quarta-feira, fevereiro 07, 2007

Artigo e Entrevista a RH

Ponto Final – 6/02/07 - 14:47
Ai, Timor!
Paulo A. Azevedo, enviado a Timor Leste

Os números da pobreza mostram um país de rastos. Entre o optimismo de uns e o pessimismo de outros, o retrato de Timor Leste no ano de novas eleições para as chefias do Estado e governo.

Maio de 2002. A euforia generalizada após a independência fez por momentos esquecer o martírio de décadas, o desaparecimento de milhares, os horrores vividos por todo um povo. Com a independência, a terra regressava finalmente aos legítimos donos após séculos de colonização e tudo parecia correr pelo melhor, com o apoio das Nações Unidas.


Mas a ONU saiu cedo de mais do território, assumem hoje quase todos, e aquela que prometia ser a melhor das histórias de sucesso rapidamente entrou em declínio e os avanços alcançados em várias frentes – das infra-estruturas à agricultura e educação – esbarraram na crise de Abril de 2006 da qual Timor ainda não recuperou.


Mesmo antes da crise política – ou de um tempo de todas as crises, segundo o próprio Xanana Gusmão – este pequeno país apresenta números assustadores, o que justifica o posto que ocupava o ano passado no Índex de Desenvolvimento Humano das Nações Unidas - 141ª posição em 177.

O mais pobre país da Ásia vê 40 por cento da sua população viver abaixo da linha da pobreza, que está hoje nos 55 cêntimos de dólar americano por pessoa, por dia.

As condições na educação, de acordo com os estudos efectuados a que o PONTO FINAL teve acesso, e os resultados dos últimos censos (2004), apontam para uma taxa de literacia de 56,3 por cento nos homens e de 43,9 por cento nas mulheres. Em todo o país, entre 10 e 30 por cento das crianças não entra sequer na escola primária. Tanto mais preocupante quanto os números garantem que 60 por cento dos timorenses têm menos de 18 anos, o que não augura nada de bom nas gerações vindouras. E menos de metade das crianças que entram no ensino primário completam seis anos de educação. O secundário é igualmente limitado, com uma taxa de conclusão dos estudos de apenas 30 por cento.

As condições de saúde são também baixas, com a expectativa de vida a ficar-se pelos 54 anos nos homens e nos 56,6 anos nas mulheres. A maior parte da população é ainda muito vulnerável às doenças respiratórias e como se não bastassem a malária, o dengue, a tuberculose e a lepra, a população tem enorme dificuldade no acesso a cuidados de saúde – nomeadamente nos meios rurais – devido ao péssimo estado das estradas, dos transportes e das comunicações.

Segundo vários estudos, que deram um retrato muito pouco alegre, durante os dois dias em que em Díli decorreu, no fim de semana passado, uma conferência sobre a pobreza no país, chegou a confirmação de que metade da população não dispõe de acesso a água potável e 60 por cento não tem adequado saneamento, o que ajuda à propagação de doenças. Tanto mais que, na capital do país, muitas centenas de pessoas, senão milhares, continuam a viver em campos de refugiados, sem quaisquer condições, depois de terem sido obrigadas a fugir das suas casas, a maior parte das quais destruídas durante os confrontos do Verão quente do ano passado.

O desemprego, cuja média nacional subiu de 6,2 em 2001 para 8,9 continua a causar enormes dificuldades. O pior cenário verifica-se em Díli, onde a taxa de desemprego, no mesmo período, saltou dos 21 para os 27 por cento.

Apenas 24 por cento dos nascimentos são acompanhados por pessoal especializado. A juntar às fracas condições de vida, este número explica a maior taxa de mortalidade infantil de todo o Sudeste Asiático.

Optimismo e pessimismo

O retrato do país só é contrariado pela convicção de alguns políticos, nomeadamente a do primeiro-ministro José Ramos Horta (ver entrevista nestas páginas), de que o desenvolvimento está a caminho. Nomeadamente através dos mil milhões de dólares que o Estado arrecadou nos últimos dois anos do fundo do petróleo e que se prepara agora para investir.

Também o bispo da Noruega, Gunnar Stalsett, que nos últimos seis meses já veio a Timor outras tantas vezes, se mostra esperançado, apesar de consentir que o país vive hoje uma “situação dramática”.

“Sinto-me encorajado pela seriedade da resposta à crise, tanto do governo como das Nações Unidas. Nesse aspecto estou optimista de que as próximas eleições irão reflectir não apenas a crise mas também a determinação de seguir em frente numa via de sucesso”, afirmou ao PONTO FINAL.

Para o dirigente da Igreja norueguesa e enviado especial daquele país a Timor, as mudanças que estão lentamente a ocorrer na sociedade local indiciam uma melhoria, “ainda que subsista alguma ansiedade no que toca à segurança, aos distúrbios sociais especialmente entre alguns grupos de jovens. Mas creio que isso pode ser ultrapassado através do diálogo e da cooperação, e pela aplicação da lei”.

Quanto às próximas eleições, o bispo garante não ter dúvidas: “É uma oportunidade de virar uma nova página na história de Timor Leste e de fazê-lo de forma que reflicta a aprendizagem dos erros cometidos, avançando-se nos valores da democracia, da participação, da transparência e da justiça”.

Opinião quase oposta tem o padre Martinho Gusmão, que reivindica para Timor uma “descolonização cultural”, depois da saída de portugueses e indonésios. “Temos de desenvolver a consciencialização deste povo de que é ele quem tem o direito à terra, senão vivemos como bainagan (estrangeiro) na nossa própria terra”, afirmou ao PONTO FINAL.

Para Martinho Gusmão, director da Comissão Justiça e Paz, hoje em dia está em curso uma nova colonização, económica, com “mais de 60 por cento” nas mãos de australianos e indonésios. “E nós, timorenses, levamos apenas os restos que caem da mesa desta gente”, conclui em desânimo.

Ponto Final – 6/02/07 - 14:48

É a última oportunidade para Timor (entrevista de JRH)
Paulo A. Azevedo, enviado a Timor Leste

O primeiro-ministro de Timor Leste acredita que os próximos cinco anos vão ser a segunda e possivelmente a última oportunidade do país consolidar a democracia e a paz. Numa entrevista exclusiva ao PONTO FINAL, José Ramos Horta abre a porta a uma eventual candidatura à Presidência e garante que o país está pronto para investir centenas de milhões de dólares em infra-estruturas


PONTO FINAL: O que é que domina a agenda política até às próximas legislativas?


José Ramos Horta: Temos as presidenciais em primeiro lugar, a 9 de Abril e até lá temos de criar todas as condições para que haja eleições verdadeiramente livres e democráticas. Isto, não apenas no plano da segurança, que penso que Timor está em excelentes condições em todo o território. Em Díli há problemas esporádicos mas as Nações Unidas já organizaram eleições em situações cem vezes mais difíceis do que a que se vive em Díli. Mas digo mais no plano de oportunidade aos pequenos partidos de poderem deslocar-se ao interior, de terem meios logísticos e financeiros para a sua campanha, para que o povo conheça de perto os líderes. Embora cada partido já devesse ter feito isso nos últimos cinco anos mas há partidos que surgiram só agora.


Há uma lacuna grande no acesso aos media, a nossa televisão só é praticamente vista em Díli, as rádios têm pouca cobertura e a Imprensa escrita menos ainda.


É necessária uma intensa campanha de educação cívica.


E depois vamos às legislativas, que penso que serão mais intensas do que as presidenciais. Vão estar em campo mais de dez partidos, o que é salutar para a democracia mas para isso tem de haver muito civismo entre a classe política timorense. Por isso estamos a trabalhar num código de conduta que venha a ser subscrito por todos.


P: As duas eleições podem ser uma nova oportunidade, um virar de página na história recente de Timor?


J. R. H.: Exacto. Os próximos cinco anos serão a segunda e provavelmente última oportunidade para Timor Leste consolidar a paz e democracia e fazer o grande arranque no plano económico.
E isto depende muito do comportamento da classe política timorense, da elite política, de cada um de nós. Se contribuirmos todos para que as eleições decorram com total transparência e harmonia, se produzirem um resultado claro que garanta estabilidade governativa e parlamentar, creio que temos condições.


Porque ao longo destes meses de crise viajei por todo o país e a grande lição é a de que temos um povo excepcional, a esmagadora maioria não quis a violência e daí que não tenha havido uma guerra civil. Porque se o povo fosse violento e guerreiro como se diz teríamos tido uma guerra civil sem parar até hoje, mesmo com intervenção internacional.

P: Os analistas internacionais aqui em Timor têm dito que é preciso actuar agora, rápida e eficazmente. Mas há também a sensação de que escasseia alguma massa crítica, nomeadamente na estrutura política do país?


J. R. H.: Temos tido mais de dez partidos na liça nos últimos cinco anos, não temos tido falta de políticos e de politiqueiros nem de intelectuais, embora eu também ache que os partidos políticos precisam de mais apoio, mais educação, mais meios. Tenho defendido que o apoio não deve ser apenas material, com cartazes e computadores mas também algum dinheiro de forma a poderem empregar pessoas. A maioria dos partidos não tem dinheiro. A Fretilin tem dinheiro, não muito, obviamente, é um partido organizado ao longo de 30 anos, tem grande base de apoio e muitos amigos fora de Timor Leste, portanto está à partida em posição de muita vantagem em relação a todos os outros.


P: Vai aproveitar esta entrevista para anunciar formalmente a sua candidatura às presidenciais?


J. R. H.: Bom, a sua pergunta pressupõe que eu já tenha decidido candidatar-me. Eu continuo a hesitar muito. Se surgirem outros candidatos melhores e se o povo ficar satisfeito com essas candidaturas eu não avanço. Tomarei uma decisão mais lá para o prazo limite da entrada das candidaturas. Até lá vou continuar a aconselhar-me junto de pessoas amigas, a consultar a Igreja, o presidente Xanana, os partidos políticos para ver se podem surgir outros nomes consensuais.


Eu estou a encorajar outros nomes, a doutora Ana Pessoa, ministra da Administração Estatal; encorajei o general Taur Matan Ruak mas que já me veio dizer que não; o engenheiro Estanislau da Silva, meu vice-primeiro-ministro e o próprio presidente do Parlamento Nacional, Lu Olo.
Se eu me candidatar e perder será um alívio porque pelo menos cumpri com a minha consciência de que me devo oferecer para a chefia do Estado. Se eu me candidatar e for eleito, levarei as funções com muita seriedade porque este povo merece, o país necessita, não tenho dificuldades porque conheço meio mundo, falo com todos os partidos e dou-me bem com todos, conheço o país de lés a lés. Portanto, não tenho grandes dificuldades para o exercício das funções.


P: Preocupa-o o facto de Mari Alkatiri, secretário-geral da Fretilin já ter dito que não concorda com as datas previstas paras as legislativas e que em última análise, senão aceitar as explicações do presidente Xanana, avança para o Tribunal de Recurso?


J. R. H.: Bom, cada um de nós pode fazer uma interpretação demasiado rígida ou académica da Constituição ainda que seja o Tribunal de Recurso quem tem competência para o fazer com neutralidade. E eu creio que não é necessário chegarmos até aí, tenho conversado com o doutor Mari Alkatiri e com o resto da liderança da Fretilin, sei que já houve um encontro entre o senhor Presidente da República e o presidente e o secretário-geral do partido, que decorreu em ambiente frutuoso, por isso creio que entre o PR e os partidos políticos e em particular o partido maioritário, pode haver uma solução de compromisso que respeitando o espírito da Constituição possa ser flexível quanto à realização das Legislativas.


P: O bispo da Noruega avisou que o petróleo pode ser uma bênção mas pode também ser uma maldição, dando o exemplo de outros países como Angola, Nigéria, Venezuela. Numa altura em que Timor Leste ainda dispõe de cinco blocos offshore livres e se prepara para concursos internacionais nos blocos de gás e petróleo em terra, qual é a estratégia do governo para esta fonte de riqueza?


J. R. H.: Sabemos que o petróleo não resolve as questões de subdesenvolvimento e da pobreza, é preciso é saber investir o dinheiro que vem do petróleo e do gás em infra-estruturas que são indispensáveis para o desenvolvimento da economia e que ao mesmo tempo crie empregos aos milhares e reduza a pobreza.


Vamos investir centenas de milhões de dólares nos próximos anos em estradas, estamos em negociações com o fundo do Kuweit, com o Millenium Challenge Count para centenas de quilómetros de estradas de duas vias e outras secundárias que vão criar milhares de postos de emprego nos próximos anos.


Estamos em negociações com outros investidores para hotéis, alguns vão já começar este ano. Portanto, o importante é não fazermos como Salazar, que guardava o dinheiro debaixo da cama e os mais de mil milhões de dólares [americanos] de que dispomos hoje, em apenas dois anos do fundo do petróleo, que sejam investidos com audácia, aceitando riscos necessários para o país poder arrancar.


P: E para quando a entrada de Timor Leste enquanto membro de pleno direito na ASEAN?


J. R. H.: Eu quero apostar para daqui a cinco anos. Em que função estiver, depois de Maio, estarei activamente ligado à preparação de Timor Leste para a entrada na ASEAN. É de suma importância para o nosso país.

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Traduções

Todas as traduções de inglês para português (e também de francês para português) são feitas pela Margarida, que conhecemos recentemente, mas que desde sempre nos ajuda.

Obrigado pela solidariedade, Margarida!

Mensagem inicial - 16 de Maio de 2006

"Apesar de frágil, Timor-Leste é uma jovem democracia em que acreditamos. É o país que escolhemos para viver e trabalhar. Desde dia 28 de Abril muito se tem dito sobre a situação em Timor-Leste. Boatos, rumores, alertas, declarações de países estrangeiros, inocentes ou não, têm servido para transmitir um clima de conflito e insegurança que não corresponde ao que vivemos. Vamos tentar transmitir o que se passa aqui. Não o que ouvimos dizer... "
 

Malai Azul. Lives in East Timor/Dili, speaks Portuguese and English.
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