Lusa - 03 Junho 2007 17:48
Díli, Pedro Rosa Mendes, da Agência Lusa - Há uma multidão à espera "do presidente" em Makadiki, na costa sul, suspensa da rota descendente dos dirigentes da FRETILIN no mapa, porque são raros os sítios com cobertura de telemóvel fora das capitais de distrito.
Em Makadiki, distrito de Viqueque, não há rede e as informações do avanço dos dirigentes chegam, por boca e em mão, pela guarda-avançada da campanha da FRETILIN.
São anúncios trazidos pela estrada que divide o mapa de Timor-Leste em ocidente e oriente, do Taci Fetu ("Mar Mulher", a norte) ao Taci Mane ("Mar Homem", costa sul), no coração da militância do partido maioritário.
"Saíram de Ossú", informa alguém, "saíram de Viqueque", ouve-se mais tarde e, depois disso, é a longa espera, "mais meia hora", diz um deputado nervoso durante várias meias horas, sorrindo, "o presidente não tarda".
A noite instala-se já quando o som de viaturas e sirenes põe Makadiki em histeria, "é ele! é ele! é o presidente!", a multidão precipita-se para a estrada que chega de oeste, há um barulho de buzinas, gritos, palmas, megafones, "segurança atenção! segurança atenção! segurança atenção!", os carros e camiões avançam lentamente, à velocidade dos guardas pedestres que, com camisas da FRETILIN, fazem um cordão de cada lado da estrada.
É a apoteose: "Lu-O-lo! Lu-O-lo! Lu-O-lo! Lu-O-lo!". O presidente que a multidão recebe em delírio é Francisco Guterres "Lu Olo", que, na manhã seguinte, lançou oficialmente em Makadiki a campanha para as legislativas de 30 de Junho.
"Lu Olo" é presidente da FRETILIN. Falhou ser Presidente da República, a 09 de Maio, perdendo as eleições para José Ramos-Horta.
"No plano pessoal, uma derrota é não conseguir a cadeira, é não vencer a cadeira do Presidente da República", afirma mais tarde "Lu Olo" à Lusa, na varanda da casa do administrador de Makadiki, onde ele e o secretário-geral da FRETILIN, Mari Alkatiri, passarão a noite.
"No plano político, a FRETILIN não tem que perder com tudo isso. Continuamos a batalhar para as parlamentares. Estou seguro, seguríssimo, que teremos maior margem para obtermos assentos" no Parlamento, afirmou "Lu Olo" à Lusa.
"Não perdemos completamente. Tivemos apenas um revés mas não perdemos completamente a batalha", acrescentou o presidente da FRETILIN.
"Lu Olo" está descontraído na sua figura pequena, com uma leveza acentuada pelo seu pólo branco, apertado num cinto discreto de cabedal. Mari Alkatiri e outros quadros da FRETILIN descansam, cumprimentam-se e conferenciam na sala atrás. Há uma euforia no ar, que o cansaço da estrada apenas acentua.
Díli, visto de Makadiki, é uma miragem a doze horas de autocarro ou sete horas de jipe. Díli fica, talvez, num outro país. Ou é Makadiki que vive outro tempo: o das lutas do passado e os medos do presente.
"Não vou lá desde 2004", conta Alito, deitado numa esteira, sobre um estrado coberto por um telhado de colmo, onde vai passar a noite com parte da família.
Outros homens, noutros estrados, dormem fora de casa. Em Makadiki "não há mosquitos".
"Não vou lá desde 2004 porque tenho medo", continua Alito, um homem que vive das várzeas férteis da costa sul, como a maior parte da população.
O seu irmão e o seu sobrinho concordam. Também eles não vão à capital desde os incidentes de 2006. "Em Díli não gostam de nós. É uma cidade perigosa para os 'lorosae'", ou timorenses oriundos do leste.
A crise política e militar de 2006 rebentou num contexto de rivalidade entre "lorosae" e "loromonu", os timorenses dos distritos ocidentais.
Os resultados das recentes eleições presidenciais confirmam a divisão do país político: a FRETILIN ganhou nos três distritos do leste, Baucau, Lautem e, com mais do dobro de votos do adversário, em Viqueque, onde "Lu Olo" obteve a sua vitória mais expressiva.
Os dez distritos ocidentais foram ganhos, de forma dispersa, pela oposição.
"Aqui, no suco de Makadiki, tivemos cem por cento", comenta "Lu Olo". Um quadro local do partido adianta-se com os números exactos, esmagadores: 3084 votos para "Lu Olo", 36 para José Ramos-Horta.
Em Makadiki, como na sede do distrito ou em Ossú, a sua terra-natal, onde esperou por Mari Alkatiri, "Lu Olo" está entre os veteranos e os sobreviventes da luta de libertação.
"Vivi com eles, sofri com eles, lutei com eles nos primeiros anos da ocupação militar indonésia. Vi os filhos, os pais, as mães a morrer", diz o presidente da FRETILIN para explicar "a alegria misturada com emoção" da recepção apoteótica em Makadiki.
Muitos dos que, pouco depois, ouvirão os dirigentes da FRETILIN no primeiro "diálogo" de campanha estiveram com o jovem Francisco Guterres na retirada do Monte Matebian, na noite de 22 para 23 de Novembro de 1978, quando a montanha-base da resistência caiu e a população civil teve que ser deixada para trás.
"Lu Olo" refere uma das companhias em que esteve inicialmente no período das bases de apoio e onde "só de filhos desta terra aqui estavam 300 homens armados e 600 civis".
De Uatulari, a poucos quilómetros de Makadiki, "só duas secções sobreviveram até 1999, incluindo quatro mulheres, a senhora Saturnina. Caímos juntos numa emboscada dos indonésios em 1988", vai contando o presidente da FRETILIN.
"Ela está aqui nesta casa, hoje".
"Não há nenhuma família que não tenha perdido alguém e com quem eu não tenha partilhado a dor e o combate", acrescenta "Lu Olo".
É com esta intimidade que "Lu Olo" se lança com Mari Alkatiri no "diálogo" com o povo mais fiel da FRETILIN. Canta-se, de punho fechado em riste, o velho hino do partido, "Foho Ramelau", acompanhado ao sintetizador, numa batida de soldadinhos de chumbo.
"Lu Olo" e Alkatiri falam aos camaradas de desenvolvimento, de crescimento económico, de redução da pobreza, de infraestruturas, de rede escolar, "é preciso dar oportunidade a que o povo tenha acesso ao mercado", "atenção aos que querem vender o país aos estrangeiros!"
Qualquer promessa eleitoral soa redundante neste distrito, porque tudo parece estar por fazer.
A miséria é multiplicada pela distância. Makadiki fica num canto longínquo e, no entanto, fértil como poucos no país, com várzeas de arroz, de frutas, com florestas de teca e casuarinas, de campos com búfalos e cavalos.
Tudo, porém, parece faltar e pouco parece ter sido feito, com a excepção imponente das quatro pontes que estão a ser levantadas a leste de Uatulari, na área de Aliembata.
"Nós não queremos promessas", diz um eleitor da FRETILIN depois do comício da noite em Makadiki. "Só precisamos que o Governo nos faça uma estrada para o norte. Nós produzimos bom arroz aqui mas o Governo enche o mercado de arroz importado".
Para a parte sul do distrito de Viqueque, a nova luz nasce literalmente do chão: em Aliembata, passada a grande ribeira de Babui, já em suco Babulo, na estrada costeira para Iliomar, há uma nascente petrolífera no sopé da montanha, a céu aberto, a trinta metros do mar de coral.
Um projecto do Banco Mundial prevê o aproveitamento do petróleo "onshore" de Aliembata para alimentar a região em electricidade.
A crise de 2006 interrompeu a prospecção e as nascentes de Aliembata, durante décadas usadas pela população local, foram cimentadas "em Setembro ou Outubro" pela companhia estrangeira que fazia a prospecção.
O petróleo resta, portanto, uma miragem, tão próxima que se pode cheirar: as lamas espessas cheiram a gasóleo, um odor irreal no azul do banco de coral que acompanha a costa.
"Aliembata é a nossa grande esperança", diz um dos cinco polícias de Makadiki, Sebastião, que tem um irmão a estudar engenharia química na Índia.
Nas estradas de Viqueque, passa-se por muitas cruzes, etapas de vias-sacras erguidas à beira-caminho. Uma cruz deste género foi atirada para trás da mesquita de Uatulari em 1995, durante a ocupação indonésia, por muçulmanos de Sulawesi, conta o polícia Sebastião. Os católicos responderam, incendiando a mesquita.
"Apanharam seis responsáveis, entre os quais eu". Sebastião passou quatro anos numa cadeia indonésia. O passado anterior à independência é, no seu caso como no de muitos outros aqui, determinante nas escolhas do presente. No primeiro dia da campanha para as legislativas, 29 de Maio, Sebastião esteve no lançamento da campanha da FRETILIN - em trabalho ou em militância.
Muita gente caminhou horas até Makadiki, passando pelas cruzes da via-sacra. Em Viqueque, num país de muitos resistentes e de muitos católicos, a fé é imune ao calvário.
"Somos uma família política muito unida", resumiu "Lu Olo", tranquilo, antes do início de uma campanha crucial, onde a FRETILIN joga a cadeira do poder e os seus actuais dirigentes jogam a cadeira no partido.
PRM-Lusa/fim
terça-feira, junho 05, 2007
Timor-Leste/Eleições: Viqueque, o país intacto da FRETILIN
Por Malai Azul 2 à(s) 00:28
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Traduções
Todas as traduções de inglês para português (e também de francês para português) são feitas pela Margarida, que conhecemos recentemente, mas que desde sempre nos ajuda.
Obrigado pela solidariedade, Margarida!
Obrigado pela solidariedade, Margarida!
Mensagem inicial - 16 de Maio de 2006
"Apesar de frágil, Timor-Leste é uma jovem democracia em que acreditamos. É o país que escolhemos para viver e trabalhar. Desde dia 28 de Abril muito se tem dito sobre a situação em Timor-Leste. Boatos, rumores, alertas, declarações de países estrangeiros, inocentes ou não, têm servido para transmitir um clima de conflito e insegurança que não corresponde ao que vivemos. Vamos tentar transmitir o que se passa aqui. Não o que ouvimos dizer... "
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