sexta-feira, outubro 13, 2006

A Propósito do Inglês e da Escusa a um Convite

Expresso das Ilhas (Cabo Verde) - 12 de Outubro de 2006

(o Autor deste artigo não é identificado no site deste jornal)

Há dias falando com um bom amigo sobre a minha escrita nos jornais manifestei-lhe o desejo de a abandonar e expliquei-lhe os meus motivos mais epidérmicos. Estava num dia em que havia experimentado directamente um dos efeitos desses motivos por mim invocados. Esse meu amigo, no seu jeito de irmão mais velho porque sempre o fora, mais em comportamento do que propriamente na idade, aconselhou-me a ponderar bem as minhas razões não sem me mostrar, na sua opinião, a desprezibilidade relativa de algumas delas terminando como sempre com: Mas a decisão é tua!

Reflecti muito e, vítima do enorme défice democrático de uma sociedade profundamente maniqueísta, se não é branco é preto, em que o afã de certos esbirros ávidos em mostrar serviço encontraram em mim um alvo que lhes dá satisfação, concluí que na verdade devia parar por um período indeterminado e longo.

Esta é a segunda vez que me sinto tentado a retomá-la (a escrita). A primeira foi quando ainda há bem pouco tempo a minha mulher me falou de um excelente artigo que um nosso comum amigo escrevera numa sua coluna num jornal digital. Abro aqui um parêntesis para dizer que de uma maneira geral não leio os jornais digitais nacionais. Friso, nacionais. Não para poupar a minha vista, já de si muito cansada (também pela idade) ou porque eles não me merecem igual respeito dos impressos, mas porque ainda gosto de sentir o manuseio do papel e o cheiro característico com os quais me familiarizei e me condicionei ao longo de tantas décadas de leitura assídua de jornais. Fecho aqui o parêntesis.

Pois bem, esse amigo dissera no seu artigo que Koffi Annan “acertara em cheio” na escolha do Dr. Mascarenhas Monteiro, para o seu representante no Timor-Leste. E o meu texto iria no sentido não só de me associar a ele, mas também de lhe fazer um pequeno ajustamento ou precisão semântica. Koffi Annan, na verdade, não «acertara», mas elegera ou nomeara aquele que pelas missões desempenhadas, ao longo destes últimos anos mais garantia lhe dava de sucesso de um trabalho sem sombra de dúvidas espinhoso num país em que se fala e se escreve o português, pelo menos, a nível da sua Administração. Não era pois uma questão probabilística de carácter aleatório, mas a leitura correcta de um perfil baseado em desempenho.

Não seria nem de perto de longe a primeira missão diplomática importante de Mascarenhas Monteiro depois de ter deixado de exercer as funções de Presidente da República, cargo em que se empenhara com toda a dignidade e total isenção e rigor. Senão vejamos:

Em Dezembro de 2001 Mascarenhas Monteiro, chefiou a delegação da OUA na missão de observação das eleições legislativas no Gabão; em Março de 2002 presidiu o Grupo de Contacto da OUA enviado a Madagáscar para mediar o conflito surgido na sequência das eleições presidenciais; em Abril de 2004 foi enviado especial da OIF (Francofonia) no Haiti chefiando uma grande delegação aquando da “renúncia” de Jean-Bertrand Aristide e da confusão gerada; em Fevereiro de 2005 chefiou uma outra Delegação de Alto Nível da OIF enviada ao Togo, a seguir à morte do presidente Eyadema e a tomada do poder pelos militares. Estas são apenas algumas das mais importantes missões político-diplomáticas que Mascarenhas Monteiro realizou depois de ter deixado a presidência e que culminaram com os convites, ainda em 2005, para presidir uma Comissão de Juristas da União Africana para estudar o caso de Darfur (aceitou e à última da hora problemas pessoais impediram-no de o concretizar) e, recentemente, para ser representante do secretário-geral das Nações Unidas em Timor-leste.

Mas a aceitação ou recusa do honroso convite era, na minha opinião, uma questão pessoal e, por isso, pensei que o caso estava arrumado não obstante se tratar de uma matéria de âmbito público; e que não se voltaria a falar dele. Rei morto rei posto, assunto encerrado como o próprio frisou.

Repescar o acontecimento como os media australianos o fizeram só pode ser por um profundo sentimento de culpa no recuo de Mascarenhas Monteiro e vergonha pela escabrosa e desastrosa intervenção que os seus compatriotas tiveram no processo da sua indigitação e nomeação. Queriam ter um representante amedrontado e condicionado – um homem de mão. Foram apanhados de surpresa. Saiu-lhes o tiro pela culatra.

As NU estão no Timor-Leste para resolver os problemas do país e não da Austrália ou Indonésia. Por muito importante que seja o domínio da língua inglesa não pode ser mais importante que o português ou o tétum. Foi por isso (obviamente não só!...) é que tão bem lá esteve o brasileiro Sérgio Vieira de Melo…

A puerilidade com que tentam agora justificar a recusa, ou melhor, o recuo de Mascarenhas Monteiro é deveras assustadora. Os argumentos políticos são apenas levianos. Não merecem qualquer comentário aprofundado quando toda a gente sabe que os negócios (latu sensu) do Timor-Leste, em termos de domínio, só podem ser discutidos e disputados entre a Indonésia que está estranhamente muito calada e a Austrália… A relação de Portugal com Timor-Leste é de ordem sentimental e tem tido, para o primeiro, enormes custos financeiros a fundo mais que perdido o que não vai acontecer com a Austrália como se verá no futuro. Quem não está lembrado da factura (não é uma metáfora, é real) apresentada pelos EUA ao Kuwait por o ter desembaraçado da ocupação iraquiana, obrigando-o a recorrer à banca?!...).

Mas quando é sabido que Xanana Gusmão é casado com uma australiana que anunciou em Sidney, Austrália, aquando da crise política que afastou Mari Alkatiri que o seu marido ia assumir (inconstitucionalmente, ele que é o garante da Constituição) as pastas da Defesa e da Segurança, na véspera dele o fazer (o anúncio) em Timor, está tudo dito quanto à posição da Austrália e do envolvimento de Xanana com esse país. Aí é que está o busílis – um homem rigoroso e íntegro como o Dr. Mascarenhas Monteiro no meio de uma trapalhada, podia perfeitamente “atrapalhar”...

Perguntem ao Koffi Annan porque é que não publicitou no prazo estipulado a nomeação de Mascarenhas Monteiro? É essa demora que permitiu a Mascarenhas Monteiro interrogar-se e em consequência recolher os dados subjacentes a essa demora e decidir pela recusa. Estes são os factos. Aliás, não se trata propriamente de uma recusa mas de um recuo perante novos dados uma vez que o convite tinha já sido aceite.

Afirmar que a língua estaria na base da desistência de um cargo tão honroso é considerar aligeirado e negligenciado o funcionamento das nomeações nas NU e também não conhecer Mascarenhas Monteiro que nunca teria aceite o lugar se não se soubesse capaz de o desempenhar bem.

É certo que Mascarenhas Monteiro não domina tão bem o inglês como o faz com o francês. Mas fala-o e entende-o. O grave é que também fala muito bem o português que é precisamente o que os australianos e os seus “amigos” (dos australianos) timorenses não querem.

Mas será que Koffi Annan e o seu “staff” não teriam analisado exaustivamente o curriculum de Mascarenhas Monteiro antes de lhe endereçar o convite? Não sejamos ingénuos!...

O ex-representante das Nações Unidas em Timor-Leste, o japonês Sukehiro Hasegawa, não diz uma palavra sequer de português ou de tétum, línguas de Timor. Ao que se sabe até tinha dois intérpretes angolanos para o português – a única maneira de dialogar com os timorenses, os directos interessados na representação da ONU. Thabo Mbeki, o presidente sul-africano, que se saiba não domina o francês, mas é o mediador para a paz em Côte D’Ivoire. Angola, no auge da guerra e das crises de reconciliação, teve Margaret Anstee, anglófona (britânica) e o malogrado Allioune Blondin Beye, francófono (maliano) e tinham ambos intérpretes em quem confiavam. Sir Ket Masire da Botswana esteve no Congo como representante das NU e não dominava o francês. Enfim, podia apresentar uma mancheia de representantes que não dominavam a língua do país ou das Nações Unidas para a região e alguns as duas coisas. O recurso a intérpretes e tradutores permanentes nas missões internacionais ad hoc tornou-se corriqueiro. Por isso, é bom que se avive a memória de que não se trata da nomeação de alguém para um departamento das estruturas convencionais das Nações Unidas no Timor-Leste mas sim da escolha de uma personalidade que represente o secretário-geral para uma missão específica, o que é coisa bem diferente no arranjo dos requisitos prioritários.

Não me sentiria bem se deixasse passar em claro aquilo que me pareceu não só uma infantilidade como uma ofensa, ao atribuir motivos tão ligeiros e levianos a um recuo que ninguém duvida tenha sido ponderado e sopesado com a menção expressa da defesa da dignidade pessoal e da do povo cabo-verdiano.

Há quem alvitre que, com o recuo de Mascarenhas Monteiro, Cabo Verde e a África perderam uma grande oportunidade de afirmação e de contribuição para a resolução dos problemas à escala global. Plenamente de acordo. Só que essa afirmação e contribuição não podem ser feitas à custa da nossa dignidade. E nisto, também e sobretudo, é-se juiz em causa própria!

A terminar este texto que já vai longo, muito mais que a princípio desejei, gostaria de citar o Primeiro-Ministro de Timor-Leste Dr. Ramos Horta: “Com a desistência de Mascarenhas Monteiro, quem sai a perder é Timor-leste!”.

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Traduções

Todas as traduções de inglês para português (e também de francês para português) são feitas pela Margarida, que conhecemos recentemente, mas que desde sempre nos ajuda.

Obrigado pela solidariedade, Margarida!

Mensagem inicial - 16 de Maio de 2006

"Apesar de frágil, Timor-Leste é uma jovem democracia em que acreditamos. É o país que escolhemos para viver e trabalhar. Desde dia 28 de Abril muito se tem dito sobre a situação em Timor-Leste. Boatos, rumores, alertas, declarações de países estrangeiros, inocentes ou não, têm servido para transmitir um clima de conflito e insegurança que não corresponde ao que vivemos. Vamos tentar transmitir o que se passa aqui. Não o que ouvimos dizer... "
 

Malai Azul. Lives in East Timor/Dili, speaks Portuguese and English.
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