quarta-feira, julho 19, 2006

Demasiados homens com demasiadas armas - Tradução da Margarida

Por Carmela Baranowska

Foi tarde, na noite de Quinta-feira, 25 de Maio quando os faróis iluminaram os vidros manchados da janela onde nos escondíamos. Abrigava-me com 15 dos meus vizinhos em Caicoli, um dos subúrbios do interior de Dili. A luz fez a cara das pessoas brilhar, principalmente em interrogação e num pequeno assomo de esperança.

Podíamos ouvir tiros de pistola à distância – um polícia e um soldado Timorenses tentavam matar-se um ao outro. Tudo o que os meus vizinhos queriam saber era quando chegavam as tropas Australianas. Alguns rezavam. Outros falavam constantemente nos seus telemóveis. Outros conseguiam dormir.

Tínhamos estado escondidos nas nossas casas durante seis horas de quase continuo tiroteio nas ruas próximas. Mesmo o Gabinete do Presidente Xanana Gusmão tinha sido atacado.

'Se as tropas Australianas não chegarem depressa, haverá uma Guerra civil,' Anunciei naquela noite na SBS News. Às 12:43am Constância, uma amiga próxima, tinha recebido um telefonema do irmão, Manuel Amaral, um polícia Timorense que se tinha enfiado na esquadra principal em Dili. 'As F-FDTL (Forças de Defesa de Timor-Leste) disparam contra nós,' dissera, 'por favor assegurem-se que a minha mulher e filhas serão apoiadas.'

Foi a última conversa que Manuel teria com a sua irmã – foi um dos oito policias desarmados acompanhados por observadores da ONU que foram mortos a tiro por uma força conjunta da F-FDTL, polícias e grupo civil algumas horas mais tarde.

Previu ele a sua própria morte – este polícia que vivia no nosso bloco residencial, que amava os seus filhos e era adorado pela sua mulher Batak, Ari, que tinha vindo de Jakarta para viver com ele num Timor-Leste independente?

Manuel tinha sido um invulgar polícia ex-Indonésio. Lembro-me dele sentado na nossa varanda da frente, tendo longas conversas com o representante do Free Aceh Movement, escondido em Dili – um homem e um movimento que Manuel tinha ajudado quando esteve estacionado em Aceh.

A força da polícia sofria de hemorragia há dias. Já não havia uma estrutura de comando. A policia tinha sido desarmada, ou tinha-se amotinado. Tinham-se juntado, tanto física como moralmente, aos soldados 591 das Forças de Defesa que tinham causado a crise ao queixarem-se de pobre liderança militar e de discriminação.

Quando as F-FDTL perceberam o que estava a acontecer chamaram 100 policias, a maioria do Leste, para se juntarem a elas. Havia o dobro de policias e de militares em Dili. A maioria dos polícias são do Oeste. Os restantes militares e líderes são do Leste. Eram demasiados homens e tinham demasiadas armas.

'São os do Leste que têm as armas nós do Oeste só temos pedras,' era um slogan que ouvi repetidas vezes nos dias de pilhagens e de incêndios que coincidiram com o início das operações das tropas estrangeiras em 26 de Maio.

Dois dias depois dos ataques à esquadra de polícia, testemunhei um gang de jovens do Oeste a tentarem entrar num convento onde três homens do Leste, incluindo um polícia, Estavam abrigados. E uma semana mais tarde, um jovem estudante de Baucau cujos familiares eram da F-FDTL foi obrigado a fugir e a sua casa foi queimada até aos alicerces..

Parecia que toda a gente tinha sido atingida por uma febre cujo sintoma principal era a irracionalidade. Tentei encontrar gente do Leste ou do Oeste que automaticamente não apoiassem os seus compatriotas do Leste ou do Oeste. Foi uma tarefa impossível.

As F-FDTL não ajudaram quando alegadamente entregaram 200 espingardas (estas foram alegadamente contabilizadas e devolvidas, de acordo com fontes). Houve também alegações que a Armaria da Polícia foi esvaziada de armas – para serem usadas contra gente do Leste, de acordo com dois policias com ar assustado que se esconderam na base das F-FDTL em Metinaro (a maioria destas armas nem foi contabilizada, nem devolvida).

Quem é que distribuiu as armas aos civis? Quem é que atacou a esquadra da polícia? Foram os militares atacados primeiro? Porque é que estavam os militares na cidade em primeiro lugar? Quantas armas podia uma força de polícia ter – policiando uma população de menos de um milhão de pessoas?

As coisas eram complicadas. Os chamados eventos 'espontâneos' tinham sido planeados. Há evidência credível que policias amotinados coordenaram pilhagens e que transportaram gente do Leste a viver em Dili de regresso para o Leste.

E há perguntas sobre quem estava na liderança (politica, militar e policial) sabiam do quê e quando. E questões sobre as informações dos serviços de informações que tinham, e de quem lhas fez chegar.

Membros da oposição politica o Partido Democrático (PD) e a União Democrática Timorense (UDT) estiveram envolvidos profundamente na organização das manifestações contra o então Primeiro-Ministro, Marí Alkatiri, depois da chegada das tropas estrangeiras. Um membro de topo do PD disse-me bastante abertamente que tinha estado com um dos líderes 'rebeldes', Major Alfredo Reinado, durante o mês passado. Foi-me também revelado que soldados rebeldes (os chamados 'peticionários'), oficiais da polícia e membros da oposição tinham conversas telefónicas diárias. Isto era ou manobra política esperta ou uma conspiração, dependendo do seu barómetro ideológico.

Alkatiri percebeu que acontecera um golpe. Era uma justificação clara para as acções dos leais das F-FDTL – que argumentavam que, de Abril a Maio, eles defenderam a Constituição. 'Estiveram só a fazer o seu trabalho,' de acordo com o Major Kogliati, um caso raro de um oficial do Oeste que não se amotinara e com quem falei na base da F-FDTL em Tasi Tolu.

Precisamos de fazer algumas perguntas sérias – à ONU, USA e Austrália – sobre a razão porque é que votaram pela retirada dos capacetes azuis internacionais no ano passado, numa altura em que já apareciam brechas nas forças de segurança de Timor-Leste.

De acordo com observadores de Timor-Leste, em 2003, oficiais das F-FDTL tanto do Leste como do Oeste tinham conspirado para organizar um golpe contra Alkatiri. Isso foi interrompido pelo movimento peticionário. No mesmo ano, a força da polícia tinha-se dividido entre a Polisi Nationalista – um movimento reformista que tentou purgar da força os que tinham servido na polícia Indonésia – e os que tinham trabalhado na anterior estrutura de comando Indonésio.

De volta a Dili em Maio e Junho de 2006, o moinho de rumores na cidade entrou em alta rotação. Cada um tinha uma história para contar. Mas os factos permanecem escuros.

Havia duas teorias de golpe interessantes: ou que o golpe tinha sido organizado por Alkatiri para reter o poder; ou que Gusmão e o então Ministro dos Estrangeiros José Ramos Horta eram parte duma conspiração Australiana-USA.

Outros apenas suspiravam –Timor-Leste tinha tantos problemas internos sérios que levavam à crise, que a menção de um golpe era risível.

No final de Maio, não havia resposta para a crise da liderança Timorense. Perguntava-me se era incompetência ou de propósito. Gusmão foi amplamente condenado por inflamar as divisões Leste-Oeste mas, no fim, todos se viraram para ele.

Quando Ramos Horta atacou o terreno a correr, encontrando-se com toda a gente afectada pela crise, a sua popularidade e poder cresceu. Mas houve também murmúrios escuros vindos do campo de Alkatiri que nos últimos seis meses Ramos Horta tinha mudado a sua opinião sobre o negócio do petróleo e do gás com a Austrália – que ele tinha-se mudado e aproximado significativamente da posição de Alexander Downer. Ele podia fazer acordos, enquanto Alkatiri se mantinha arrogante (ou será resoluto?).

Em seis semanas, vi Alkatiri passer de 'líder forte' a 'terrorista.' Tentou aguentar-se, o que foi ou admirável ou louco, dependendo da política de cada um. O povo pode tê-lo admirado mas ele não era nenhum Nasser ou Mossadegh. 'Os nossos líderes podem ser maus,' disse-me uma mulher dos distritos, 'mas a Fretilin ainda é sagrada.' E a ironia é que a Fretilin ainda vencerá uma eleição à vontade.

O chamado esquadrão da morte de Alkatiri (comandado por Rai Los) parece ser um falhanço e a cronologia do seu movimento e armamento é risível para quem tenha um conhecimento mínimo das pessoas e dos lugares mencionados – apesar da imagem do antigo Ministro do Interior Rogério Lobato aparecer como uma espécie de arquétipo de vilão. Mas o medo era muito real. E houve membros dissidentes da Fretilin que recearam pelas suas vidas.

Em Dili, parecia Março e Abril de 1999 outra vez. Trabalhadores das ONG’s e membros do PD mudavam-se de casa para casa à noite, com medo de serem assassinados. Tínhamos que nos reunir em locais inconspícuos e pô-los em quartos de hotéis à noite. Na manhã seguinte saíam antes do pequeno almoço, para prevenir que alguém os topasse.

Depois de algumas semanas isto parou – mas então começou o tiroteio durante a noite.

Nas últimas três noites fiquei em Caicoli, o tiroteio cresceu mais próximo. Depois da primeira noite, o meu vizinho Senhor Constantino, um polícia com ar duro que já não tem emprego, disse-me que estava pronto para outra fuga. Outros vizinhos, que notavelmente se mantiveram durante Maio, Junho e Julho, disseram-me que à noite não tinham ouvido nada porque estiveram a ouvir música na rádio.

Quanto ao resto de Dili – mais de 100,000 simplesmente não conseguem aguentar a tensão e continuam a dormir em tendas nos campos – sob os olhos observadores dos soldados Australianos.

A colaboradora da GNN, Carmela Baranowska, é uma jornalista e realizadora de filmes e que ganhou um prémio Walkley. Foi a única jornalista Australiana que residiu continuamente em Dili durante Maio – Julho de 2006. Fez reportagens para a SBS, ABC Radio e Radio Netherlands. Carmela trabalha actualmente na post-producção de Welcome to Independence, um documentário que cobre os anos 2001-6 em Timor-Leste. Scenes from an Occupation (2000) cobriu os últimos seis meses da Ocupação Indonésia de Timor-Leste. Taliban Country (2004) cobriu as operações dos Marines dos USA no Centro Sul do Afganistão.

9 comentários:

Anónimo disse...

O titulo devia ser:

MUITOS MACACOS ARMADOS AO PINGARELHO

Anónimo disse...

Timor-Leste: Bloco de Esquerda apela ao fim da missão da GNR


Lisboa, 19 Jul (Lusa) - O Bloco de Esquerda (BE) apelou hoje ao fim da missão da GNR em Timor-Leste, considerando que esta força não deve envolver-se "nas lutas políticas internas" do país e que a missão que determinou a sua presença "está esgotada".

"A inexistência de violência contra as populações nas últimas semanas indica que os problemas de segurança estão provisoriamente contidos. A missão deve, portanto, terminar", refere o BE, em comunicado, defendendo que a segurança dos portugueses no território deve ser assegurada pelos elementos do Grupo de Operações Especiais (GOE) que se encontram ao serviço da embaixada.

Por outro lado, o Bloco considera que a GNR não deve envolver- se nas querelas internas nem caucionar, com a sua presença, "o nascimento de um novo protectorado".

"É forçoso constatar que a condição institucional da missão se encontra prejudicada, dada a clarificação política entretanto operada em Timor-Leste", sublinha o Bloco, considerando que a recente tomada de posse do Governo presidido por Ramos Horta "consuma, no plano político, a relação de forças criada pela presença militar australiana no terreno".

Para o BE, "a Austrália foi um factor decisivo desta crise", defendendo que este país "se empenhou na substituição do governo Alkatiri" por motivos económicos.

"[A Austrália] atacou o governo da Fretilin porque este, independentemente de erros e das dificuldades que tenha sofrido, teve a coragem de resistir aos contratos petrolíferos leoninos que logo depois da independência beneficiaram a Austrália", destaca o BE.

O Bloco, único partido político nacional a expressar reservas ao envio da GNR para Timor, defende que o governo português deve "ampliar empenhadamente o apoio ao desenvolvimento de Timor".

"Essa cooperação deve orientar-se para o apoio aos serviços que melhorem as condições de vida das populações, a sua formação e autonomia e deve garantir toda a colaboração que seja útil para a realização das futuras eleições", precisa o BE, sublinhando que a colaboração do Estado português deve visar a criação de condições económicas e sociais "para a autonomia, independência e soberania de Timor".

A crise em Timor-Leste, que começou em Fevereiro com a deserção de um terço das forças armadas por alegada discriminação da hierarquia, levou à desintegração das forças de defesa e de segurança, à entrada de forças militares e policiais estrangeiras a pedido das autoridades de Díli e a uma profunda crise política que opôs o Presidente, Xanana Gusmão, ao primeiro-ministro, Mari Alkatiri, entretanto demitido e substituído por José Ramos Horta.

Chegados a Timor-Leste a 04 de Junho, no âmbito do pedido das autoridades timorenses à Austrália, Malásia, Nova Zelândia e Portugal para o rápido envio de militares e policias, os efectivos da GNR registaram até agora mais de cem patrulhas e dezenas de acções de reconhecimento/vigilância.

SMA.

Lusa/Fim

Anónimo disse...

Eles a dar-lhe e a burra a fugir! "BE = Bando de Estúpidos"!

Anónimo disse...

Estes gaijos do Bloco de Esquerda deviam informar-se sobre o que se passa em Timor e deixarem de ter como preocupação única o ataque puro e duro ao governo.
Até parecem um partido da oposição timorense.

Estes gaijos até já foram uns gaijos informados porra!

Anónimo disse...

Será que a Senhora não quer trabalhar para a Lusa em Timor?

Anónimo disse...

O jornalismo actual é tão decadente e medíocre que esta notícia me parece um oásis.

Até me apetece dizer que embora pese o facto de estar em extinção

VIVA O JORNALISMO INDEPENDENTE!

Anónimo disse...

OBRIGADO BARAK MALAI AZUL

Por nos permitires ter acesso à informação de qualidade e ao debate de ideias.

Já muito se escreveu e argumentou sobre a importância do bloguismo no jornalismo.

http://www.timor-online.blogspot.com

É um exemplo dessa importância.

Anónimo disse...

You can make a lot of comments here is this blog but it will not change anything of what will be happen today during the hearing and what people is thinking about Mari and his Cronies. It's a fact here in East Timor. So Let'ts wait and see the result.

Anónimo disse...

I'm anonimous of 10:58:54 e gostaria de acresentar/esclarecer que o Mari perdeu a fama dum lidere e ganhou a fama dum criminoso embora ainda esta a ser julgado.

Traduções

Todas as traduções de inglês para português (e também de francês para português) são feitas pela Margarida, que conhecemos recentemente, mas que desde sempre nos ajuda.

Obrigado pela solidariedade, Margarida!

Mensagem inicial - 16 de Maio de 2006

"Apesar de frágil, Timor-Leste é uma jovem democracia em que acreditamos. É o país que escolhemos para viver e trabalhar. Desde dia 28 de Abril muito se tem dito sobre a situação em Timor-Leste. Boatos, rumores, alertas, declarações de países estrangeiros, inocentes ou não, têm servido para transmitir um clima de conflito e insegurança que não corresponde ao que vivemos. Vamos tentar transmitir o que se passa aqui. Não o que ouvimos dizer... "
 

Malai Azul. Lives in East Timor/Dili, speaks Portuguese and English.
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