Blog Timor Lorosae Nação - Sexta-feira, 26 de Outubro de 2007
A Austrália em Timor Lorosae
Martinho Júnior
“A violência, que continuou a correr mesmo com a presença das tropas australianas, na sua ausência, conforme a sua eclosão e a sua expansão no ano passado, levaria à confrontação de grupos armados, visando a tomada do poder. Tornar-se-ia numa espécie de guerra civil em Timor-Leste. A presença da Austrália impediu isso. John Howard e Alexander Downer envolveram-se pessoal e intensamente em decisões sobre Timor-Leste. Eles compreenderam o papel do simbolismo e do poder das tropas australianas. Não há nada que leve o governo de Howard a abandonar Timor-Leste neste momento de crítica transição” - in “FRETILIN still a stranger democracy”, “Greg Sheridan blog”, 8 de Agosto de 2007.
O conhecido analista australiano ao serviço do processo de globalização neo-liberal e do governo australiano de John Howard, deixava claro nesse e em outros artigos que elaborou ao longo de 2007, o papel da “presença” da Austrália em Timor Lorosae:
Em nome da “estabilidade”, perante uma “crise” em que haviam indícios de sobra em relação a actividades de agentes e meios apropriados, (alguns deles identificados), em conexão com o seu executivo e com os seus serviços de inteligência, a Austrália pavimentava as bases políticas e militares de seus próprios interesses e conveniências em Timor Lorosae, explorando aliás o êxito da sua “contribuição” na tomada de decisão internacional para que o país se tornasse “Independente”.
O argumento adicional para a “tese” de Greg Sheridan, com vista a “acabar com a crise”, preocupava-se em reforçar, desde logo, o carácter do tandem Gusmão – Horta: “Como resultado do estúpido relatório do King’s College em 2000, Timor-Leste deveria possuir um exército e uma polícia fortes. No último ano, o início desse plano foi tentado. Um modelo muito melhor, seria a constituição duma força, essencialmente de polícia, com uma pequena capacidade paramilitar e alguma capacidade guarda fronteira e de patrulha marítima. Se o plano da criação dum exército com poder fosse avante, integrando a maior parte dos veteranos da FRETILIN, isso constituiria potencialmente uma força de desestabilização na política interna de Timor-Leste. Essa é uma outra razão para as tropas australianas não voltarem às suas bases rapidamente.
As diferenças tribais e regionais estão profundamente marcadas, geradas durante a luta contra a Indonésia, repercutindo-se agora como se fosse uma manifestação de narcisismo freudiano.
A parte leste de Timor Lorosae, é a região fulcral da FRETILIN e o oeste sempre esteve mais conciliável com o poder da Indonésia.
Os homens-chave das políticas de Timor Lorosae precisam convencer os seus seguidores, a transferir as suas posições para o Parlamento, discuti-las livremente na imprensa e fazer emergir as instituições nacionais.
Com vista a que isso aconteça, a Austrália precisará manter-se durante muito tempo em Timor Lorosae”.
Estando por dentro da “crise” mesmo antes de sua visibilidade, a Austrália propõe-se, conforme Greg Sheridan, “vocacionada” para a promoção duma “estabilidade” que não é outra coisa senão a sua própria visão política e geostratégica, evocar os mesmos padrões de democracia que também serviram para a sua intervenção , a reboque do poder hegemónico unilateralista da Administração de George Bush, no Iraque e no Afeganistão, quiçás no Irão, mesmo que “a crise em Timor Leste” fosse de natureza tão “inócua” que nada tivesse a ver com a tradicional leitura de “guerra ao terrorismo”.
É evidente que o que está em jogo em Timor Lorosae, é também, tal como no Médio Oriente e noutra escala, a razão escondida, mas por demais conhecida, do acesso e controlo ao petróleo e ao gás do Mar de Timor, de acordo com o “diktat” neo-liberal e a geo estratégia que o move.
O que Mari Alkatiri conseguiu em benefício de Timor Lorosae, quando esteve à frente do Governo, prejudicava os interesses e as conveniências da Austrália, meio esboçadas, anos antes, no empenho em prol da Independência de Timor Leste.
Alkatiri “teve a ousadia”, em nome do nacionalismo timorense, de contrariar as expectativas australianas, pelo que a remoção da FRETILIN do poder, apesar de não se inscrever no âmbito do “combate ao terrorismo”, tornou-se também neste caso, um caso que reforçava a lógica da intervenção noutras ilhas que compõem o “cinturão de segurança” do continente australiano, uma questão imperativa no que toca aos relacionamentos da Austrália para com os vizinhos países insulares da região, em subsídio dos Estados Unidos e a coberto de velhas alianças.
José Paulo Gascão, em “Timor – as razões do golpe” realça em “O Diário” precisamente isso:
“Se em 2006 Timor recebeu já alguns milhões de dólares, proveniente de petróleo que havia sido explorado pela Austrália, a partir de 2007 os montantes vão crescer de forma considerável. Enquanto o governo da FRETILIN presidido por Mari Alkatiri tinha aprovado bases rigorosas, unanimemente reconhecidas como a melhor prática internacional e um meio transparente para a gestão das receitas nacionais do petróleo, Xanana Gusmão já em 2006 propunha acabar(-se) com o controlo na utilização dos recebimentos do petróleo.Mas este golpe iniciado com o apoio de Xanana ao golpista Alfredo Reinaldo e a exigência do pedido de demissão do Primeiro-Ministro Mari Alkatiri, logo secundado por Ramos Horta, então ministro dos Negócios Estrangeiros, não seria possível sem o apoio claro da Austrália.Em 9 de Junho de 2006, Howard, Primeiro-Ministro da Austrália, começou por afirmar, numa clara e inadmissível ingerência nos assuntos internos de Timor que o problema era uma governabilidade pobre. Dois dias depois, a 11 de Junho, interrogado sobre o que pensava a Austrália fazer respondeu: Estamos num caminho difícil de percorrer. Por um lado queremos ajudar, somos o poder regional, estamos em posição de fazê-lo. Temos a responsabilidade de ajudar, mas quero respeitar a independência dos timorenses. Por outro lado, eles devem desempenhar essa independência ou assumir a responsabilidade dessa independência com mais eficácia do que a têm tido nos últimos anos… A sintonia entre o tandem Xanana-Horta e o governo australiano era tão perfeita que Ramos Horta, então ministro dos Negócios Estrangeiros do governo presidido por Mari Alkatiri, à saída da inconclusiva reunião do Conselho de Estado em plena crise, logo completou a insinuação e o desejo do Primeiro–Ministro Australiano: o que agora é necessário é uma solução da actual crise política, o que implica, obviamente, que o Primeiro-Ministro vá no sentido que muita gente quer e se demita. Mas se Ramos Horta sabia o que fazia e dizia, Xanana apresentava provas de correr por conta alheia, chegando ao ponto de permitir, numa manifestação clara de que sabia quem mandava, que a mulher, uma australiana sem qualquer cargo em Timor, fosse à rádio nacional fazer uma declaração patética em seu nome! A 26 de Junho, 15 dias depois da declaração da ingerência, Mari Alkatiri sai do governo, não sem antes denunciar que estava em curso um golpe de estado, o que agora se pretende consumar com o afastamento da Fretilin de todos os cargos de Estado, ao arrepio das regras constitucionais.Ramos Horta, ao afastar inconstitucionalmente a Fretilin da indigitação do Primeiro-Ministro, que avançou desde início com um Governo de Grande Inclusão, como ele próprio havia proposto após as eleições, pretende concluir o golpe de estado iniciado há ano e meio, e dar início a um ciclo de independência tutelada, em subordinação ao poder regional”.
A Austrália está em Timor Lorosae, a pretexto de acabar com a “crise” que ajudou a fomentar e, em nome duma “democracia” que o poder hegemónico impõe pela persuasão, força das armas e pelo frequente uso da mentira e de manipulações de toda a ordem, tirando proveito do êxito de toda a sua manobra , que passou pelo afastamento da FRETILIN do governo de Timor Leste e agora está em fase de consolidação de seus interesses e conveniências.
Pela via do empenhamento australiano, o poder hegemónico:
1) Pôs termo em Timor, às sequelas típicas do período derradeiro da guerra fria, como o camaleão “vestindo a camisola” da Independência de Timor Loro Sae e chegando a utilizar uma vasta frente de “parceiros internacionais”.
2) Aproveitou “por dentro”, a instabilidade característica dum parto tão difícil e doloroso, por onde foi forjada a “alma” duma resistência nacionalista, para agora, quando não a conseguiu engolir, tentar moldá-la, ou dobrá-la, de acordo com os métodos característicos da “New Wolrd Order”.
O poder hegemónico, se contribuiu para decidir a sorte da luta pela Independência, penalizando a ditadura e a inexperiente democracia Indonésia, procura agora definir a trajectória dessa Independência, “corrigindo-a”, ainda que coloque Timor Loro Sae num contencioso tributário e dependente: uma (in)dependência vigiada tal como a que pretende no Kosovo.
Não é de surpreender o comportamento arrogante da componente militar australiana, desde o desfile impune de seus UAV espiões, por todo o território e em qualquer situação julgada oportuna, até às intervenções “ao bastão e à chapada” de seus militares, em nome da “estabilidade” que move seus interesses e conveniências.
Consolidar esses interesses e conveniências, é um processo que está agora avançando e conta com um concerto “favorável e alargado” de intervenientes, que englobam também a Igreja Católica, que antes havia servido de rectaguarda influente na luta contra a ocupação Indonésia e hoje, sob o ponto de vista ideológico e doutrinário, tal como no campo da intervenção psicossocial, tem um papel muito activo a favor da conjuntura da tutela australiana.
Perante o pacote de medidas de pressão, reforçada com a emergência do tandem Gusmão – Horta, com os prestimosos serviços da Igreja Católica e “a cavalo” na presença das ADF e do papel da Austrália e Nova Zelândia, o heróico nacionalismo timorense tem agora talvez a sua prova maior.
A FRETILIN está “isolada” enquanto garantia vital do nacionalismo timorense e tem de saber equacionar-se.
A resistência, sem enveredar em termos clássicos por uma nova luta de libertação, como acontece por exemplo no México, com o Exército Zapatista de Libertação Nacional (ver “Na pista do EZLN e do Sub Comandante Marcos” em PLANETA ON LINE e PÁGINA UM), pode assumir-se de forma criativa, inteligente e humana, ainda que pragmática, rompendo profundamente com as premissas desse “tão conseguido isolamento”.
A FRETILIN começou agora por estabelecer o seu campo de manobra, perante a conjuntura da tutela australiana, procurando ganhar a consciência de que isso acarreta responsabilidades acrescidas e a longo prazo, por que os “vendilhões do templo” não deixarão de utilizar todos os argumentos, meios e oportunidades, para apagar a seu modo a chama da Independência, da Liberdade, Democracia e da Soberania em Timor Lorosae.
Saber marcar a sua identidade vanguardista para com o povo de Timor Lorosae, inventariar a cada passo seus meios e os adversos, avaliar a correlação de forças sem perder de vista princípios e estratégias, saber tirar partido de conjunturas aparentemente desfavoráveis, buscar soluções face a questões tão vitais como trabalho, saúde e educação, são algumas questões pertinentes, numa situação crónica de subdesenvolvimento, qualificada como o último lugar da Ásia – Pacífico em termos de Índices de Desenvolvimento Humano.
Assumindo-se como resistência criativa, inteligente e humana numa nova conjuntura pós-independência, a barricada da FRETILIN “na oposição”, tem bem localizadas as elites que operam a tutela e tantas dificuldades demonstram ter para accionar outros dispositivos que não sejam os da completa subserviência e usurpação.
O eterno diferendo entre o ser e o ter, impedirão que os líquidos se misturem, para o povo de Timor Lorosae melhor saber decidir.
sexta-feira, outubro 26, 2007
Consolidar interesses e conveniências
Por Malai Azul 2 à(s) 03:36
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Traduções
Todas as traduções de inglês para português (e também de francês para português) são feitas pela Margarida, que conhecemos recentemente, mas que desde sempre nos ajuda.
Obrigado pela solidariedade, Margarida!
Obrigado pela solidariedade, Margarida!
Mensagem inicial - 16 de Maio de 2006
"Apesar de frágil, Timor-Leste é uma jovem democracia em que acreditamos. É o país que escolhemos para viver e trabalhar. Desde dia 28 de Abril muito se tem dito sobre a situação em Timor-Leste. Boatos, rumores, alertas, declarações de países estrangeiros, inocentes ou não, têm servido para transmitir um clima de conflito e insegurança que não corresponde ao que vivemos. Vamos tentar transmitir o que se passa aqui. Não o que ouvimos dizer... "
1 comentário:
Agradeço ao Malai Azul por nos disponibilizar este artigo (e outros) de grande nível.
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