Lusa/SOL
23 Janeiro 2008
Literatura Lusófona
A nova geração de escritores do espaço lusófono, em que se incluem Paulo Bandeira Faria, Joaquim Arena ou Luís Cardoso, afirma-se disposta a pôr de lado as «mistificações» e as «mágoas» e «juízos» históricos, ainda hoje instaladas no campo literário.
«A geração do [escritor moçambicano Luís Carlos] Patraquim queimou tudo naquela fornalha da revolução [pós-independência] e não deixou nada para nós» afirmou hoje o jovem escritor luso-cabo-verdiano Joaquim Arena, um dos oradores convidados para o colóquio Para Além da Mágoa: Novos Diálogos Pós-Coloniais, na Casa Fernando Pessoa em Lisboa.
Autor de A Verdade de Chindo Luz, romance publicado pela editora Oficina do Livro que é considerado o único recente sobre a vivência das comunidades dos países africanos lusófonos em Portugal, Arena afirma-se mais interessado em continuar a explorar «a questão do desenraizamento», rejeitando a existência de «uma consciência traumática» na relação entre ex-colonizador e Cabo Verde.
«Em Cabo Verde, ainda hoje há uma ligação profunda a Portugal, principalmente no interior. Tenho a certeza de que se tivesse havido um referendo sobre a independência, hoje Cabo Verde ainda seria Portugal, como Martinica é francesa», afirmou hoje Arena.
Esta ligação, juntamente com a antiga e numerosa presença da comunidade cabo-verdiana em Portugal, será uma das razões porque o primeiro livro recente sobre comunidades africanas seja assinado por um escritor com origens em Cabo Verde, e não em Angola ou Moçambique.
«Sou um filho dessa comunidade [cabo-verdiana em Lisboa, nos anos 60 e 70], mas apesar de nascido em Cabo Verde toda a minha cultura é portuguesa, por isso senti que estava apto a escrever», disse Arena.
Para Joaquim Arena, «o Romance ainda pode ser a janela de entrada para as comunidades», onde há diferentes «filões literários» a explorar, como o do universo dos retornados, já abordado em A Verdade de Chindo Luz, e também o dos jovens descendentes de africanos, que nos bairros sociais de periferia das grandes cidades «não se sentem portugueses nem cabo-verdianos».
Para Paulo Bandeira Faria, autor de As Sete Estradinhas de Catete (Quidnovi), África «não é mágoa», nem «exotismo ou saudosismo» mas apenas um conjunto de circunstâncias para alguém que passou parte da infância em Angola.
«Escrevi um livro sobre um triângulo amoroso, não sobre África, e a única razão porque coloquei a acção em África foi porque me pareceu interessante fazer o paralelismo entre o ruir de uma família e o ruir de um império. Não me sinto culpado de nada, tive uma passagem por África até bastante divertida», afirmou o escritor.
A este comentário, Margarida Paredes, investigadora do Centro de Estudos Africanos da Faculdade de Letras, respondeu na assistência, confessando sentir dificuldades em lidar com o passado colonial, particularmente em relação à escravatura, algo que os três oradores afirmaram não partilhar.
«Interessa-me abordar a temática que escolho sem fazer julgamentos de valores. Não olhar para trás, mas para a frente, denunciando preconceitos e coisas que me irritam, como o racismo», retorquiu Bandeira Faria.
«Os africanos que querem ter uma opinião sobre a matéria devem erradicar a escravatura que ainda existe em África. São inteligentes e maiores de idade. Devem viver e desenvolver a sua história. A mim interessam-me mais questões da actualidade. Interessa-me mais perceber porque é que há escravatura na Costa do Marfim, por exemplo», adiantou.
Para o escritor timorense Luís Cardoso, a questão da «culpa» é frequentemente «uma forma de políticos que estão à frente dos seus respectivos países se descartarem das suas responsabilidades e das suas impotências».
«É fácil [em Timor-Leste] dizer que a culpa é dos portugueses ou dos indonésios, atribuir as situações a um passado longínquo, em vez de as resolvermos», afirmou o autor do recente Requiem para o Navegador Solitário, publicado pela Dom Quixote.
Cardoso confessou-se ainda incomodado com «as mistificações» existentes em Portugal sobre o «maravilhoso» de Timor-Leste, que tornam «difícil» discutir as questões do país asiático.
«Não me sinto depositário do afecto que têm por Timor. Toda a minha escrita é uma outra coisa. Tento fazer desmistificação de tudo isso», afirmou Cardoso.
Livia Apa, professora universitária italiana convidada para moderar o debate na Casa Fernando Pessoa, evocou o romance Equador de Miguel Sousa Tavares como exemplo de uma «grande tentativa de reconciliação com a História e redenção pós-colonial com o passado», sintomático de um período em que no campo literário «se tenta criar uma ideia moderna de Portugalidade», depois do «trauma» das independências.
Esta tendência literária, afirmou, é «importante para a reflexão do Portugal contemporâneo», que, segundo afirmava Eduardo Lourenço, perdeu com a descolonização «o âmago do seu âmago».
quinta-feira, janeiro 24, 2008
Nova geração de escritores quer pôr de lado «mistificações» em relação ao passado
Por Malai Azul 2 à(s) 04:48
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Traduções
Todas as traduções de inglês para português (e também de francês para português) são feitas pela Margarida, que conhecemos recentemente, mas que desde sempre nos ajuda.
Obrigado pela solidariedade, Margarida!
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Mensagem inicial - 16 de Maio de 2006
"Apesar de frágil, Timor-Leste é uma jovem democracia em que acreditamos. É o país que escolhemos para viver e trabalhar. Desde dia 28 de Abril muito se tem dito sobre a situação em Timor-Leste. Boatos, rumores, alertas, declarações de países estrangeiros, inocentes ou não, têm servido para transmitir um clima de conflito e insegurança que não corresponde ao que vivemos. Vamos tentar transmitir o que se passa aqui. Não o que ouvimos dizer... "
1 comentário:
É interessante este tipo de iniciativa, porque permite trocar experiências e, sobretudo, conhecer o outro lado dos escritores, a sua motivação para além da escrita.
Quero saudar Luís Cardoso e desejar a continuação da sua promissora carreira literária. Timor bem precisa de novos valores como ele.
Não concordo que o Portugal contemporâneo tenha perdido o âmago. Antes é um Portugal novo, renovado, que se liberta do espartilho europeu que aperta as suas actuais fronteiras políticas, para se rever e prolongar na infinita e incomensurável riqueza da diversidade dos nossos povos irmãos.
Para mim, é neste grande espaço que está o futuro e é com mágoa que vejo muitos portugueses imitarem os tiques americanos ou a assepsia europeia do Norte. Aprender, sim. Imitar, não.
A este grande espaço não sei que nome hei-de dar. Não gosto de "lusofonia", pois a Lusitânia não tem nada que ver com a língua portuguesa. Quando muito seria "galegofonia", pois é na Galiza que está o berço da nossa língua.
No entanto, este grande espaço é muito mais do que uma língua comum, se bem que esta seja das mais faladas em todo o mundo. Neste grande espaço até cabem muitas outras línguas para além da portuguesa.
Mas os nomes ou rótulos não me interessam e prefiro pensar nesse grande espaço como aquela "knua" onde gostamos de estar e aonde gostamos sempre de regressar, mesmo depois de andar pelo mundo (sentimento muito bem retratado num poema do meu amigo Alex Tilman).
Tal como o nome que se poderá dar a esse espaço, também não me preocupa se ele é formado por um único país ou vários. Isso são meras questões políticas, resolvidas de acordo com os interesses ou a vontade de cada Estado ou povo.
Gostava que pudéssemos ser um só país, timorenses, portugueses, caboverdianos, etc. Mas não no sentido imperialista ou de supremacia de algum sobre os outros. Antes no sentido de irmandade e convivência.
Para mim não faz sentido, por exemplo, termos que pedir um visto para visitar os outros.
Claro que Cabo Verde poderia ser a Martinica portuguesa. Isso até lhe traria grandes vantagens e benesses da União Europeia.
Mas não vale a pena especular, pois a História seguiu o seu rumo e as coisas são como são.
O que importa é pensarmos que somos livres e podemos ser quem quisermos, sem complexos, independentemente dos ditames da política e das fronteiras físicas.
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