quarta-feira, maio 17, 2006

Para descansarem um pouco aqui vai o primeiro post do Kona Ba Liu Liu

Quarta-feira, Julho 02, 2003

Queridos malais, liurais e coisas tais...

A tarde cai lentamente por entre o nevoeiro. Ou então é o fumo das queimadas. Aproveito os últimos 20 minutos de energia eléctrica e escrevo, encostado ao coqueiro alto, protegido por um plástico azul deslavado do ACNUR.

Uma mancha vermelha de betel bem mascado – só tenho Malboros quando suborno um ou dois guardas fronteiriços e passeio até Timor Ocidental – cai-me no teclado, destruindo o branco de duas das letras.

Estive para ignorar a escrita e aproveitar os 20 minutos de energia para ver um bocado da Praça de Alegria – ainda hoje agradeço aos senhores da missão portuguesa e ao senhor padre, de cabelinho branco, que me trouxe cá a antena ao cimo deste monte. Vinha montado num carro de bombeiros. Estava tudo muito lindo, com sirenes e tudo.

A Praça da Alegria ajuda-me a falar cada vez melhor português. Já sei dizer que “a menina Sónia é muito boa”...

Estou hoje mais cansado do que o costume. Passei a manhã toda, com um vizinho meu que trabalha para as alfândegas, a cortar sândalo para enviar para uma lojeca qualquer em Díli. Ele deita é muito fora, está sempre a por a maioria do que cortamos para um camião que diz que vai depois despejar na lixeira. Acho um desperdício. Podíamos ganhar pelo menos mais um ou dois dólares.

Aqui a vida está difícil. É um trabalhão, todos os meses, ter que descer até Díli para ir buscar a minha pensão portuguesa ao BNU. É mesmo uma atitude colonialista, ficar ali sentado e nós é que lá temos que ir buscar a massa.

Felizmente que já tenho oito dos meus 13 filhos na Escola Portuguesa. Vão ser a elite de Timor. Pelo menos foi assim que me disseram. Além disso não tinha dinheiro para os meter nas escolas da Igreja. Entre pecadores e pobres, escolhi pecadores. Não sei é o que vou fazer com os mais velhos. Acho que a escola portuguesa só está a pensar ter os últimos cinco anos de escolaridade lá para 2008, para coincidir com o arranque das obras da nova embaixada e com a conclusão do monumento da independência.

Ando triste é com a política. Afinal, andei eu aqui este tempo todo a trabalhar como agente duplo – desculpem mas todos temos que fazer pela vida – e agora nem um tacho no governo. Dizem-me que é por eu ser integracionista. Sinceramente. Eu mudei de ideias, agora sou a favor da independência. Não sabem perdoar?

Recebi hoje uma visita de três senhores da ONU que querem aqui organizar um seminário de quatro dias para avaliar o impacto do corte dos coqueiros na vida dos papagaios. Acho que vêm uns senhores do estrangeiro. Queriam saber se tínhamos condições para servir jantar para 830 pessoas. Já mandei matar um porco.

Faltam poucos minutos para que cortem a luz.

Resta-me tempo para pensar no que vou fazer amanhã. Estava a pensar criar um grupo de ex-combatentes. Desisti da universidade e da ONG porque era mais difícil. Já comprei as catanas e a gasolina para o que der e vier.

Agora só me resta... merda, acabou a luz.

Kona ba, liu liu

3 comentários:

Anónimo disse...

Como li aqui no blog que tem filhos na escola Portuguesa, se me poder ajudar gostaria de saber se a escola tem necessidade de receber livros em Portugues. Já saí da escola à uns 10 anos, mas a lingua não mudou e se a escola tiver falta. Poderia colocar aqui o contacto da escola?
Obrigado

Anónimo disse...

Pelos vistos saiu da escola HÁ 10 anos, mas precisava de lá voltar...

Anónimo disse...

HÁ gente que se preocupa mais com os erros dos outros do que em ajudar quem precisa.

Traduções

Todas as traduções de inglês para português (e também de francês para português) são feitas pela Margarida, que conhecemos recentemente, mas que desde sempre nos ajuda.

Obrigado pela solidariedade, Margarida!

Mensagem inicial - 16 de Maio de 2006

"Apesar de frágil, Timor-Leste é uma jovem democracia em que acreditamos. É o país que escolhemos para viver e trabalhar. Desde dia 28 de Abril muito se tem dito sobre a situação em Timor-Leste. Boatos, rumores, alertas, declarações de países estrangeiros, inocentes ou não, têm servido para transmitir um clima de conflito e insegurança que não corresponde ao que vivemos. Vamos tentar transmitir o que se passa aqui. Não o que ouvimos dizer... "
 

Malai Azul. Lives in East Timor/Dili, speaks Portuguese and English.
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