Tradução da Margarida:
The Australian Magazine - Sábado, Agosto 25, 2007
Por Sian Powell
Erica de Araujo era uma bébé quando escapou de Dili a arder nos braços da sua mãe. Oito anos depois de o país ter conquistado a sua independência, Sian Powell sobe às montanhas de Timor-Leste para encontrar a menina que conheceu em 1999. Descobriu uma família com dificuldades – a viver numa cabana com chão de terra, com o mínimo para comer - mas orgulhosa, resiliente, e agarrada às esperanças da sua jovem nação.
Erica de Araujo nasceu no caos fumegante da batalha em Agosto de 1999, duas semanas antes de Timor-Leste ter finalmente votado pela independência e ter terminado os 24 anos da ocupação brutal Indonésia. Começou a respirar numa barraca na capital, Dili, num bairro pobre onde nuvens de mosquitos enchiam o ar quente e o som dos disparos enchiam as noites. Na semana em que nasceu, um monte de flores cor-de-rosa foi deixado a na estrada suja perto da barraca – marcando o lugar onde um adolescente vizinho foi morto a tiro, um dos milhares que morreram na teimosa luta pela liberdade de Timor-Leste.
Erica é filha da independência de Timor-Leste -tem agora oito anos, vive livre e sem medo nas montanhas sossegadas do interior; um pouco mal nutrida, um pouco esfarrapada, mas com um optimismo ilimitado. A violência tem esporadicamente rebentado na sua terra desde a independência, irrompendo outra vez depois de ter sido nomeado um novo governo de coligação no princípio do mês. Contudo a família de Erica acredita que a nova administração é um sinal brilhante para o futuro, e que a vida melhorará.
A primeira vez que encontrei a mãe de Erica, Filomena Correa, nos bairros pobres de Dili foi antes da altura do referendo para a independência em 30 de Agosto de 1999. Amamentando Erica quando as milícias queimavam as casas, assassinavam activistas e espalhavam o terror, Filomena foi estóica sem fim. Não tinha nem comida nem dinheiro; o marido estava fora nas montanhas com os guerrilheiros. Uma vez por outra esperava por uma paragem na confusão e atravessava a cidade para mendigar às freiras em Balide, levando três crianças pequenas com ela. Partilhava uma barraca de dois quartos com telhado de zinco com o irmão, e a cama (uma placa de madeira) com os três filhos. A sua vida era uma batalha sem fim contra a fome, falta de sono e medo. Mesmo assim acreditava que tinha valido a pena a luta sangrenta pela independência. "Quero a independência," disse então. "Quero uma vida pacífica para os meus filhos."
Nesses dias, quando lutava para criar os filhos numa aldeia isolada, Filomena era filosofa sobre o futuro. Tinha expectativas altas para a duramente conquistada liberdade, mas agora, apenas tem uma grande lista de queixas, de estradas a desintegrarem-se a maus preços para o café que a família cultiva. Contudo sorri quando agarra o bébé novo, alisa o vestido de uma folha e fala sobre a escola das crianças. Algumas coisas, pelo menos, estão muito melhor do que estavam nos dias sombrios de 1999. "Não há violência aqui [nesta aldeia] agora," diz, "e somos livres."
A luta de Timor-Leste pela libertação parecia um forte caso bom contra um mal – um povo oprimido mas digno levantado contra um invasor maciço e brutal – e era enorme o apoio emocional da Austrália pelos Timorenses. Estavamos escandalizados quando as tropas Indonésias e as suas milícias correram em fúria depois da votação da independência, partindo cidades inteiras, violando, batendo e matando tantos quantos 1400 Timorenses. Enviámos tropas para a pequena meia ilha e donativos foram enviados através do Mar de Timor. Um grito imenso dos Australianos saudou a pequena equipa Timorense a marchar na cerimónia de abertura dos Jogos Olímpicos em Sydney.
*Agora, apesar de anos de luta com instituições nascentes, ministros novatos e pobreza opressiva, Timor-Leste parece voltar a derrapar. Apenas recuperada da luta sangrenta sobre os despedimentos das forças armadas que se espalharam para as ruas da capital no ano passado, Dili está outra vez a sofrer de espasmos de violência – tragicamente mais outra vez, Timorenses lutam contra Timorenses. Soldados Australianos pesadamente armados patrulham as ruas de Dili, a ONU vive por detrás de arame farpado nas Obrigado Barracks, e o jovem país chegou perigosamente perto de ser enviado para as categorias dos Estados falhados.
Apesar de todos os problemas, a paixão dos Timorenses pela democracia tem de ser admirada. Quase oito em cada 10 eleitores registados votaram nas eleições presidenciais no princípio deste ano; a campanha das legislativas de Junho correu suavemente e de modo razoavelmente pacífico até a nomeação do novo governo desencadear uma outra vaga de queima de casas e de apedrejamentos.
Mesmo assim, depois do terror de 1999, parece um tempo de paz relativa – especialmente nos distritos exteriores. Erica vive na aldeia de Manusae, nas altas montanhas a sul de Dili. Fica a quatro horas de viagem da capital sobre estradas incríveis, rios e em certos lugares, rochas; a última parte da viagem foi a pé ao longo de um carreiro difícil.
Nenhum autocarro público ou carro privado (a não ser os de tracção às quatro rodas) podem chegar perto da aldeia. Se as pessoas de Manusae querem ver um médico ou um oficial da policia ou um funcionário do governo, andam três horas a pé até à capital do distrito de Ermera. Julio Boromeo, pai de Erica, disse que o fotógrafo e eu fomos os primeiros Ocidentais a visitar a sua casa, e um bébé gritou certamente por medo (e continuou a gritar durante algum tempo) simplyesmente com a visão das nossas caras brancas.
Manusae é uma aldeia sonolenta que cultiva café, com uma escola, uma pequena igreja e cabanas de bamboo montadas em terraços inclinados divididos por caminhos de ervas. As crianças são magras e pequenas segundo o padrão Australiano, apenas joelhos e cotovelos, mas não extraordinariamente independentes – as de cinco anos podem ser vistas sozinhas a subir os trilhos das montanhas.
Não há electricidade, por isso é silencioso – não há TV, não há rádios, não há máquinas, não há o barulho amortecido o de quem vive no Ocidente no século 21. O café é processado num moinho de água e é espalhado em sacas para secar, a madeira é partida com machados e as roupas são lavadas à mão.
No fim de 1999, Boromeo a mulher e cinco pequenas crianças (incluindo Erica, então um bébé de colo) regressaram de volta a Manusae depois dos Indonésios terem finalmente partido de Timor-Leste, a milícia local Darah Merah ter dispersado e a aldeia voltar a estar mais ou menos segura outra vez. Mas a casa de madeira e zinco da família tinha sido completamente destruída e tudo o que eles tinham tinha sido levado pelos militares Indonésios.
Boromeo tinha lutado com a Falantil, o exército da guerrilha de Timor-Leste, durante oito anos, e tinha estado no mato numa missão clandestina em Maio de 1999 quando a milícia pró-Indonésia chegou a Manusae. Ameaçaram e sovaram Filomena – então grávida de seis meses de Erica – e encostaram uma espingarda no ombro dela, pretendendo disparar contra os vizinhos dela.
Aterrorizada, juntou uns tantos pertences e três dos seus filhos e correu. (A outra filha, Florinda, de 10 anos, estava com o avô inválido noutra aldeia, onde ficou até final de 1999.) Filomena e as crianças andaram a pé durante horas até Ermera, e de lá apanharam um autocarro para a relativa segurança de Dili. Três meses mais tarde, em 30 de Agosto, 1999, juntamente com centenas de milhares dos seus compatriotas, Filomena vestiu o seu melhor vestido e esteve nas filas para votar por uma nova vida para o seu país.
Uma semana depois da votação, fugiu outra vez – desta vez a correr de Dili para fora, carregando o bébé Erica e arrastando as crianças montanha de Dare acima, a sul da capital, aconchegando-se a outros milhares que fugiam da fúria Indonésia. Era em 5 de Setembro, o dia depois de ter sido anunciado o resultado do referendo. Quase 80 por cento dos eleitores tinham escolhido a independência em vez da autonomia no seio da Indonésia e os militares estavam indignados. Depois de 24 anos de ocupação, não iam sair de Timor-Leste sem uma última, amarga explosão de raiva.
Filomena podia ver o fumo a subir da cidade a arder quando ela e os filhos trepavam montanhas acima. Em Dare, escondeu os filhos sob os arbustos numa plantação de café, onde dormiram no chão durante três semanas, comendo mandioca que mendigavam, milho e um pouco de arroz, umas vezes cozido, a maioria das vezes cru, esperando pela chegada das forças internacionais.
* Dois anos mais tarde, em 2001, Boromeo juntou-se às novas forças armadas de Timor-Leste – apenas para se tornar um dos centenas de "peticionários", os soldados que desertaram por causa de queixas de discriminação não terem sido ouvidas. Boromeo, do distrito de Ermera, é do "oeste" e acredita que os líderes das forças armadas preferem os do leste nas promoções. Os peticionários entraram em greve e acabaram por ser demitidos pelo chefe das forças armadas no ano passado, ajudando a precipitar a violência que matou 37 e deixou 30,000 Timorenses a abrigarem-se em campos de deslocados durante meses.
Agora, como muitos Timorenses, ele e a famímia espera por tempos melhores. Apesar de grato por os filhos poderem ir à escola e por haver o suficiente (apenas) para comer, Boromeo é pobre. Não há livros, brinquedos, bonecas ou jogos na família. Erica carrega o irmão mais pequeno, Jaimito de três anos, nas ancas, e ocasionalmente, por brincadeira, sobe às árvores – "É muito travessa," diz a mãe. Uma rapariga de 16 anos, Clara, ajuda Filomena no trabalho de casa por troca com refeições.
A maioria do Timorenses vivem da agricultura de subsistência e pelos padrões Ocidentais, com muita dureza. Estatísticas recentes são difíceis de obter, mas de acordo com números publicados pela UNICEF a expectativa de vida em 2003 era apenas de 50 anos; em 2002, apenas 52 por cento dos Timorenses tinha acesso à água potável e 33 por cento tinha instalações sanitárias adequadas. Em 2003, mais de uma em cada 10 crianças morriam antes de alcançar a idade dos cinco anos. Timor-Leste é ainda uma das mais pobres nações do mundo, independentemente da riqueza do petróleo que está a entrar no país.
Analistas dizem que Mari Alkatiri, o primeiro prime-ministro, governou quase sem ajuda e que uma das razões porque apenas metade do orçamento foi gasto em cada ano era porque a sua assinatura era necessária em tudo. Mesmo agora, Timor-Leste não tem um sistema de burocracia com funcionamento real - muitas vezes não se gasta dinheiro porque ninguém está preparado para tomar uma decisão.
Antes da independência, a Indonésia animou a economia de Timor-Leste com um serviço civil inchado que empregava 22,000 (há agora cerca de 12,000) e rios de gasóleo subsidiado. Contudo, ao evitar os excessos da Indonésia o Governo abraçou um muito cauteloso (muitos pensam demasiado cauteloso) gastos em bem-estar, com Alkatiri determinado a evitar a “mentalidade da dependência”.
Não que Júlio Boromeo tenha uma mentalidade de dependência. Ele reconstruiu a sua casa arruinada num mês, sem a ajuda do governo, agências de ajuda ou igreja. Num lado da montanha, com vista para vales e montanhas, tem paredes de bamboo, um telhado metálico, chão de terra batida e portas de ferro forjado. Filomena cozinha num fogo aberto, e duas bacias de plástico servem para se lavarem. Cultivam café num hectare de terreno abaixo da montanha e depois da colheita, Boromeo leva-o para Ermera às costas – uma viagem de ida e volta de seis horas.
*A vida é dura, e vai-se tornar mais dura para muita gente. Uma praga de gafanhotos e a seca diminuiu as colheitas em Timor-Leste em 30 por cento, de acordo com o Programa de Alimentação Mundial, que estima que cerca de um quinto da população precisará de assistência alimentar antes do fim do ano.
No lar de Boromeo, proteínas são delícias raras. As crianças comem principalmente mandioca, arroz e batata doce. "Havia uma galinha, acabámos de a comer," diz Filomena, a gesticular para o festim que tinha preparado em honra da visita da sua irmã. "E há mandioca no jardim."
Apesar da pobreza, a educação é um assunto forte. Todos os filhos de Filomena em idade escolar, excepto Rojina de 16 anos, que se casou em Março, estão ocupadas em obter uma educação. Mesmo a filha mais velha, Florinda de 17 anos, vive com a avó em Dili para poder acabar o liceu. Duas das crianças nascida depois da família regressar a Manusae no fim de 1999, Elefino de um ano e Jaimito de três são are obviamente muito jovens para irem à escola e Maria Agama, de cinco, começa este ano.
Agora a educação é gratuita em Timor-Leste, e Erica vai à escola da aldeia juntamente com outras 40 crianças. O professor é Timorense, e é suposto estarem a aprender Português (que o Governo decidiu adoptar como língua oficial, apesar da pouca quantidade de gente que fala Português). Erica apenas fala Tétum – língua nativa de Timor-Leste. Mas entortando os olhos e agarrando o caderno a alguns centímetros da cara ela sane escrever o nome - devagar, aparece uma palavra vacilante.
"Ainda não é fluente – é muito jovem," diz a mãe a sorrir e a alisar o cabelo de Erica.
Timor está a fazer bem a educar as crianças nas escolas. De acordo com um relatório compreensivo de pobreza publicado em 2003 pelo Governo, o Banco Mundial e as agências da ONU, entre outros (Pobreza numa Nova Nação: Análise para a Acção), a participação escolar subiu espectacularmente depois de Timor-Leste se separar da Indonésia, com oito em 10 crianças entre as idades de 12 e 15 anos matriculadas numa escola em 2001. Há muito terreno para desbravar. Quase metade da população de Timor-Leste tem menos de 15 anos, e a população adulta é pouco educada – quase três quartos dos que têm mais de 30 nunca foram à escola.
Filomena, contudo, sabe ler e escrever e fala Indonésio e como muitos Timorenses, fará muitos sacrifícios para addegurar que os filhos obtêm uma educação. "Quero que ela vá á escola ," diz de Erica. "Depois de acabar a de aqui, talvez possa ir para Dili [para mais educação]." Erica, também, já apanhou o bicho – quer continuar a aprender e ir para a universidade. "Quero ser uma médica," sussurra.
Contudo, com a nação ainda em crise, o futuro da menina está menos certo do que devia estar. As forças armadas Timorenses lutaram com a polícia Timorense no ano passado e uma investigação da ONU á violência culpou membros do antigo governo, questionando mesmo o papel do então primeiro-ministro no conflito.
Um dos causadores de problemas foi o que foi tempo atrás o comandante da polícia militar de Timor-Leste, Alfredo Reinado, que foi preso mas depois escapou . Depois de se evadir espectacularmente da tentativa das SAS Australianas para o apanhar, Reinado agora, quer aparentemente negociar com o novo Governo – mas há muitos que acreditam que qualquer perdão aumentará o clima de impunidade, tal como as tentativas do governo anterior de oferecer uma amnistia pela violência de 2006 diminuiu a fé vacilante dos Timorenses no sistema da justiça.
Há uma fotografia de Reinado espetada na parede da família Boromeo. Ele está a agarrar duas enormes espingardas cruzadas, e parece um desesperado. "Ele está ainda no mato; ele é um homem perigoso," diz Boromeo, com algum prazer. Como antigo soldado, e queixoso, tem alguma simpatia por Reinado, apesar de lamentar a violência que pôs Timor-Leste de joelhos.
"Há um ano houve a crise," diz. "Já somos independentes, mas durante um ano houve violência, e não acabou. Se não houver progresso, como com o último governo, continuará. Estamos independentes há mais de cinco anos, mas não houve progressos aqui em Timor-Leste."
Na verdade muitos dirão que Timor-Leste recuou para o caminho da anarquia e da revolta. Tantas quantas 100,000 pessoas foram forçadas a sair das suas casas e 30,000 – a maioria do leste do país – vivem agora em campos perto de Dili.
O ressentimento dos deslocados é palpável. Num eco assustador da violência Palestiniana, jovens e rapazes atiram pedras a carros, a qualquer carro, em Dili, simplesmente pela má emoção da destruição. Em Março, 95 veículos da ONU foram apedrejados, e mesmo táxis vulgares e minibuses não estão imunes. O desemprego vertiginoso - tão alto quanto 50 por cento na capital – tem alimentado a fúria e tem levado muitos a juntarem-se aos gangs guerreiros de garotos que vagueiam pela cidade.
A divisão leste-oeste aprofundou-se depois do então presidente (agora Primeiro-Ministro) Xanana Gusmão ter falado disso publicamente. Contudo os murmúrios podiam ter acalmado mais cedo se a polícia e as forçar armadas fossem instituições mais fortes. É agora largamente aceite que a ONU saiu demasiado cedo de Timor-Leste (empurrada pela Austrália e os USA para esvaziar a missão). A porta-voz da missão da ONU em Timor-Leste, Allison Cooper, argumenta que tem havido progressos na formação das estruturas do Estado, mas "as expectativas de dividendos imediatos da independência criam problemas".
Esta frustração diminuiu o apoio no partido dominante a Fretilin nas eleições de Junho. Irrompeu a violência porque apesar de a Fretilin ter ganho mais lugares no Parlamento, não podia formar um governo de coligação. Depois de oito anos de espera, as pessoas perguntam onde está a boa vida?
* Os Boromeos são devotos silenciosos católicos e apoiam o partido Democrata, que defende valores da família. Têm esperanças altas no novo Primeiro-Ministro, o herói da resistência Gusmão. "Ele é um intelectual," diz Boromeo, que apesar, da raridade de media em Manusae, se mantém extraordinariamente bem informado, talvez porque o irmão trabalho como oficial da polícia no centro regional de Gleno e faz a longa caminhada de casa para aldeia uma ou duas vezes na semana. "A coisa mais importante é os líderes manterem-se honestos," diz. "Porque o povo de Timor-Leste é muito sério. Ainda há nepotismo e conspiração. Precisamos de escolas, precisamos de médicos, precisamos da nossa saúde. Tudo é ainda feito em casa, temos ainda fome, não há edifícios."
Filomena é rápida a concordar, acrescentando que ano após ano, a estrada desintegra-se mais, Manusae fica cada vez mais isolada. "É mais difícil, não há nada cá," diz. "Os carros não chegam cá porque as estradas são tão más."
Um cachorro muito pequeno e muito sujo arranha o chão de terra e Filomena pede desculpa porque as roupas das crianças estão sujas. Mas o fotógrafo e eu chegámos sem avisar - sem telefones e serviço postal, são quase impossíveis as comunicações nas áreas rurais.
O nevoeiro cai sem aviso nestas montanhas, escondendo as estradas tortuosas e danificadas e aumentando o sentimento de isolamento. "Os minibuses não chegam cá," diz Filomena . "No tempo dos Indonésios, os carros vinham cá." Qualquer emergência pode provar fatal. Como se para dar um aviso há um pequeno túmulo no quintal; uma filha dos Boromeo morreu nos anos '90s, quando a estada estava boa mas os militares Indonésios desencadearam guerra contra os Timorenses. Boromeo não conseguiu levar a criança com febre ao médico, que devagar piorou e acabou por morrer.
Os serviços de saúde são ainda practicamente inexistentes. Nenhuma das crianças dos Boromeo é vacinada e as três nascidas desde que a família regressou a Manusae - Maria Agama, Jaimito e Elefino – chegaram todas à barraca de bamboo sem assistência médica e apenas com as mãos do pai a ajudar para as receber no mundo.
*Virgilio Guterres, que até ao ano passado foi director da rádio e TV nacional, diz que a luta dos Timorenses vulgares é impressionante. "O ano passado foi um tempo muito duro," diz. "Muita gente sentiu-se desesperada. Timorenses a lutarem uns com os outros; foi o pior tempo da nossa história . Em 1999, tínhamos um inimigo real. Mas agora é entre irmãos."
Contudo apesar das enormes dificuldades -o desemprego, os gangs, os deslocados, as colheitas mais pequenas, a violência – Guterres mantém-se esperançoso que Timor-Leste se levante da lama. "Tenho que ser optimista. Apesar de todos os problemas que enfrentamos, sou ainda optimista. Com a liberdade que temos, podemos resolver os problemas."
Júlio Boromeo, também olha para a frente para um futuro mais radioso. Tem uma família muito afeiçoada, e ambos ele e Filomena tratam das crianças para terem a certeza que nenhuma fica para trás. "Jaimito não tem um chupa-chupa," diz o pai, quando o rapazinho recua, assustado com os estrangeiros que trouxeram os doces. As crianças agarram-se aos adultos, sentam-se ao colo. Se o bébé chora é imediatamente levantado e embalado - seja pela mãe ou pelas irmãs'.
Há um crucifixo na parede da casa de entrada, que está mobilada com uma mesa e cadeiras demasiado estreitas para os grandes rabos Australianos. Uma grande catana está em cima da mesa – o instrumento de Timor-Leste para todos os propósitos. Uma caixa partida está numa prateleira e um espelho está inclinado.
Noutra parede está a fotografia de um casamento. Filomena aponta a robusta mulher idosa, a mãe do noivo. É a sua irmã, Ermelinda de Araujo, que partiu para a Austrália quando a Indonésia ocupou Timor-Leste em 1975. Ela vive agora algures em Sydney, mas sem serviço postal, rádio e telefone em Manusae, manter o contacto é quase impossível. Ermelinda visitou Dili uma vez, mas nunca veio a Manusae.
È fácil esquecer os que vivem nas silenciosas e isoladas montanhas de Timor-Leste. Contudo os lutadores Timorenses hão-de avançar, com ou sem assistência, na esperança de uma vida melhor para eles próprios e para os seus filhos.
O que é que Júlio Boromeo espera que o futuro traga? "Paz," diz acenando com a cabeça. "Paz."
- Sian Powell é um escritor de topo no The Australian e foi anteriormente o correspondente do jornal na Indonésia.
domingo, agosto 26, 2007
Timor-Leste
Por Malai Azul 2 à(s) 13:44
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Traduções
Todas as traduções de inglês para português (e também de francês para português) são feitas pela Margarida, que conhecemos recentemente, mas que desde sempre nos ajuda.
Obrigado pela solidariedade, Margarida!
Obrigado pela solidariedade, Margarida!
Mensagem inicial - 16 de Maio de 2006
"Apesar de frágil, Timor-Leste é uma jovem democracia em que acreditamos. É o país que escolhemos para viver e trabalhar. Desde dia 28 de Abril muito se tem dito sobre a situação em Timor-Leste. Boatos, rumores, alertas, declarações de países estrangeiros, inocentes ou não, têm servido para transmitir um clima de conflito e insegurança que não corresponde ao que vivemos. Vamos tentar transmitir o que se passa aqui. Não o que ouvimos dizer... "
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