Público – 15.07.2007
Pedro Bacelar de Vasconcelos, Professor de Direito Constitucional
A opção por um sistema proporcional resultou num Parlamento mais plural. Mas o Presidente não está obrigado a recorrer ao partido mais votado para nomear um novo primeiro-ministro
Em Abril, Maio e Junho, os timorenses foram chamados a votar por três vezes. As campanhas eleitorais foram pacíficas, os actos eleitorais foram demonstrações de impressionante dignidade cívica e os resultados finais foram aceites por todos. A Fretilin continua a ser o maior partido mas ao longo destes cinco anos em que governou sozinha e ininterruptamente, perdeu metade dos seus eleitores e não conseguiu conquistar em nenhuma destas eleições um terço dos votos.
Reiteradamente, no intervalo de três meses, dois terços do povo eleitor não aprovaram a governação da Fretilin, não lhe entregaram a Presidência da República, apesar de o seu candidato ser o mais votado na primeira volta, e não lhe deram nem mais um voto nas eleições legislativas de 30 de Junho. Em alternativa, elegeram para Presidente da República o único candidato independente e são os mesmos partidos que publicamente o apoiaram na segunda volta das presidenciais, os que fizeram uma coligação pós-eleitoral, com maioria absoluta no novo Parlamento Nacional e querem agora governar. A proposta da Fretilin de um governo de unidade nacional não é mais que uma variante de coligação pós-eleitoral.
Não há uma receita única para "as melhores práticas democráticas". Em algumas democracias representativas que se confrontam com uma grande indiferença dos eleitores e elevadas taxas de abstenção, os inerentes problemas de governabilidade superam-se adaptando as regras do jogo democrático e permitindo que uma minoria sociológica se transforme numa maioria parlamentar.
É o chamado "sistema maioritário". Pelo contrário, a Constituição timorense aprovou um sistema eleitoral proporcional que transforma o Parlamento num espelho fiel das preferências expressas pelo voto popular. A opção pelo método proporcional foi pacífica nos debates constituintes de 2002, porque se entendeu que assim o Parlamento reflectiria com maior transparência e rigor toda a riqueza e pluralismo da nova democracia emergente. O risco, neste caso, é que uma "maioria de descontentes" pode demitir o Governo mas isso não assegura que os partidos que se entenderam para o derrubar sejam capazes de se entender para formar uma alternativa e impedir que o país se torne ingovernável. O problema da "governabilidade" fica dependente, em definitivo, da arbitragem do Presidente da República. Com o intuito de limitar este poder conferido ao Presidente da República, a Constituição timorense, ao contrário da portuguesa, não se limita a dizer que ele deve nomear o primeiro-ministro, tendo em conta os resultados eleitorais. Vai mais longe e explicita que no exercício dessa "competência exclusiva", o Presidente, depois de "ouvir os partidos" representados no Parlamento, deve nomear o "primeiro-ministro indigitado" "pelo partido" mais votado ou "pela aliança de partidos com maioria parlamentar".
Em condições normais, fica excluída a possibilidade de "governos de iniciativa presidencial".
Mas não subsiste qualquer dúvida sobre a alternativa que a Constituição coloca ao Presidente: aceitar o nome indicado pelo partido mais votado, mesmo que não tenha apoio maioritáro no Parlamento ou, em alternativa, aceitar o nome indicado por uma aliança de partidos que congregue a maioria dos deputados eleitos, mesmo que essa aliança resulte de uma coligação pós-eleitoral. É isto o que diz claramente o artigo 106.º da Constituição, reforçado pela alínea d) do artigo 85º. O Presidente está vinculado constitucionalmente a ponderar esta alternativa, a ouvir previamente os partidos com assento parlamentar e, neste quadro, a decidir em consciência qual é a melhor solução para o país e para a democracia.
No cenário mais improvável, Timor-Leste deu-nos um grande exemplo de maturidade democrática. Uma crise que arrasou as forças armadas e policiais entre golpes e contra-golpes, suscitou acusações por crimes não esclarecidos até hoje, provocou incalculáveis prejuízos e criou dezenas de milhares de deslocados que ao fim de um ano ainda aguardam o regresso aos seus lares desfeitos. Seria uma grande surpresa que um partido que governou em condições muito dificeis não fosse penalizado eleitoralmente por tantas esperanças frustradas.
Mas, em democracia, é aos representantes eleitos que o povo confia a interpretação da sua vontade. Seja qual for a decisão que o Presidente vier a tomar, não é concebível que destas eleições longamente esperadas e sofridas estoicamente resulte uma fórmula precária de governo que venha a cair no chão do Parlamento ou que defraude as esperanças legítimas que inspiraram o voto popular.
A confiança na democracia de que os timorenses nos deram testemunho exemplar não merece destino tão fruste.
Caixa: O sentido da mudança política passará pelos oito deputados do Partido Democrático que constituem a charneira da nova geografia parlamentar.
NOTA DE RODAPÉ:
Caro Pedro,
Não existe uma receita única para "as melhores práticas democráticas", mas o melhor ingrediente é com certeza o bom senso e a insenção do Presidente da República, acima dos conselhos que pode receber de alguém que manifestamente prefere uma solução que passa por náo permitir que o partido mais votado seja convidado a formar governo.
A penalização da FRETILIN de que tanto fala esgota-se no acto eleitoral. O resultado que expressamente e sem qualquer dúvida dá a vitória das eleições legislativas à FRETILIN não pode ser "penalizado" por constitucionalistas ao serviço (mesmo que apenas por amizade) do CNRT.
E caro Pedro,
Porque não aconselhar Carmona Rodrigues, Fernando Negrão e Helena Roseta, respectivamente os segundo, terceiro e quarto lugar nas eleições á Camara de Lisboa, a formarem uma aliança contra o seu camarada de partido, o candidato socialista António Costa, que apenas obteve 29% dos votos (exactamente o mesmo valor com que a FRETILIN ganhou as legislativas) e proporem eles um Presidente da Camara?
Caro Pedro,
Não posso deixar de concordar consigo quando diz que " ...em democracia, é aos representantes eleitos que o povo confia a interpretação da sua vontade".
Por isso mesmo, vamos deixar o deputados eleitos se pronunciarem em sede própria no meomento próprio, através do seu voto livre e consciente, no Parlamento Nacional.
terça-feira, julho 17, 2007
Timor-Leste: Constituição, democracia e governabilidade
Por Malai Azul 2 à(s) 12:31
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
Traduções
Todas as traduções de inglês para português (e também de francês para português) são feitas pela Margarida, que conhecemos recentemente, mas que desde sempre nos ajuda.
Obrigado pela solidariedade, Margarida!
Obrigado pela solidariedade, Margarida!
Mensagem inicial - 16 de Maio de 2006
"Apesar de frágil, Timor-Leste é uma jovem democracia em que acreditamos. É o país que escolhemos para viver e trabalhar. Desde dia 28 de Abril muito se tem dito sobre a situação em Timor-Leste. Boatos, rumores, alertas, declarações de países estrangeiros, inocentes ou não, têm servido para transmitir um clima de conflito e insegurança que não corresponde ao que vivemos. Vamos tentar transmitir o que se passa aqui. Não o que ouvimos dizer... "
7 comentários:
"...por constitucionalistas ao serviço (mesmo que apenas por amizade) do CNRT."
Aos olhos do PBV, "apenas por amizade" é uma critica tão virulenta como se afirmasses que era por interesse.
Deves-lhe uma desculpa.
"Concelho" de um “amigo”
Uma das razões que foi apontada para a crise de Março / Abril de 2006 foi o facto da constituição estar mal concebida.
Na prática levou à célebre cena “ou se demite o Sr. ou me demito eu” e a criticas pouco abonatórias pelo Xanana, estilo “a constituição vale o que vale”.
Nessa altura, os Australianos vieram a correr esgrimir com um estudo do “King’s College” sobre a constituição Timorense, no qual, basicamente, dizia-se que esta era decalcada na Portuguesa e que criava “castelos” em torno de cada instituição ou órgão de poder, não permitindo soluções flexíveis em tempos de crise. Embora as pessoas não se tivessem dado conta, foi um momento de grande tensão entre os lusófonos e os anglófonos em que tudo voltou a “estar em aberto” (legislação e língua oficial).
A crítica por parte dos Australianos era assertiva: a legislação Timorense era decalcada na portuguesa e portanto desajustada à realidade do país e, como tal, inoperacional. Mais, era uma constituição que fomentava crises institucionais como a ocorrida entre Xanana e Alkatiri.
Sempre defendi a constituição Timorense, por duas ordens de razões: primeiro, porque era português; segundo porque considero que é “um texto ideológico muito bonito” uma “peça de arte”. Agora, tenho algumas dúvidas que seja operacional para um país asiático, ainda para mais da dimensão de Timor.
Aliás, tenho algumas dúvidas que alguém em Timor lhe dê alguma relevância e que a maior parte dos políticos a tenha sequer lido. A lei nada mais é do que um regulador da vida social e parece que esta constituição (saída directamente da Universidade do Minho) regula muito pouco da vida Timorense.
"Porque não aconselhar Carmona Rodrigues, Fernando Negrão e Helena Roseta, respectivamente os segundo, terceiro e quarto lugar nas eleições á Camara de Lisboa, a formarem uma aliança contra o seu camarada de partido, o candidato socialista António Costa, que apenas obteve 29% dos votos (exactamente o mesmo valor com que a FRETILIN ganhou as legislativas) e proporem eles um Presidente da Camara?"
Porque todos eles pelo menos ainda restam alguma confianca na maioria mais votada ou seja que era deficil harmonizar as diferencas existente entre as forcas menos votadas. Em caso de Timor-Leste ninguem quer coligar com a Fretilin, primeiro porque se extinguiram toda a esperanca e segundo porque os 4 partidos comungam um so ideal de sublime importancia que e "LIBERTAR O POVO DE TODAS AS MALICIAS SOCIAIS" que durante os 5 anos a Fretilin estava tentando preservar para os seus proprios beneficios politicos. Os 4 partidos da Alianca sabem bem que entre eles existem diferencas mas com consciencia de que estas diferencas se tornariam em vantagem e forca para o bem do povo. A fretilin durante os 5 anos, as diferencas eram visto como ameaca que se devia combater.
Desde que esta alianca nao va contra a Constituicao qual e a duvida? O artigo 106 explicitamente diz: o PM e indigitado pelo partido mais votado OU pela Alianca dos partidos com maioria no Parlamento. Neste sentido o que a Constituicao quer era defender uma situacao que evite um futuro chaos Institucional capaz de prejudicar os servicos em beneficio do povo. A Contituicao e criada em defesa do povo. Como tal quer ele dizer que se o partido mais votado nao reune condicoes para governar entao que haja outra alternativa e em nosso caso a Alianca e a alternativa mais constitucional. Acho que e inconstitucional se o presidente so por motivos de chantagens pliticas aceitar a Fretilin formar o governo. Ele deve defender a Constituicao que e defender o estado, o povo.
A Alianca parlamentar com maioria no Parlamento so se pode saber depois da eleicao. Portanto e Constitucional a Alianca dos 4.
Lehi
Meu Caro Pedro
Teres dado notas altas ao Juizes em Portugal no estágio quando estes nada ou pouco sabiam, alem de injusto para com todos os outros juízes que se esforçam e são competentes já é OBRA mas agora vê se por favor és um pouco mais justo ou então se te actualizas um pouco é que o tempo da "outra senhora" já foi porque o viver em democracia é deixar que o povo decida e se o povo decidiu quem quer ver no poder então que seja feita a vontade destes, independentemente da vontade do Presidente da República ou de quem quer que seja.
É que os timorenses não são os ciganos de Braga...
Felicidades
Concordo com a nota de rodapé. Esta questão que nos apaixona tem mais de política do que de Direito. Sabendo que o Presidente tem duas opções ao seu dispor, resta-nos debater qual delas deve ser tomada e porquê, tendo em conta os supremos interesses da Nação, mas também o espírito da Constituição: como eu já disse anteriormente, não se pode interpretá-la de modo a pôr os perdedores à frente dos ganhadores.
Salvaguardadas as diferenças no figurino legal de cada situação, há uma questão que emerge sempre: a verdade do voto popular não pode ser traída.
Esse paradigma do que se passa na Câmara Municipal de Lisboa é bem elucidativo: nesse caso ninguém estranha que um candidato "minoritário" (mas que foi o mais votado) tenha a prerrogativa de escolher o seu executivo.
Por outro lado, seria inesperado e surpreendente que esse direito fosse atribuído ao conjunto dos perdedores, encontrado que estava – e assumidamente só com esse fim - um habilidoso estratagema para inverter o resultado eleitoral.
Como eu também já disse, a soma de várias minorias não equivale necessariamente a uma maioria, ainda que os seus titulares o jurem. Dar a governação ao conjunto dessas minorias, isso sim, seria consagrar uma "minoria sociológica" (ou pior ainda, psicológica), pois analisar esta eleição à luz da segunda volta das presidenciais é um puro exercício de ficção.
Por último, as maiorias parlamentares contam-se por votos de deputados, sendo cada um deles soberano, não de partidos ou de “alianças".
Deixem os deputados votar segundo a sua consciência. Ou será que alguém tem medo de perder no Parlamento aquilo que não conseguiu ganhar nas urnas?
Lehi: afinal em Lisboa também ninguém se quis coligar com o António Costa, também ninguém lhe passou um cheque em branco e também ninguém contesta que ele tenha o direito de formar a sua vereação como bem entender e de governar em minoria.
E tal como em Lisboa também em Timor-Leste só será possível ajuizar que o governo tem condições para governar depois de haver governo e este começar a governar.
Assim também aconteceu com os governos minoritários de Mário Soares, Cavaco Silva e António Guterres. E com o governo de coligação pós-eleitoral (mas liderado pelo partido mais votado) de Durão Barroso e Santana Lopes.
Entregue-se pois ao partido mais votado a tarefa de indicar o PM.
Nada, rigorosamente nada o impede e é o respeito pela vontade popular e o bom-senso que o aconselha.
”Deixem os deputados votar segundo a sua consciência. Ou será que alguém tem medo de perder no Parlamento aquilo que não conseguiu ganhar nas urnas?”, pergunta muito bem o H. Correia, que põe o dedo na ferida.
É que todos eles sabem da tremenda eficácia da Fretilin em agregar vontades, talentos e disponibilidades para as pôr ao serviço do desenvolvimento do país.
Eles conhecem o sentido prático da Fretilin para resolver os problemas complicados e em fazer omoletes quase sem ovos. Eles sabem como a Fretilin deu a volta às gravíssimas questões da saúde, como está a dar a volta às questões da educação e particularmente ao ensino da língua Portuguesa.
Eles conhecem bem a determinação da Fretilin em implementar o Plano de Desenvolvimento Nacional e em atingir os objectivos do Milénio.
E principalmente eles conhecem a ferocidade da Fretilin na defesa da independência, da soberania e do desenvolvimento do país.
E enquanto eles têm projectos de curto prazo (o CNRT é para durar 5 a 10 anos, confessou o Xanana à Visão), eles sabem que o projecto da Fretilin vem de há 32 anos e não tem limite temporal, precisamente porque o projecto de LIBERTAÇÂO de um povo e de INDEPENDÊNCIA de uma nação nunca está concluído é uma tarefa diária e constante.
Enviar um comentário