domingo, fevereiro 10, 2008

Entrevista a Mari Alkatiri - SAVANA

Semanário Savana
8.02.2008

“Actual Governo é inconstitucional”
Por João Vaz de Almada

Para Mari Alkatiri, ex-Primeiro-Ministro timorense, o actual Governo foge a toda a lógica constitucional, uma vez que não foi formado pelo partido mais votado. Na entrevista, o Secretário-Geral da FRETILIN acusa Ramos Horta e Xanana Gusmão de troca de favores mútuos, responsabiliza o Governo por diversos atropelos constitucionais e sobretudo pela não resolução de problemas básicos como os deslocados, o caso Alfredo Reinado bem como o dos peticionários.

Ao cabo de seis meses em funções o senhor continua sem reconhecer o actual Governo timorense?

É uma questão de lógica e de princípio. Se tivéssemos perdido as eleições seríamos os primeiros a reconhecer a derrota. Dentro da lógica constitucional e como partido mais votado, o partido FRETILIN deveria ter sido convidado pelo Presidente da República para formar Governo. Posteriormente, o partido ganhador faria as alianças que fossem necessárias para governar. O Presidente da República hesitou, demorou muito tempo, o suficiente para que se formasse a chamada Aliança da Maioria Parlamentar, aparecendo esta com 50% vírgula pouco dos votos expressos. Por conseguinte o actual Governo foge a toda a lógica constitucional.

Mas pela Constituição timorense o Presidente Ramos Horta tem legitimidade para fazer o que fez?

Poder pode, porque o fez, mas não devia. Não se pode ver só a letra da Constituição, é preciso também analisar o seu espírito. Os debates que levaram a actual lei fundamental demoraram 5 anos! A FRETILIN poderia, como o partido mais votado, ter formado maioria parlamentar.

Mas, aparentemente, nenhum partido se mostrou interessado em formar Governo com a FRETILIN.

Isso não é verdade. A FRETILIN hesitou, levou tempo, e isso foi aproveitado pelo presidente e pelo actual Primeiro-Ministro. Antes das eleições já era previsível esta troca de cadeiras entre os dois. Era inevitável que assim fosse: Xanana apoiou a campanha de Ramos Horta para as presidenciais e Ramos Horta tinha também de apoiá-lo nas legislativas. A verdade é que agora temos um Primeiro-Ministro com 24% dos votos, um Presidente do Parlamento com 8%, é esta a realidade que presentemente vivemos. Isto constitui um caso inédito na política em que o partido mais votado não é chamado a formar Governo.

Existem assim tantas incompatibilidades entre a FRETILIN e o Presidente da República uma vez que ele não convidou este partido para formar Governo!

Ramos Horta diz que não vale a pena perder tempo porque o programa da FRETILIN nunca passaria no Parlamento, por conseguinte o orçamento também não passaria. Mas a verdade é que ele não pode fazer esse juízo de valor à priori. Ele tem de cumprir com o que diz a Constituição, não pode dar isso como um dado adquirido. A Constituição prevê que haja uma segunda votação no que diz respeito ao orçamento, podia ser que nessa fase passasse. Tínhamos que passar por todas essas fases.

O senhor disses que ia combater o Governo por vias legais. Quais têm sido essas vias?

Acreditamos que este Governo não vai conseguir governar. Nos primeiros seis meses não há mecanismos legais para ultrapassar crises constitucionais. Durante este período a Constituição não permite a dissolução do Parlamento nem a convocação de novas eleições. Agora já passaram os seis meses, vamos ver.

O que vão fazer agora?

Em Outubro realizámos um encontro alargado ao qual chamámos retiro e decidimos efectuar vários diálogos nacionais a nível de todos os distritos e sub-distritos de Timor. Posteriormente, vamos organizar uma mobilização geral pacífica. Com isto pretendemos demonstrar que o Governo não tem legitimidade nem credibilidade para governar.

Não teme que essa mobilização descambe em confrontos violentos?

Há sempre esse perigo. Temos de fazer as coisas com muita calma, por isso encetaremos o diálogo antes da mobilização para melhor esclarecer as pessoas. Faremos igualmente novas inscrições de militantes porque no meio desta crise já não se sabe quem é militante e quem não é.

A FRETILIN tem mostrado capacidade para controlar os seus, mas naturalmente pode haver elementos infiltrados para nos criarem problemas. Numa marcha temos que ter a certeza absoluta que os participantes são efectivamente da FRETILIN.

O senhor disse que Timor-Leste estava a ser um mau exemplo para a região. Quer especificar?

Quando eu digo mau exemplo é no bom sentido, porque saímos da órbita australiana. Aqueles países da região são tratados como um quintal da Austrália, em que esta põe e dispõe a seu belo prazer. Nós fugimos ao seu controlo e eles, naturalmente, não gostaram. O nosso exemplo deu força para alguns países da região se afirmarem. A Papua Nova Guiné é um deles mas há mais.

Até há pouco a Papua tinha um acordo com a Austrália que todo o gás natural ia em gasoduto para ser refinado na Austrália. Agora começou a ser refinado na Papua. As Fidji expulsaram o embaixador australiano. Isto era o “mau” exemplo que eles queriam evitar.

Este Governo de Xanana serve os interesses de quem?

Xanana Gusmão é um patriota e quem fez a luta como ele fez não se pode pôr em causa. Mas hoje está sob influências que ele não controla. Dizer que ele conscientemente quer vender o país à Austrália, como já ouvi dizer, não acredito. Ele precisa de ser rodeado de pessoas capazes de o convencerem – ele dificilmente se deixa convencer. Mas as más companhias estão dentro da própria casa.

Refere-se à sua esposa?

Sim, claro. Durante a crise que levou ao meu afastamento ela falou mais do que ele a favor da minha demissão. Em parte nenhuma do mundo uma primeira-dama dá palpites sobre o governo como ela deu!

Para o senhor, num governo da FRETILIN, quem deveria ser o Primeiro-Ministro?

Há vários, mas estava previsto que fosse o Estanislau Silva que é membro da Comissão Política Nacional. Eu prefiro estar só dentro do partido.

A FRETILIN não aprovou o Orçamento Geral do Estado (OGE).

Votámos contra.

Porquê?

Primeiro por coerência política e jurídica, porque não reconhecemos este Governo. Segundo porque o Orçamento tem cláusulas claramente inconstitucionais.

Quais são essas cláusulas inconstitucionais?

Por exemplo programas que são claramente da competência do Governo estão no Gabinete do Presidente da República. Programas que são da competência de um Ministério são atribuídos a outro Ministério. Isso verifica-se amiúde neste OGE. Há ainda provisões orçamentais sem planos. Aprovaram um orçamento para a construção de estradas, mas não referem quais são.

Isso já devia estar tudo definido. Não se pode fazer um orçamento e só posteriormente o plano de desenvolvimento. A aprovação do orçamento significa a aprovação prévia do plano.

O montante do actual OGE é sensivelmente semelhante ao do que o senhor dispunha quando era Primeiro-Ministro?

Nem parecido. É cinco vezes superior. Mais de 90% provêm de receitas do petróleo.

Não vê nenhum facto positivo no desempenho deste Governo?

O Governo pensa que com dinheiro resolve tudo, mas não é assim. Ainda não resolveram problemas básicos como os deslocados, o caso Alfredo Reinado, os peticionários. Estes problemas arrastam-se há demasiado tempo.

O caso Reinado

Qual é a solução para Alfredo Reinado?

Alfredo Reinado é cidadão timorense como eu ou como o Rogério Lobato. Deve responder pelos seus actos diante da Justiça.

Não me parece muito difícil capturá-lo!

Nunca houve vontade para isso.

Mesmo da parte dos australianos?

A Austrália tem toda a capacidade militar para o fazer.

Qual é a vantagem da não captura de Reinado?

Reinado foi usado por Ramos Horta e por Xanana durante as campanhas eleitorais ou mesmo antes para derrubar o Governo da FRETILIN. Mas, acerca de Reinado, Xanana tem uma posição muito mais dura do que Ramos Horta. Xanana defende que ele deve comparecer diante da Justiça. Horta advoga uma solução política para o caso. Xanana trata Reinado por Senhor Reinado, Ramos Horta continua a tratá-lo por Senhor Major Reinado.

O senhor ainda vai escrever as suas memórias?

Sinto-me obrigado a isso, mas não tenho pressa. Memórias significa desistir da prática política, admitir que se está na reforma e, para isso, ainda faltam uns bons anos.

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Traduções

Todas as traduções de inglês para português (e também de francês para português) são feitas pela Margarida, que conhecemos recentemente, mas que desde sempre nos ajuda.

Obrigado pela solidariedade, Margarida!

Mensagem inicial - 16 de Maio de 2006

"Apesar de frágil, Timor-Leste é uma jovem democracia em que acreditamos. É o país que escolhemos para viver e trabalhar. Desde dia 28 de Abril muito se tem dito sobre a situação em Timor-Leste. Boatos, rumores, alertas, declarações de países estrangeiros, inocentes ou não, têm servido para transmitir um clima de conflito e insegurança que não corresponde ao que vivemos. Vamos tentar transmitir o que se passa aqui. Não o que ouvimos dizer... "
 

Malai Azul. Lives in East Timor/Dili, speaks Portuguese and English.
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