quarta-feira, novembro 15, 2006

Amy Goodman reconta o massacre de Timor-Leste de há 15 anos

Tradução da Margarida.


Segunda-feira, Novembro 13, 2006

http://www.democracynow.org/article.pl?sid=06/11/13/1517231

Este fim-de-semana marcou o 15º aniversário do massacre no cemitério de Santa Cruz em Timor-Leste. Em 12 de Novembro de 1991, tropas Indonésias abriram fogo numa multidão de vários milhares de jovens desarmados civis Timorenses que se juntaram em Dili. Pelo menos 271 pessoas foram mortas. Os jornalistas Amy Goodman e Allan Nairn testemunharam e sobreviveram ao massacre. Juntamos um excerto do seu documentário premiado, "Massacre: A história de Timor-Leste." [inclui transcrições da hora]

O massacre foi um ponto de viragem na luta de Timor-Leste para a auto-determinação depois de décadas de ocupação brutal pela Indonésia. Pelo menos foi morta – um terço da população – desde que a Indonésia invadiu Timor em 7 de Dezembro de 1975.

Amy Goodman estava em Timor-Leste há quinze anos atrás com o jornalista Allan Nairn. Testemunharam e sobreviveram ao massacre. Este é um excerto do nosso documentário, "Massacre: a história de Timor-Leste".

"Massacre: a história de Timor-Leste"

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Para mais informações sobre o massacre, ver etan.org

TRANSCRIÇÃO RÁPIDA
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AMY GOODMAN: Estive em Timor-Leste há quinze anos atrás fez este fim-de-semana com o jornalista Allan Nairn,e este é um trecho do nosso documentário Massacre: A história de Timor-Leste.

AMY GOODMAN: E depois chegou a manhã de 12 de Novembro, a celebração quinze dias depois do funeral de Sebastião. Estavam planeados uma missa e uma procissão para depositar flores na campa de Sebastião. Depois da missa que se realizou em Moteal, as pessoas novas e velhas, vieram para a rua, e numa terra onde tinha sido proibido discursos e reuniões públicos desde há uma década, começaram a cantar. Os Timorenses ergueram depois faixas feitas com lençóis. Tinham-nas preparado para a delegação que nunca veio. As faixas pediam à Indonésia para sair de Timor-Leste e coisas como “Porque é que os militares Indonésios dispararam contra a nossa igreja?” Os Timorenses enfrentavam um conjunto de tropas que se esticavam por todo o comprimento de Dili. Foi o acto mais destemido de protesto público que Timor ocupado alguma vez vira.

ALLAN NAIRN: Mais e mais Timorenses juntavam-se à procissão. Vinham de casas e de escritórios ao longo do caminho. E havia a construção deste sentimento de regozijo e também de medo entre os Timorenses. E quando chegaram ao cemitério, a multidão tinha aumentado para talvez 5,000 pessoas. Algumas entraram para pôr flores na campa do Sebastião. A maioria da multidão estava ainda no exterior, e depois de repente, alguém olhou, e vimos que a marchar pela mesma rua por onde tinham vindo os Timorenses se aproximava uma grande coluna de tropas Indonésias, com uniformes castanhos, empunhando M-16s, a marchar num modo vagaroso e deliberado – centenas e centenas de tropas, a virem direitas aos Timorenses.

AMY GOODMAN: Allan sugeriu que fôssemos para a frente da multidão, entre os soldados e os Timorenses, porque apesar de sabermos que os militares tinham cometido muitos massacres, tínhamos esperança que nós, sendo jornalistas estrangeiros, pudéssemos servir de escudo para os Timorenses. Em pé, com telefones na cabeça, e câmaras e microfones à vista, fomos e ficámos no meio da estrada, a olhar de frente as tropas que se aproximavam. Por detrás de nós, a multidão acalmou-se quando alguns Timorenses tentaram dar meia volta, mas foram impedidos pelos muros do cemitério.

ALLAN NAIRN: Os soldados marcharam direitos a nós. Nunca perderam a sua cadência. Fomos envolvidos pelas tropas, e quando passaram alguns metros à frente, a cerca de doze jardas dos Timorenses, puseram as espingardas nos ombros todos ao mesmo tempo, e abriram fogo. Os Timorenses, num momento, estavam no chão, feridos pelas balas. A rua estava coberta de corpos, cheios de sangue. E os soldados continuavam a vir. Fluíam, uma fila após outra.. Saltavam por cima dos corpos que estavam no chão. Alvejavam e disparavam contra pessoas pelas costas. Pude ver os seus membros a despedaçarem-se, os seus corpos a explodirem. Havia sangue a esguichar no ar. O estampido das balas, por todo o lado. E isso era muito organizado, muito sistemático. Os soldados não paravam. Continuavam a disparar até mais ninguém restar de pé.

AMY GOODMAN: Um grupo de soldados agarrou o meu microfone e atirou-me ao chão, dando-me pontapés e socos. Nessa altura, o Allan atirou-se para cima de mim, protegendo-me de mais agressões. Os soldados usaram depois os canos das suas espingardas como tacos de baseball, batendo no Allan até lhe fracturarem o crânio. Quando estávamos sentados no chão, o Allan, coberto de sangue, um grupo de soldados alinhou e apontou as suas M-16s às nossas cabeças. Tinham-nos tirado todo o nosso equipamento. Nós só continuávamos a gritar, “Somos da América!” No fim, decidiram não nos executar.

ALLAN NAIRN: Os soldados bateram-nos, mas acabámos por ter um tratamento de privilégio. Ainda estávamos vivos. Continuaram a disparar contra os Timorenses. Conseguimos enfiar-nos num camião civil que passava, escondemo-nos, mas os Timorenses, que tinham estado connosco na Estrada para o cemitério, a maioria deles estavam mortos.

AMY GOODMAN: Dentro das paredes do cemitério, Max Stahl, um realizador de filmes a trabalhar para a Yorkshire TV, tinha tido a sua câmara a filmar.

MAX STAHL: Os soldados começaram nessa altura a rodear todo o cemitério. Vi os soldados quando gradualmente se começaram a mover para o centro, apanhando gente que estava ferida ou que se tinha refugiado entre as campas, e quando os apanhavam, batiam-lhes e juntavam-nos nas traseiras do cemitério. As pessoas eram despidas até à cintura. Tinham as suas mãos ligadas atrás das costas e eram obrigadas a olhar para o chão. E se levantavam os olhos, eram imediatamente batidas, geralmente com o cabo da espingarda.

AMY GOODMAN: Max Stahl estava a filmar perto de uma cripta no meio do cemitério. Alguns dos feridos e dos que estavam demasiado aterrorizados para fugir aconchegaram-se lá dentro a rezar. Enquanto Stahl filmava, enterrava as suas videocassettes numa campa nova. Depois foi preso pelas tropas.

MAX STAHL: Enquanto estava a ser interrogado, observei esses camiões a passarem com mais gente dentro deles. Essa gente estava claramente num estado de paralisia de medo. Não eram capazes de se mexerem. Alguns deles, pelo menos no cemitério e, na verdade, mesmo nos camiões, quando os vi a passar, quase que nem respiravam. As pessoas estavam tão aterrorizadas quanto isso. Muitas vezes é bastante difícil dizer se estavam vivas ou mortas.

AMY GOODMAN: Depois de nove horas em custódia, Stahl regressou ao cemitério a coberto da noite, desenterrou as suas videocassettes e depois passou-as clandestinamente para fora do país. Allan Nairn e eu conseguimos sair de Timor-Leste algumas horas depois do massacre. De um hospital em Guam, relatámos o que se tinha acontecido a dúzias de jornais, rádios e televisões de todo o mundo.

RELATO DA PACIFICA: De Washington, este é o relato da Pacifica de Terça-feira, 12 de Novembro de 1991. Um massacre em Timor-Leste. Entre os feridos estão dois jornalistas, incluindo o editor de notícias duma estação da Pacifica WBAI em Nova Iorque.

AMY GOODMAN: Bateram-me e arrastaram-me e começaram a espancar-me com canos de espingardas, e pontapés e socos, e depois o Allan saltou para cima de mim, e bateram-lhe muito. Mas isso foi o mínimo que fizeram. Abriram fogo contra as pessoas, e estas eram na verdade pessoas sem defesa --

MONTAGEM DA WORLD NEWS FOOTAGE: Quando as tropas Indonésias abriram fogo contra uma multidão – Esta é a CBC Radio – O massacre duma centena de Timorenses desarmados por militares Indonésios – Fotos do massacre sangrento durante a luta pela liberdade – Esta é a CBS Evening News.

AMY GOODMAN: Face à história do massacre, mesmo os aliados de longa data de Suharto foram obrigados a condenar os assassinatos e ficaram sob pressão pública para cortarem a sua ajuda à Indonésia. Na Austrália, grandes multidões marcharam para o Capitol e cercaram os consulados locais da Indonésia. O Parlamento Europeu votou sanções contra a Indonésia, e a Comunidade Europeia mais tarde cancelou um acordo de comércio. Houve protestos públicos no interior da Indonésia, onde estudantes que se manifestavam foram agredidos e presos. Nos USA a administração Bush continuou a enviar armas para a Indonésia.

SECRETÁRIO DE IMPRENSA: Senhoras e senhores, o Presidente dos Estados Unidos.

AMY GOODMAN: A única vez que o Presidente Bush mencionou Timor-Leste publicamente foi meses depois do massacre, quando foi interrogado sobre isso por um jornalista Português.

PRESIDENTE GEORGE H.W. BUSH: Tem havido muita discussão em curso, sobre a tragédia em Timor-Leste. Nós próprios nos expressámos em termos simplesmente da
parte dos direitos humanos. Nós orgulhamo-nos, e eu penso que com razão, em defendermos os direitos humanos, e eu penso que tornámos claro às partes interessadas a posição dos USA. Não sei o que resultará, francamente.

AMY GOODMAN: Essa posição: exigir um aumento de ajuda em treino militar dos USA. É chamado IMET, Treino Internacional Militar e Educação. Mais de 2,600 oficiais Indonésios foram treinados sob o IMET desde 1975. Incluíram os que planearam a invasão e administraram a política de assassinatos em massa.

Imediatamente depois do massacre, o General Try Soetrisno, o comandante nacional das forças armadas da Indonésia, fez um discurso num ajuntamento militar. Disse que os Timorenses que se atreverem a opor às forças armadas Indonésias, “Devem ser baleados,” acrescentando “e iremos baleá-los.”

Ouvir os políticos é algo que José Ramos-Horta tem feito desde há 17 anos. Deixou Timor-Leste com 25 anos de idade, imediatamente antes da Indonésia ter invadido. Foi enviado para a ONU para defender o caso de Timo-Leste. Ao passo que Ramos-Horta saiu vivo de Timor-Leste, muita da sua família foi morta.

JOSÉ RAMOS-HORTA: Perdi uma irmã e dois irmãos. A irmão, tinha 17 anos e foi morta ao lado doutros 20 garotos. Dois aviões Bronco sobrevoavam a aldeia e fizeram explodir a escola e 20 garotos que estavam lá. Um irmão foi morto quando foi apanhado. A um outro, não sabemos exactamente o que aconteceu, mas desapareceu no decurso de um assalto por uma helicóptero na minha aldeia, onde estava.

Mas como eu, há muitas, muitas outras famílias, e, de facto, algumas estão ainda piores. Conheço famílias que foram totalmente limpas, famílias que conheci, com quem cresci, já não existem. Conheço aldeias, onde passei toda a minhas juventude, e quando pergunto por sobreviventes, dizem-me que a aldeia já não existe mais. Não está no mapa.

Então, é esta a escala da tragédia que foi imposta a Timor-Leste com a cumplicidade dos USA.

AMY GOODMAN: Como é que mantém a sua esperança? Tem estado há 17 anos for a do país. Tem sido o representante de Timor-Leste na ONU há mais de uma década. O que é que lhe dá alguma esperança?

JOSÉ RAMOS-HORTA: Bem, nos últimos 17 anos tenho-me engajado na luta diplomática, também testemunhei, todos nós testemunhámos, impérios a ruírem. Ninguém pensava ser possível há cinco anos, dez anos, que a União Soviética se desintegrasse em Estados independentes ou a Jugoslávia ou o Muro de Berlim, a democratização na África e em todo o lado. E acontecerá o mesmo à Indonésia. É – não consegue escapar ao comboio da democracia. Mas à parte disso, a resistência em Timor-Leste continua em todos os níveis: resistência armada, uma, mas também cultural, religiosa – todo o povo está mobilizado. E estamos muito confiantes. Posso declarar categoricamente, que nos próximos três-cinco anos, seis anos, talvez um pouco mais, Timor-Leste vai estar independente.

AMY GOODMAN: Um extracto do documentário, Massacre: A história de Timor-Leste.

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1 comentário:

Anónimo disse...

Lamentável que nesta tão realista descrição dos tremendos crimes que os indonésios cometeram a sangue-frio contra os patriotas Timenenses - a quem rendo sentida homenagem - que a Amy Goodman tenha metido o Horta. É que cinco anos depois de Timor-Leste ter adquirido a sua total independência ele mantém privilégios conseguindo "escapar ao comboio da democracia", isto é, conseguindo NUNCA ter ido a votos.

Traduções

Todas as traduções de inglês para português (e também de francês para português) são feitas pela Margarida, que conhecemos recentemente, mas que desde sempre nos ajuda.

Obrigado pela solidariedade, Margarida!

Mensagem inicial - 16 de Maio de 2006

"Apesar de frágil, Timor-Leste é uma jovem democracia em que acreditamos. É o país que escolhemos para viver e trabalhar. Desde dia 28 de Abril muito se tem dito sobre a situação em Timor-Leste. Boatos, rumores, alertas, declarações de países estrangeiros, inocentes ou não, têm servido para transmitir um clima de conflito e insegurança que não corresponde ao que vivemos. Vamos tentar transmitir o que se passa aqui. Não o que ouvimos dizer... "
 

Malai Azul. Lives in East Timor/Dili, speaks Portuguese and English.
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