do regime de Jacarta e Reinado.
Em entrevista ao Expresso, Hércules, conhecido em Jacarta como o ‘rei dos gangsters’, negou qualquer contacto pessoal ou telefónico com o major rebelde, mas os registos das chamadas feitas por Reinado para o seu telemóvel pessoal provam o contrário. O major recebeu o número de Hércules através de um SMS enviado pelo tenente Gastão Salsinha (sucessor de Reinado) a 7 de Janeiro e manteve uma conversa com o ‘rei dos gangsters’ a 19 de Janeiro, dois dias antes de Hércules fazer uma visita a Díli, acompanhado por empresários indonésios, para reuniões oficiais com as mais altas figuras do Estado. Segundo o próprio Hércules, os encontros decorreram com o primeiro-ministro Xanana Gusmão, o procurador-geral da República e o presidente do Parlamento.
Reinado e Hércules voltariam a falar por duas vezes no dia 2 de Fevereiro, uma semana antes dos atentados. E, pela análise dos registos telefónicos, há uma relação directa entre as chamadas do major para Hércules nesse dia e as chamadas para um número indonésio misterioso - feitas logo antes e logo após as conversas com o ‘rei dos gangsters’. Actualmente inactivo, foi para esse número que Reinado ligou às 21h44 do dia 10 de Fevereiro, naquele que foi o seu último telefonema na véspera dos atentados - e na sequência dos quais morreria.
Durante a adolescência, Hércules e Reinado tinham sido tarefeiros do Exército indonésio. Hércules tornou-se famoso em Jacarta, nos anos 90, pela forma como o seu gangue prosperou e pelo modo como se estabeleceu a soldo dos generais da ala dura de Suharto, sendo encarregue de intimidar dissidentes do regime e activistas timorenses.
Segundo o jornal australiano ‘The Age’, o criminoso timorense chegou a viver em casa do general Zacky Anwar Makarim, que viria a ser indiciado em 2003 pela ONU, por ser alegadamente um dos orquestradores da campanha de terror lançada pela Indonésia em Timor durante 1999 e de que resultaram 1500 mortos. Outro dos generais associados a Hércules é Prabowo Subianto, genro de Suharto.
Mas o elo do grupo de Reinado à Indonésia não se esgota em Hércules. Incluiu apoio material e militar de origens diversas, de acordo com mensagens SMS, a que o Expresso teve acesso, trocadas entre o major e números de telefone indonésios. Uma das mensagens escrita em bahasa, recebida no mesmo dia em que lhe foi enviado o número de Hércules, revelava o seguinte: “O nosso irmão já está em Atambua e seguirá para Kupang. Se quiseres de verdade alugar o carro é favor cuidar dos documentos”. O próprio autor do SMS, António Lopes, de Atambua (em Timor Ocidental), negando ao Expresso que o tenha escrito, acrescentou que sempre ia ajudando, sobretudo com garrafas de uísque, “de que Alfredo gostava muito”.
Já as fardas novas com que Reinado vestiu dezenas de homens numa parada militar, em Novembro de 2007, em Ermera, bem como os coletes à prova de bala e os aparelhos de rádio, que equipavam o grupo de rebeldes, vieram todos de Jacarta, diz Leandro Isaac, ex-deputado, que esteve refugiado nas montanhas com o major, em 2007.
Uma fonte oficial do Governo timorense, que não quer ser citada por questões diplomáticas, diz que “há uma série de figuras vingativas da Kopassus (as forças especiais indonésias) que estão interessadas em instigar a instabilidade em Timor e houve, pelo menos, conluio das autoridades fronteiriças e policiais indonésias até agora”, aludindo à forma como Reinado conseguiu ir facilmente até Jacarta em 2007, dois meses depois de um confronto armado com as forças australianas e de o Governo de Díli ter pedido ao Governo vizinho para fechar totalmente as fronteiras. “Mas não só o deixaram passar como lhe arranjaram documentação com uma identidade falsa”, diz a mesma fonte. O major Reinado passeou-se livremente pela capital indonésia e apareceu a 21 de Maio no estúdio da estação de televisão Metro de farda e com um guarda-costas armado. Ironicamente, para um programa que viria a ter outro convidado: Hércules.
3 comentários:
Antes de Reinado se passear "livremente pela capital indonésia", já se tinha passeado livremente em quase todos os distritos ocidentais de TL, com a célebre "guia de marcha" passada por Xanana, que também lhe pagou umas férias na pousada de Maubisse. Então só os indonésios é que são os maus da fita?
sE NAO ESTOU EM ERRO,POUCO TEMPO DEPOIS DO ATENTADO AO pRESIDENTE ,GASTAO SASINHA TB APARECEU NA TELEVISAO INDONESIA ???COMO FOI POSSIVÉL?
Gente do Timor Online,
Acompanho o blog com freqüência para saber o que se passa por aí. É uma fonte de informação imprescindível e por outros lados do mundo pouco se fala sobre o Timor Leste. Estão de parabéns pelas atualizações, mas ... posso pedir algo? seria possível vocês criarem links para a fonte das notícias quando estas estão na internet?
obrigada e continuem postando!
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