Excelentíssimos Senhores
Presidente do Parlamento Nacional,
Primeiro-Ministro,
Presidente do Tribunal de Recurso,
Membros do Governo,
Deputados,
Autoridades Civis e Religiosas
Representante Especial do Secretario-Geral da ONU,
Membros do Corpo Diplomático e Consular,
Bem Amado Povo de Timor-Leste,
Excelências,
É com muita satisfação que volto hoje a esta Magna Casa do Povo para vos falar.
Uma nova sessão legislativa é um sinal importante do funcionamento regular das nossas instituições democráticas.
Os trabalhos do Parlamento Nacional constituem uma mensagem de confiança nas instituições e no nosso sistema político depois dos desafios exigentes que enfrentámos nos últimos anos – e que soubemos vencer com a generosa ajuda dos verdadeiros amigos do povo de Timor-Leste, em particular as Nações Unidas.
O povo sabe como trabalhámos para enfrentar a crise, porque o viu com os seus olhos, me viu perto, sentiu a minha presença física, ou as minhas frequentes comunicações ao País, nos momentos mais difíceis das suas vidas. Lembro as noites em que a nossa cidade capital estava completamente deserta, sem um único carro a circular - não se via uma única alma nesta nossa cidade, testemunha e vítima de tanto sofrimento.
Eu era a única figura solitária a percorrer a cidade, todas as noites, com o único elemento do Corpo de Protecção Pessoal que não me abandonou.
Em minha casa recebi centenas de deslocados, mulheres e crianças. Entre eles estavam também sete elementos da PNTL, da guarnição de Gleno. Entrei nos bairros em pleno fogo. Falei com as mulheres em pânico e a chorar. Falei com os jovens que incendiavam casas. Visitei os locais de recepção dos deslocados.
Percorri a nossa fronteira terrestre de Sul a Norte, inspeccionando todos os postos de fronteira, inspirando coragem e disciplina nos guardas de fronteira, estes abandonados, sem recursos.
O Estado parecia ter ruído. Estava ausente. A minha presença era a ilusão de que o Estado estava ali com o povo, em todo o lado.
A pouco e pouco o Estado reafirmou-se. Vieram as eleições de 2007. O meu irmão Xanana me persuadiu a concorrer às eleições presidenciais. Como sempre, ouvi-o. Aceitei o desafio e a cruz. Durante o período da campanha eu dizia ao povo:
“Qualquer que seja a vossa decisão nas urnas, eu serei sempre vitorioso. Se me rejeitarem, serei vencedor porque ganhei a minha liberdade. Se votarem em mim, serei vencedor porque ganhei a Presidência da Republica – e uma cruz de madeira pesada”.
O nosso bem-amado povo entregou-me a Cruz, uma pesada Cruz que hoje transporto e quero levar para o bem do país e do povo. O peso desta Cruz não parece tão grande, porque o partilho convosco, Irmãos Xanana, Fernando La Sama, Taur Matan Ruak, Lu’ Olo, Mari Alkatiri, membros do Governo, Deputados, os nossos venerados Bispos, a comunidade internacional.
No dia 11 de Fevereiro, Deus fez-me um teste. Fui baleado. Estive na fronteira entre a Vida e a Morte. Vi o Vale da Morte. Mas Deus quis que eu regressasse a Ramelau, o Monte da Vida desta grande Terra – e dali contemplei a Esperança do nosso povo.
A todos vós, com quem tenho partilhado o transporte desta Cruz só posso agradecer com sincera humildade.
Excelências,
A consolidação das condições de estabilidade no nosso amado país é a minha primeira prioridade desde que tomei posse como Presidente da República.
Defini-me como Presidente dos pobres e dentro dos limites dos poderes constitucionais reais que possuo ou que derivam da autoridade moral da mais alta função no país, tenho procurado sempre mobilizar os recursos nacionais e internacionais para a luta contra a pobreza do povo que considero ser um imperativo moral e condição “sine qua non” para a paz e a estabilidade nacionais e internacionais.
A minha preocupação em ajudar os pobres levou-me a lançar em 2000 um dos primeiros programas de micro-crédito no nosso país, o “JRH Micro-Credit for the Poor”, gerido pela NGO “Timor Aid”.
Em 2005, convidei o Prof. Muhamad Yunis, pioneiro do conceito de micro-crédito, fundador do Grameen Bank de Bangladesh, também conhecido como o Banco dos Pobres, a visitar o nosso país.
Convicto de que a luta contra a pobreza é também uma luta pela justiça e pela paz, propus o Prof. Yunus para o Prémio Nobel de Paz – prémio que ele veio a receber em 2007.
Sei que não sou o único defensor dos pobres. Os senhores Primeiro-Ministro e Presidente do Parlamento Nacional, os senhores deputados, os ilustres ex-titulares dos órgãos de soberania, a nossa Igreja e outras confissões religiosas, a sociedade civil, a comunidade internacional, estamos todos motivados pela nossa consciência de servirmos a causa dos pobres para que as centenas de milhões de pobres, no nosso país e no mundo, venham a ter uma vida melhor.
Como sabem, acabo de regressar de uma viagem que me levou a Nova Iorque para participar nos trabalhos da 63.ª Sessão da Assembleia Geral da ONU, na qual fui acompanhado pelo Sr. Ministro de Negócios Estrangeiros, Dr. Zacarias Costa.
Como sabem, temos uma Missão Permanente junto as Nações Unidas desde 2002, a qual funcionou inicialmente num espaço generosamente cedido pela Missão Portuguesa junto a ONU. A partir de 2005 pudemos arrendar um espaço próprio e digno para albergar a nossa Missão, chefiada pelo actual Vice-Primeiro Ministro Sr. José Luís Guterres, figura muito estimada por todos. Foi sucedido por um diplomata de carreira, o Sr. Embaixador Nelson Santos, o qual em pouco tempo granjeou o respeito e amizade de muitos dos seus colegas diplomatas e dos funcionários da ONU. Temos uma modesta Missão em termos de recursos humanos, mas todos são muito dedicados e competentes granjeando respeito e simpatia pelo nosso País.
A minha presença em Nova Iorque foi também a resposta a um convite do Secretário-geral Ban Ki-Moon para participar na Cimeira do Millenium Development Goals. A Sra. Ministra de Finanças Dra. Emília Pires esteve presente, tendo tido uma agenda rica com muitos contactos úteis.
A minha participação na 63.ª Sessão da Assembleia Geral da ONU, - assim como na abertura dos Jogos Olímpicos de Beijing e em outros grandes encontros internacionais em que se reúnem líderes de todo o mundo -, foi uma ocasião importante não só pelo facto de me ter dado a oportunidade de falar directamente para os representantes de alto nível presentes quando discursei na Assembleia Geral, mas sobretudo também pela oportunidade de rever velhos amigos, estabelecer novos contactos, informa-los pessoalmente dos progressos registados no nosso país e trocar impressões sobre a situação internacional, como, entre outros assuntos, a situação na Birmânia, que para Timor-Leste e os nossos vizinhos constitui uma prioridade.
Depois de Nova Iorque fiz uma visita de trabalho a Berlim para participar no programa anual da Fundação Quadriga que todos os anos reúne centenas de personalidades alemãs, de todos os sectores, assim como alguns convidados internacionais.
(Dei instruções aos meus assessores para que no prazo de duas semanas após o meu regresso ao país, seja enviado um relatório dessa viagem ao Senhor Primeiro-Ministro para distribuição a todos os membros do governo e para o Senhor Presidente do Parlamento Nacional para distribuição aos senhores deputados, em particular aos membros da Comissão B. Este procedimento aplica-se também às minhas deslocações no país).
I. Promoção do diálogo
A acção que tenho desenvolvido ao longo dos primeiros 16 meses do meu mandato de Presidente da República (assim como quando fui Primeiro Ministro nos meses muito difíceis de 2006) tem sido sempre dirigida para promover o diálogo, para resolver ou prevenir conflitos sociais e políticos no nosso país, restaurar a paz e a segurança, estabilizar as nossas instituições, sarar as feridas na nossa sociedade. Estou absolutamente determinado a continuar este caminho.
Quando olhamos para a situação no país nos anos 2006 e 2007, percebemos facilmente os passos muito positivos que já demos. O pesadelo de 2006 passou.
II. Peticionários
Vejo com satisfação que algumas soluções para resolver o problema dos peticionários, que eu próprio defendi e ajudei a negociar quando ainda exercia as funções de Primeiro-Ministro do II Governo Constitucional, estão a ser aplicadas pelo IV Governo, promovendo o equilíbrio entre o interesse dos peticionários e a necessidade de paz da grande família timorense.
III. Deslocados
No mesmo sentido, saúdo e manifesto-vos o meu apoio ao importante esforço que está a ser realizado para a normalização da vida dos timorenses deslocados das suas casas e dos seus bairros.
Os passos que estão a ser dados e que eu próprio promovi quando era Primeiro-Ministro mostram como a situação do país evoluiu, positivamente, nos últimos 16 meses.
Quero aqui felicitar o Senhor Primeiro-Ministro pelo seu empenhamento pessoal, directo, na resolução da questão dos peticionários e dos deslocados.
Uma palavra muito especial para a Senhora Ministra da Solidariedade Social, a nossa irmã Micató, pelo seu profissionalismo, generosidade e dinamismo no processo de regresso dos deslocados a suas casas e a uma vida mais digna. A nossa irmã Micató é um modelo e exemplo a seguir por todos, incluindo por mim.
Mas permitam-me aqui uma referência merecida ao excelente trabalho, dedicação e profissionalismo do ex-Ministro Arsénio Bano, que serviu comigo no II Governo Constitucional. Trabalhámos juntos quase diariamente a acudir às vítimas da violência de 2006, a desenvolver um processo de diálogo, o chamado Simu Malu, em condições extremamente difíceis. Para si, Senhor Deputado Arsénio Bano, o meu sincero agradecimento pelo que trabalho que desenvolveu em apoio às vítimas da crise.
Quero também referir o empenho dedicado e competente dos meus dois Vice-Primeiro Ministros, Eng. Estanislau da Silva e Dr. Rui Araújo, e de todos os nossos ministros, assessores nacionais e internacionais e dos funcionários públicos, os quais apesar da crise e no meio dela souberam fazer funcionar o aparelho do Estado, garantindo o funcionamento dos serviços básicos e indispensáveis em Díli e no resto do país.
Se hoje elogio o Senhor Primeiro-Ministro Xanana Gusmão pela sua dedicação, capacidade de liderança, pela sua intervenção pessoal e directa para resolver os bloqueios na governação, a forma serena como enfrentou o desafio resultante do irracional atentado de 11 de Fevereiro, não seria justo que esquecesse a acção dos membros do I e II Governo Constitucionais naqueles meses mais difíceis da nossa vida colectiva.
As condições mudaram a tal ponto que permitiram, finalmente, implementar as soluções que eu sempre propus para ultrapassar dois problemas graves, que eram problemas sociais, mas que tinham uma forte carga política e uma influência muito negativa na confiança da população, dos agentes económicos e até dos parceiros de Desenvolvimento, como o caso dos Deslocados e dos Peticionários.
IV. Defesa e Segurança
Esta mudança positiva só foi possível depois da participação empenhada, competente e cuidadosa das nossas forças de Defesa e de Segurança, apoiadas pela UNPOL e pelas Forcas Internacionais de Estabilização (ISF).
Mas igualmente e acima de tudo, mais do que os meios de intervenção repressivos, foi a nossa própria população que face aos trágicos e tristes eventos de 11 de Fevereiro disse um NÃO claro e firme à violência, contribuindo assim para este período de muita tranquilidade e segurança, de optimismo e esperança, que vemos hoje na nossa capital e nos rostos dos seus habitantes.
Os efectivos das F-FDTL e da PNTL, sob a liderança política do Senhor Primeiro-Ministro e a liderança operacional firme e profissional do comando conjunto, souberam trabalhar com grande maturidade política e com grande capacidade operacional para – quase sem disparar um tiro – isolar e depois neutralizar a ameaça à segurança após os trágicos e tristes eventos de 11 de Fevereiro.
Quero aproveitar esta oportunidade para sublinhar o meu reconhecimento aos homens e mulheres das F-FDTL, da PNTL, ao Comando Conjunto e, igualmente, ao Governo que soube promover a solução e supervisionar a sua realização, plena de êxito.
As F-FDTL e as Falintil que lhes deram origem são há mais de 30 anos um exemplo para toda a nossa nação.
O país que temos hoje nasceu da inteligência, da maturidade e da dedicação e espírito de sacrifício de milhares de homens e mulheres que fizeram a resistência. Muitos tombaram antes de ver o resultado vitorioso da sua luta, mas são hoje um exemplo e uma inspiração para todos nós. Sem todos eles, não estaríamos hoje aqui.
E mesmo depois da libertação, nos últimos 10 anos, têm sido ainda as F-FDTL a garantirem equilíbrio e segurança e paz, mesmo nos difíceis momentos das crises porque passámos.
O comandante das Falintil-FDTL, o General Taur Matan Ruak, personifica o espírito de humildade, coragem e grande seriedade que conquistaram para as forças armadas a admiração e o respeito de todos nós. Em nome do povo, quero reiterar-lhe o meu agradecimento sentido.
Temos todos de pensar no futuro e em criar ao país as melhores condições para que esta geração de militares patriotas e empenhados possa gradualmente passar o testemunho da sua capacidade e experiência à nova geração.
O sacrifício que lhes pedimos e continuamos a pedir tem naturalmente limites e estes homens e mulheres merecem usufruir de uma vida familiar e pessoal, depois de terem subordinado tudo aos interesses do país.
Mas a verdade é que essa passagem de testemunho tem de ser preparada e não se faz, nem pode fazer-se de um dia para o outro, sem um investimento e um compromisso permanente com a formação dos efectivos e os planos de modernização e desenvolvimento das nossas forças.
A urgência de desenvolver esse investimento e de prosseguir esse compromisso é um apelo que aqui deixo, como prioridade para todos os níveis do nosso Estado.
Quanto à PNTL, por outro lado, é importante lembrar que, em 2006, nem toda a PNTL em Díli se desmoronou.
Testemunhei pessoalmente a coragem de um grupo de homens e mulheres da UIR que não abandonaram os seus postos e que não se envolveram na irracional e falsa dicotomia loro monu-loro sae.
Fui visita-los ao Quartel da UIR no dia 26 de Junho de 2006. Vi-os chorar, homens e mulheres, ante a dramática situação na nossa cidade. Ao inspector Armando Monteiro que me recebeu uma palavra de reconhecimento pela atitude que soube assumir naquela altura.
Nunca esquecerei também aquele momento, como tantos outros de drama, numa noite em que visitei os feridos no Hospital Nacional Guido Valadares, homens e mulheres das F-FDTL e da PNTL, filhos do mesmo povo, ali gravemente feridos acolhidos no mesmo hospital, enquanto os seus familiares vertiam lágrimas de dor. Foi um pesadelo.
Quero elogiar também aqui o Director da Academia de Policia Inspector Júlio Ornai que soube com profissionalismo e coragem manter a Academia em pleno funcionamento e acolhendo centenas de deslocados. No dia 24 de Julho 2006, em plena crise e como Primeiro-Ministro, fui testemunhar a graduação dos agentes da Academia de Polícia. Vi a dignidade e a seriedade com que essa cerimónia foi realizada, apesar dos momentos de instabilidade e incerteza que vivíamos. Os meus parabéns ao Inspector Júlio Ornai e aos que o acompanharam e souberam enfrentar as dificuldades.
Outro bom exemplo de disciplina e de seriedade é o da unidade de reserva de polícia que se manteve no cumprimento dos seus deveres, sob a direcção do Inspector Apolinário da Purificação. A URP soube manter-se em Aileu sem divisões e responder profissionalmente aos pedidos do poder político, contribuindo dessa maneira para a segurança num momento de instabilidade.
E quero lembrar ainda os homens e mulheres dos serviços de Emigração da PNTL que não abandonaram os seus deveres e contribuíram com dedicação para manter a segurança das fronteiras e o respeito pela soberania do país. A estes e a todos os efectivos da PNTL que souberam portar-se à altura da sua farda, mesmo nos momentos mais difíceis, deixo aqui uma palavra de elogio.
A recordação destes factos, ajuda-nos a perceber como estamos hoje perante condições novas e diferentes que é muito importante saber aproveitar em favor do desenvolvimento do país e da melhoria da vida do povo.
A estabilização da situação de Segurança foi um passo essencial para criar a confiança do povo e para atrair, no futuro, o interesses e o investimento dos empresários mas não é, só por si, suficiente. É também necessária a estabilidade política.
V. Cooperação institucional
Desde que tomei posse como Presidente da República, promovi e estimulei a coordenação da acção dos órgãos de soberania na esfera do Sector da Segurança.
Eu, o senhor Presidente do Parlamento Nacional e o senhor Primeiro-Ministro acordámos num mecanismo simples e flexível de consulta sobre as iniciativas a desenvolver nesta área sensível e prioritária da vida nacional.
A experiência tem-se revelado positiva e deve continuar a desenvolver-se, em todos os aspectos da Reforma do Sector da Segurança, sobretudo, no que respeita ao Desenvolvimento das F-FDTL, de acordo com a orientação geral do Plano 2020, e à reforma, consolidação e formação da PNTL.
As novas condições de Segurança têm de ser acompanhadas de condições de estabilidade institucional ao nível do funcionamento do Estado.
Uma cooperação sã entre os órgãos do Estado é indispensável para consolidar e desenvolver a confiança no futuro do país e nas possibilidades da nossa economia por parte do povo, dos empresários e dos parceiros do Desenvolvimento.
A consolidação da confiança nas instituições do Estado é, agora, uma chave para o nosso futuro. Sem essa chave, não é possível abrir a porta do investimento, da criação de empregos e da construção de infra-estruturas que conduzam a uma melhoria real da vida do povo.
Presidente da República, Governo, Parlamento, Justiça – temos todos a responsabilidade de contribuir, em diferentes níveis e em cada passo da nossa actividade, para a estabilidade institucional e para as boas relações entre os órgãos de soberania.
Temos de trabalhar permanentemente para melhorar a comunicação entre órgãos de soberania.
Cada órgão de soberania, de acordo com a Constituição, tem as suas competências próprias. Isso, evidentemente, não está nunca em causa.
Cada um deve assumir plenamente as suas competências. Mas isso não impede o dever de uma permanente abertura ao diálogo institucional.
Os órgãos de soberania não se afirmam em competição uns com os outros. Pelo contrário, a coordenação entre órgãos do Estado é indispensável para conseguirmos obter bons resultados. As instituições ainda jovens do nosso Estado só podem afirmar-se, quando conseguirem trabalhar em conjunto ao serviço do povo.
A colaboração entre líderes e o diálogo entre órgãos do Estado são um exemplo que é necessário dar a toda a Nação. São o sinal, ao mais alto nível, da aceitação entre timorenses e do caminho da reconciliação nacional.
Esta é uma elevada responsabilidade que recai sobre cada um de nós. Saber encontrar as melhores formas de comunicação entre instituições e saber adoptar uma cultura de articulação e de humildade: essa é a única maneira de remarmos todos para o mesmo lado, para reduzir a pobreza e melhorar a vida do povo.
A credibilidade das instituições terá de ser o principal capital do Estado timorense e é esse capital que devemos em cada acto do Estado tentar acumular e aumentar.
Quero felicitar o Governo pelas iniciativas que está a promover no âmbito do combate à corrupção. Temos de ter em atenção que as alegações de corrupção aumentaram e é necessário que o governo, através das instituições existentes, investigue todas as alegações e encaminhe os respectivos resultados para a Procuradoria-Geral da República.
Essa é a forma mais eficaz de combater o fenómeno e também de combater os boatos e as insinuações de má-fé dirigidas à credibilidade dos que exercem o poder. Temos de ser inflexíveis contra a corrupção, para promover uma cultura de honestidade na sociedade, conquistar o respeito do povo e aumentar o capital de credibilidade e de rigor das nossas jovens instituições.
VI. Valorizar o Parlamento Nacional
Neste processo de consolidação e maturidade institucional, temos de valorizar cada vez mais o trabalho do Parlamento Nacional, a começar pelas condições de que os deputados da Nação dispõem para desempenhar bem as suas funções.
A melhoria das condições de trabalho e da qualidade dos seus debates prestigia o Parlamento Nacional e aumentará o respeito que a Nação sente pelos seus representantes eleitos.
Todas as iniciativas do Parlamento Nacional, em articulação com o Governo, para melhorar a qualidade do debate parlamentar, a influência dos trabalhos do Parlamento e para aumentar a consideração e o respeito do povo pelos representantes eleitos terão sempre o meu apoio.
VII. Luta Contra a Pobreza
Tenho-me batido igualmente pela convergência de vontades no campo das políticas do Estado para o alívio da pobreza e para o desenvolvimento local.
Esta é uma prioridade nacional fundamental, com impacto na Segurança, na legitimação institucional e na coesão social e nacional.
Nenhum timorense deve ficar à margem desta prioridade nacional. Esta é uma área em que o diálogo e a comunicação entre órgãos de soberania deverá desenvolver-se, rapidamente, envolvendo, o governo, o parlamento e a Presidência da República, porque não resta qualquer dúvida de que essa coordenação é essencial e indispensável para uma maior eficácia dos esforços do Estado para alívio da Pobreza.
VIII. Parlamento da Juventude
No mesmo sentido, devemos desenvolver a articulação entre órgãos de soberania em torno das políticas de Juventude. A conciliação harmoniosa entre os valores tradicionais timorenses e os valores da abertura ao mundo e da modernização da nossa sociedade requerem políticas de Juventude que mobilizem o empenhamento de todo o Estado no seu êxito. Por isso, a comunicação e coordenação de iniciativas entre órgãos de soberania nesta área serão um contributo importante para atingir bons resultados.
Estarão lembrados todos da iniciativa que lancei de promover a criação de um Parlamento da Juventude, a qual foi saudada pelo Senhores Presidente do Parlamento Nacional e pelo Senhor Primeiro-Ministro.
Agradeço aqui o apoio muito importante da UNICEF. Tem havido muitas consultas sobre este projecto o qual poderia ser inaugurado no Verão de 2009.
Um Parlamento da Juventude, eleito directa ou indirectamente por jovens, órgão que funcionaria uma ou duas vezes por ano, com a duração de duas semanas cada, seria uma excelente escola de formação de líderes para além de constituir um fórum importante de diálogo e fonte de recomendações construtivas para o Governo e Parlamento Nacionais.
Quero sublinhar de novo, que as competências próprias de cada órgão do Estado ao nível das diferentes políticas não estão em causa. Mas a convergência de esforços e de vontades entre órgãos de soberania têm um poder multiplicador nos bons resultados das políticas sectoriais e reforçam a confiança do povo na acção das instituições e dos líderes. Temos o dever de trabalhar em conjunto para não falhar.
IX. Reconciliação e Justiça
Um outro campo dos esforços para a estabilidade da nossa nação está no trabalho para a pacificação das comunidades e a reconciliação entre todos os timorenses.
Para isto devemos revisitar as várias iniciativas de reconciliação que foram sendo acolhidas em Timor-Leste, nomeadamente através de um debate sério e alargado das suas Recomendações, contribuindo para tratar de forma idêntica as situações que sejam idênticas e tratar de forma diferente as situações que sejam diferentes.
É o que a justiça (que nos faz olhar uns para os outros como iguais no mesmo destino) nos manda fazer.
A preocupação de fazer Justiça levou à criação de uma Unidade de Crimes Graves e de uma Comissão de Acolhimento, Verdade e Reconciliação.
As ofensas menos graves foram objecto do trabalho da Comissão e, portanto, do regime legal de uma justiça restaurativa, adequada para promover o bom entendimento futuro com os agraciados.
Mas as ofensas mais graves não puderam ter o mesmo tratamento sob pena de injustiça e de ser factor de desconfiança, perda de harmonia e da paz social.
A comunidade internacional acolhe e aconselha esta diferença de abordagem da Justiça e de tratamento dos diferentes tipos de ofensa.
No caso de Timor-Leste, os crimes de guerra, os crimes contra a humanidade, os homicídios premeditados e os crimes sexuais, foram enviados à Unidade de Crimes Graves criada pela UNTAET, mas não foi possível obter a colaboração das autoridades indonésias nesse domínio punitivo. Apenas foram condenados timorenses.
A UNTAET como entidade legal que administrava Timor-Leste sob mandato do Conselho de Segurança podia ter requerido a este mesmo órgão da ONU a criação de um Tribunal Internacional especial para julgar os crimes de 1999. Mas não o fez. E não o não fez pelas mesmas razoes que o Estado democrático renascido em 2002 decidiu não requerer a criação de um Tribunal Internacional para julgar os crimes de 1999 ou de 1975-1999 como tem sido exigido por alguns e como consta na longa lista de recomendações do Relatório da CAVR.
A minha postura nesta matéria já foi muitas vezes articulada e conhecida de todos. Aliás a minha postura era a politica do então Presidente da Republica e do I, II e III Governo Constitucionais e é hoje política do IV Governo Constitucional.
É importante e positivo salientar que apesar de as nossas instituições serem jovens, tem havido sentido de Estado, tem-se conseguido criar consensos, tem havido previsibilidade, continuidade e estabilidade em muitas questões de interesse nacional.
Quero aqui, uma vez mais e em definitivo, com total franqueza, repetir o que já o disse várias vezes, desde quando era Ministro de Negócios Estrangeiros: Não apoiarei a recomendação de sectores da nossa sociedade ou da CAVR para se requerer a criação de um Tribunal Internacional para Timor-Leste. Explico as razões desta minha postura.
X. A Indonésia e a transição para a democracia
O regime do Gen. Suharto que se instalou após os eventos trágicos de 1965-66 foi apoiado por todos os países do Ocidente dada a importância da Indonésia no período da guerra fria, importância estratégica acrescida, aliás, no pós-guerra do Vietname.
Como todos nós sabemos alguns dos maiores amigos e aliados do regime foram os EUA, a Inglaterra, a Austrália, a Alemanha, o Canada, o Japão.
Em 1997-1998 uma grave crise económico-financeira abalou o Sudeste Asiático, começando pela Tailândia. A Indonésia foi o país afectado mais duramente e, na sequência de manifestações estudantis, o regime do Gen. Suharto chegou ao fim, abrindo as portas para o diálogo e a resolução do conflito de Timor-Leste.
Em Maio de 1995 numa entrevista à CNN (Programa “Diplomatic Licence”, com Richard Roth) eu prognostiquei que o regime de Suharto não duraria mais dois ou três anos, e que cairia sob o peso da corrupção, da má governação e da perda de credibilidade. E o regime caiu no dia 21 de Maio de 1998.
O povo indonésio libertou-se pela segunda vez. E no dia 30 de Agosto de 1999 o nosso povo foi às urnas e - com coragem e sabedoria – votou pela independência.
As consequências trágicas dessa coragem são de todos conhecidas. Foi mais um preço que foi preciso pagar para a libertação do povo.
O povo indonésio foi vítima da Guerra Fria, assim como o nosso povo, do confronto ideológico e estratégico entre as duas super-potencias que vitimou milhões de seres humanos em muitas regiões do mundo, desde o Sudeste Asiático, à África Austral e do Corno da África à América Central.
A transição para a democracia na Indonésia foi difícil, complexa, violenta. Mas em pouco tempo a sociedade Indonésia soube ultrapassar esse período extremamente difícil e a democracia parece estar consolidada. Uma das importantes reformas na Indonésia tem sido no sector de Defesa e Segurança, verificando-se cada vez mais a limitação do poder dos militares em questões políticas e económicas.
Mas os desafios e ameaças externos e internos continuam a existir. Os movimentos extremistas e terroristas como Al Qeida e Jemal Islamiah continuam a apresentar uma ameaça ao país apesar dos sucessos alcançados pelas forças de lei e ordem.
No Timor Ocidental milhares de famílias timorenses foram acolhidas com generosidade em 1975 e depois em 1999 e ali continuam a viver em total tranquilidade. Em Java e Sumatra residem outros milhares de timorenses e mais de 4 mil estudantes.
A nossa fronteira terrestre comum é pacífica, graças à excelente cooperação entre as nossas forcas de fronteira, apesar de, no nosso lado, as condições de infra-estrutura e logística serem extremamente precárias. Devíamos até reconhecer que quem garante a segurança na fronteira para as duas partes tem sido o exército indonésio TNI.
A Indonésia retirou-se de Timor-Leste respeitando o Acordo de 5 de Maio de Nova Iorque e não porque ela tivesse sido derrotada militarmente. Os Tribunais Internacionais ad hoc foram sempre criados, e só, para julgar aqueles que foram derrotados militarmente. Isto é o exemplo dos Tribunais de Nuremberga, Tokio, ex-Jugoslávia, Ruanda, etc.
E logo a seguir à sua saída, que foi traumática para todos, os novos dirigentes indonésios imediatamente caminharam ao nosso encontro para a reconciliação e a normalização de relações.
A Indonésia não virou as costas a Timor-Leste. Podia tê-lo feito. Mas optou por uma atitude de Estado e tem procurado sempre apoiar-nos.
Por tudo o exposto, pesando as relações de extrema importância que Timor-Leste goza com a República da Indonésia e pesando todas as consequências politicas que possam pôr em causa os nossos interesses nacionais, eu sempre me opus a requerer ao Conselho de Segurança a criação de um Tribunal Internacional ad hoc para Timor-Leste.
XI. A Justiça como um Direito Colectivo
A Justiça não se realiza apenas em actos individuais. A Justiça pode ser também como um manto colectivo, que abarca toda uma comunidade, e muitas vezes só se obtém verdadeira Justiça desta forma.
A ocupação de Timor-Leste de 1975 a 1999, a repressão e os abusos, os crimes perpetrados, as cumplicidades internacionais na negação da justiça aos timorenses, constituíram actos de injustiça colectiva.
Por outro lado, em 1999, deve considerar-se que um acto de Justiça restaurativa colectiva teve lugar, com o reconhecimento pela Indonésia e pela comunidade internacional do mais elementar direito dos povos – o direito a autodeterminação. Esta é a justiça suprema – o reconhecimento e o respeito pela nossa liberdade.
Entretanto, as recomendações da Comissão de Acolhimento, Verdade e Reconciliação (CAVR) ainda não foram discutidas aqui no Parlamento Nacional, debate que importa venha a ocorrer o mais brevemente possível.
Depois uma outra iniciativa, a CVA, foi inaugurada pelo presidente Xanana Gusmão e Dr. Mari Alkatiri, pelo lado timorenses, e pelo presidente Susilo Bambang Yudhoyono, pelo lado indonésio, em 2005. Trata-se de outro processo único, inovador, corajoso, visionário de revelação da verdade e da justiça. Foi ditado pelas complexidades das situações internas de Timor Leste e da Indonésia.
A minha presença aqui hoje nesta Casa do Povo serve também para formalmente entregar ao Parlamento Nacional o Relatório Final da Comissão de Verdade e Amizade.
Este documento foi entregue aos dois Chefes de Estado, de Timor-Leste e da Indonésia, com a presença do Senhor Primeiro-Ministro e Ministros de Negócios Estrangeiros dos nossos dois países, numa cerimónia simples mas solene em Denpassar, Bali, no dia 15 de Julho passado.
Informei então a Indonésia do meu compromisso de entregar estas conclusões a este Parlamento e de promover sobre elas o mais amplo debate nacional.
É importante levar por diante um debate coordenado e sistemático sobre as recomendações que resultaram do trabalho de ambas as comissões - a CAVR e a CVA.
Ambas propõem a criação de uma instituição para o acompanhamento da implementação das suas conclusões.
Considero indispensável que esse acompanhamento seja feito de modo integrado e sistemático, se queremos que ele conduza ao curar de feridas ainda existentes na comunidade.
Eu não ignoro o cepticismo e críticas aos trabalhos da CVA, quer no plano interno, quer da comunidade internacional.
Mas, é necessário não perder nunca de vista que o relatório da CVA representa um progresso e passo muito importante no caminho das relações entre Timor-Leste e a Indonésia.
A CVA e as suas conclusões mostram, sobretudo, o caminho árduo percorrido, entretanto, pela República da Indonésia num processo de democratização desse grande país – um processo que é relevante também para nós.
O trabalho corajoso e digno da CVA é ilustrado pelas afirmações corajosas dos líderes, reconhecendo responsabilidades das autoridades, em particular responsabilidades institucionais militares e policiais.
A declaração conjunta, em que os líderes das nossas duas nações manifestaram remorso por um passado ainda recente prova o empenho, a dignidade e o esforço sincero dos dois Estados no caminho da consolidação de relações de amizade, depois de tantos anos de violência.
Devemos assim tomar com a maior seriedade e atenção as recomendações da CVA. Algumas já começaram a ser implementadas – tanto na Indonésia como entre nós.
É o caso da recomendação talvez mais importante - a reforma do sector da segurança, um projecto prioritário cuja coordenação e acompanhamento, no caso de Timor-Leste, eu próprio assumi desde o início do meu mandato.
A importância desta recomendação da CVA é central na consolidação democrática e no desenvolvimento das relações de amizade entre os nossos dois países. Ela abrange desde logo o problema da segurança nas fronteiras e do fortalecimento dos mecanismos de gestão fronteiriça.
Caminhamos para a criação de zonas de paz na fronteira entre Timor-Leste e Timor Ocidental, por recomendação da Comissão em convergência com uma ideia que venho defendendo há muito tempo.
XII. O longo caminho da Paz
Acredito, por dura experiencia própria, que a paz em qualquer região do mundo exige um processo longo e complexo, de visão, sábia liderança e muita paciência, por parte de todos os maiores interessados: não há atalhos para a paz.
Tem de ter raízes na comunidade, estar entre todos, crescer dentro de nós, nos nossos lares, nas nossas escolas, aldeias e vilas.
É deste modo que as várias tentativas de nos reconciliarmos com o passado têm sido testemunho de um bom compromisso com a construção da paz: encaremos com determinação e liberdade de palavra as recomendações da CAVR e CVA.
Já lá vai muito tempo e, agora, o nosso horizonte é o de uma caminhada para o bom entendimento e as tarefas exigentes do desenvolvimento, do investimento, do combate à pobreza e da melhoria gradual do nível de vida do nosso povo.
Povo Amado de Timor-Leste!
No sexto aniversário da Constituição da nossa República e primeiro aniversário da minha posse nas funções de Presidente, eu utilizei uma das competências que a constituição me confere – a competência para Perdoar – ao serviço deste objectivo nacional de reconciliação e de amizade, perdoando uma parte das penas que estavam a ser cumpridas por elementos das antigas milícias.
Aqueles perdões, na sequência, aliás, de outros perdões que o presidente Xanana Gusmão concedeu, foram cuidadosamente avaliados e ponderados.
Os agraciados que cumpriam penas por crimes mais graves tiveram, em todos os casos, de cumprir 8 anos de prisão consecutivos, pelo menos.
Não houve esquecimento da violência dos crimes revoltantes que alguns dos perdoados tinham cometido: em todos esses casos eles ficaram assinalados como graves violações dos direitos humanos.
Mas, infelizmente, não houve outras condenações relevantes, em especial dos principais autores da violência.
É importante julgar e condenar os autores dos crimes. Essa é a minha atitude e a minha posição, desde o início e mantenho-a.
Mas, quando falamos da reconciliação e amizade entre Timor-Leste e a Indonésia, seria Justiça não dar uma segunda oportunidade de redenção aos poucos timorenses que enfrentaram a Justiça do Tribunal e foram condenados?
Devemos lembrar-nos de que os elementos das milícias cujas penas eu perdoei foram pessoas que - ao contrário dos outros todos - pagaram alguma parte da sua dívida à sociedade.
Seria Justiça transformá-los em bodes expiatórios de todos os outros crimes que eles não cometeram e que as investigações e os tribunais deixaram até agora na impunidade?
O perdão que o Presidente da República concedeu não diminui em nada a censura pelo mal que foi feito. Mas o perdão convida a sociedade de Timor-Leste a um gesto de grandeza: desistir de vinganças, perdoar o mal que sofremos (mesmo sem o esquecer) e dar uma segunda oportunidade aos nossos irmãos desorientados.
Aquilo que os perdoados farão com esta segunda oportunidade eu não sei. Mas convido todos os timorenses a rezarem para que seja uma oportunidade de arrependimento. O resto, está nas mãos de Deus, não está nas nossas.
Às famílias das vítimas eu deixo aqui o meu testemunho de solidariedade. Eu sei o que é esse sofrimento, nenhuma família timorense – infelizmente – o desconhece, porque todas perderam entes queridos em décadas de violência e abusos.
Mas, ao mesmo tempo, peço-lhes um gesto de caridade cristã, um gesto de humildade, de perdão.
É no desafio de perdoar ao nosso irmão, que Deus mais nos põe à prova.
É difícil de aceitar. Os valores de Cristo não são fáceis de acompanhar e, se o fossem – quem sabe – não teriam o mesmo valor redentor. Mas eu apelo a todos os timorenses para fazerem esse gesto de caridade e perdão, nas suas vidas, nas suas comunidades.
Só o perdão e o fim da violência podem ajudar o nosso país a avançar e a ter um futuro melhor.
Só o perdão pode provar que a paz e a reconciliação são mais fortes que a violência.
Em todo este contexto, eis o sentido favorável do perdão presidencial que procurou ir ao encontro das necessidades da justiça que governam o sentimento do povo, que aspira a um futuro de convívio e união, ultrapassadas as fricções e as roturas do passado.
As responsabilidades depois de serem assumidas no colectivo, deixaram para trás as culpas pessoais: como lidar com justiça, então, nos poucos casos em que houve condenação, senão através do perdão?
Previno: também não podemos confundir os acontecimentos de 1999 com a crise de 2006. Nesta, há uma enorme diferença, porque não existe qualquer dever jurídico internacional do Estado de Timor-Leste julgar crimes de dimensão nacional.
Em 1999, sim, perante violências e infracções conscientes do direito internacional.
Em 2006, precisamente por não terem ocorrido eventos de tão severa gravidade, deve avançar-se séria e rapidamente para uma solução de Justiça restaurativa.
As medidas de justiça restaurativa adequam-se melhor às aspirações quotidianas da maioria, ao seu desejo de paz e tranquilidade e aos compromissos do reatar das suas vidas.
O sentimento do perdão e de reconciliação beneficia o bem comum e a felicidade dos que são nossos e nos pertencem.
Esta diferença tão clara e marcada entre a natureza dos acontecimentos de 1999 e de 2006 justifica que já não haja no presente apreensões de ordem internacional em relação a Timor-Leste. E por isso mesmo os timorenses podem dar livre curso às soluções político-sociais que preferem e que melhor correspondem ao seu sentir para refazer a sociedade que é nosso e só nosso.
XIII. Relações Internacionais
Começo por partilhar convosco as minhas preocupações sobre a grave crise económica e financeira que está a afectar os EUA e alguns países europeus. Esta é maior crise financeira desde os anos 30.
Os mercados financeiros estão em crise. Não há crédito, logo não há novos investimentos. Bancos e agências de investimento fecharam as portas. O pânico instalou-se em todos os mercados internacionais.
Esta crise vai afectar inevitavelmente as grandes economias da região como a China e a Índia. Havendo uma drástica redução de consumo nos EUA e Europa haverá afrouxamento do crescimento económico da China, Índia e outros países que tem tido um grande crescimento de para cima de 7% ano. Milhões de pessoas perderão os seus empregos. A instabilidade pode instalar-se em muitos países.
O preço de petróleo que atingiu os US$140/ barril desceu entretanto para menos de US$90.
As consequências para Timor-Leste não têm de ser totalmente negativas. A descida do preço do petróleo e a crise financeira mundial vai provocar baixa de preços de praticamente todos os produtos que nós importamos. Por outro lado, verifica-se uma pequena apreciação do dólar.
O governo tem de estar atento às implicações para o nosso país desta crise financeira e tomar medidas adicionais que visem prevenir impactos negativos maiores em Timor-Leste.
A criação do Fundo de Estabilização foi uma medida oportuna mas deve o governo ser extremamente prudente na sua gestão e aplicação. Qualquer mecanismo para a sua gestão deve envolver elementos dos partidos da oposição assim como personalidades qualificadas da nossa sociedade civil, uma vez que se trata de um instrumento especial para fazer face a circunstâncias extraordinárias e de interesse nacional.
Minhas Senhoras, meus Senhores.
O nosso país goza de relações privilegiadas com muitos países do mundo. Foi minha preocupação e missão como Ministro de Negócios Estrangeiros executar a política de Estado, traçada pelo então Presidente da República e Primeiro-Ministro, no sentido de normalizar relações com a Austrália e a Indonésia, desenvolver novas relações, com prioridade para a nossa região, mas não esquecendo a Europa e os EUA e consolidar as velhas relações com os países da CPLP, com quem construímos relações fortes. Quero reiterar aqui o reconhecimento do nosso povo pela sólida amizade com todos os irmãos da CPLP e em primeiro lugar pela ajuda generosa disponibilizada pelos nossos irmãos portugueses e brasileiros.
Do trabalho de integração do jovem Estado timorense na comunidade das nações nasceu também uma amizade com a República de Cuba, a cujos líderes agradeço a pronta disponibilidade para nos ajudarem com o conhecimento técnico sólido e solidário dos seus quadros em áreas tão importantes como a saúde pública e a alfabetização.
Timor Leste é hoje um país respeitado, firmemente alinhado com o campo da democracia e da liberdade e com relações internacionais sólidas em todos os quadrantes.
Como Presidente da República continuo a seguir a mesma política, existindo total sintonia entre o Presidente da República e o Primeiro-Ministro.
Depois da recuperação da minha saúde e de retomar as minhas funções, tenho desenvolvido um intenso programa de visitas aos países nossos amigos e aos parceiros de desenvolvimento, que com a sua assistência ajudam ao nosso desenvolvimento e contribuem para que Timor-Leste dê um salto para uma nova fase do nosso destino colectivo.
Por outro lado, assinalando de forma notável o rápido restabelecimento da normalidade e da segurança no país, Timor-Leste acolheu também importantes visitas de Estado e reuniões multilaterais igualmente importantes para o nosso futuro.
Todos estes contactos internacionais têm sido uma oportunidade fundamental para reafirmar aos nossos parceiros e amigos as prioridades do país e a manutenção do nosso rumo.
A todos tenho podido explicar que a nossa prioridade é: aliviar a pobreza, aliviar a pobreza, aliviar a pobreza.
Conseguir maior desenvolvimento e melhorar a vida do povo é o objectivo do nosso Estado, para o qual aqueles parceiros e amigos contribuem.
XIV. Austrália
Já falei da extrema importância das nossas relações com a Indonésia.
Falo agora das relações com a Austrália. Estas relações são igualmente importantes. Temos dois grandes vizinhos e bons vizinhos que muito têm feito para viabilizar o nosso Estado democrático. A Austrália é o nosso maior parceiro de desenvolvimento, orçamentando para Timor-Leste $50 milhões/ano. Alem disso mantém no nosso país, em parceria com a Nova Zelândia, outro país amigo, desinteressado, uma força de segurança cujo comportamento tem sido exemplar.
As ISF empregam mais de 300 timorenses e adquirem muitos géneros alimentícios produzidos pelos nossos agricultores.
Temos uma activa cooperação na área de defesa e segurança. A Austrália é o nosso parceiro natural nesta área.
Na área de defesa marítima, defendo que Timor-Leste, Austrália e Indonésia devem explorar formas de cooperação trilateral pois as nossas fronteiras marítimas se encontram e os nossos mares atraem actividades ilegais, as quais cada país individualmente não tem meios humanos e materiais para combater.
Mas a Austrália terá que ser mais sensível aos nossos interesses legítimos em trazer para Timor-Leste o gasoduto de Greater Sunrise.
O projecto do gasoduto não é um projecto político. É um projecto comercial e qualquer projecto comercial deve assentar em estudo técnico e económico, sério e aprofundado, com total isenção e neutralidade.
Aguardamos a conclusão dos estudos realizados pela Petronas da Malásia. Com base neste estudo Timor-Leste poderá melhor definir a sua posição e defender os seus interesses. Empresas com interesses comerciais no Greater Sunrise deveriam abster-se de fazer declarações prematuras que revelam falta de vontade de encontrar soluções mutuamente satisfatórias.
Cabe ao nosso governo e à Austrália definirem as áreas prioritárias de apoio ao desenvolvimento de Timor-Leste.
Mas atrevo-me a sugerir que um terço daquela ajuda seja investida em programas de desenvolvimento rural, como o apoio à agricultura familiar, captação de águas, melhoria das estradas que vão dos sub-distritos para os sucos, fornecimento de energia solar para as aldeias remotas e apoio a pequenos projectos de desenvolvimento comunitário como por exemplo a criação de animais.
Esta assistência poderia transformar a vida de uma grande parte da nossa população que nunca beneficiou da ajuda ao desenvolvimento.
XV. O papel da ONU
No início da crise de 2006 desloquei-me a Nova Iorque. Saí de Díli precisamente no dia 1 de Maio de 2006. No dia 5 de Maio discursei perante o Conselho de Segurança apelando para que uma nova missão mais robusta fosse activada para intervir em Timor-Leste. Não houve decisão imediata. Só em Agosto o Conselho de Segurança autorizou a UNMIT.
Dado o agravamento da situação em Díli na última semana de Maio, os líderes timorenses decidiram pedir apoio directo a alguns países amigos, a Austrália, Malásia, Nova Zelândia e Portugal, que não hesitaram e em tempo recorde (sobretudo para Portugal dada a distância de 20 mil kms) fizeram desembarcar no nosso país efectivos consideráveis para restaurar a ordem e segurança em Díli.
A presença de uma nova missão da ONU com uma forte componente policial e de forças internacionais que estavam no posso país a nosso convite exigiam um quadro legal criativo, flexível e claro, que respeitando a soberania timorense, permitisse optimizar a operacionalidade das forças no terreno, a coordenação a nível político e operacional. Houve reservas e receios. Mas a experiência destes dois anos e meio tem sido muito positiva.
Em nome do nosso povo agradeço ao Secretário-geral e através dele a toda a família das Nações Unidas pelo apoio que tem sido dado ao nosso país. O Secretário-Geral segue com atenção especial a evolução da situação no nosso país.
Através do seu Representante Especial em Timor-Leste, o nosso amigo Dr. Atul Khare, quero agradecer em especial a todos os homens e mulheres que servem em Timor-Leste sob a bandeira azul de paz da ONU, pela sua dedicação e sacrifício.
O Dr. Atul Khare e os seus colaboradores mais directos, em particular o Sr. Finn Riske Nielsen, têm sido verdadeiros amigos do nosso povo, respeitadores dos seus líderes, dedicados e profissionais, trabalhando sempre muitas horas, incluindo fins-de-semana. A todos o meu sincero agradecimento.
Depois dos grandes desafios porque passamos todos, em Timor-Leste, sobretudo em 2006 e em 2007, podemos agora concentrar-nos de novo na prioridade nacional de melhoria da vida do povo, de alívio da pobreza e de atracção do investimento e criação de emprego.
Estes objectivos só poderão ser alcançados com perdão, reconciliação, paz social, tranquilidade nas comunidades e, é claro, políticas correctas e responsáveis por parte do Estado.
Ao Presidente dos timorenses cumpre portanto assumir, promover e contribuir para aquilo que é - e só é – dos timorenses: a vida colectiva, pacífica e esperançosa de Timor Leste, no perdão, na reconciliação e no refazer dos laços ancestrais que só a nós próprios dizem respeito.
Eu trabalhei dezenas de anos para termos liberdade de opinião e crítica. Por isso, eu respeito quem tem opinião diferente da minha. Mas o respeito afirma-se pelo exemplo.
Apelo a todos os timorenses e, em primeiro lugar, aos políticos e aos líderes para saberem medir – no exercício da sua liberdade e da sua responsabilidade – as suas diferenças de opinião, as suas críticas e as suas discordâncias.
Temos todos a mais alta responsabilidade moral, na maneira como escolhemos dar o exemplo ao país e ao povo.
É por isso que o perdão como elemento da estabilidade e dos esforços para a pacificação das comunidades reconciliadas de todos os timorenses está nas nossas leis, ao darem o sinal e serem o símbolo dos valores de um povo que se quer a olhar cara a cara na amizade, na solidariedade e na justiça.
Mas no rigor e na severidade do direito, distinguindo as intensidades negativas das diferentes injúrias e das violências. Sentido de medida que é nacional e prudência que vamos buscar em sintonia com toda a historia social da paz.
quinta-feira, outubro 09, 2008
Discurso de S.E. O Presidente da Republica José Ramos Horta proferido no Parlamento Nacional no dia 9 de Outubro de 2008
Por Malai Azul 2 à(s) 17:59
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Traduções
Todas as traduções de inglês para português (e também de francês para português) são feitas pela Margarida, que conhecemos recentemente, mas que desde sempre nos ajuda.
Obrigado pela solidariedade, Margarida!
Obrigado pela solidariedade, Margarida!
Mensagem inicial - 16 de Maio de 2006
"Apesar de frágil, Timor-Leste é uma jovem democracia em que acreditamos. É o país que escolhemos para viver e trabalhar. Desde dia 28 de Abril muito se tem dito sobre a situação em Timor-Leste. Boatos, rumores, alertas, declarações de países estrangeiros, inocentes ou não, têm servido para transmitir um clima de conflito e insegurança que não corresponde ao que vivemos. Vamos tentar transmitir o que se passa aqui. Não o que ouvimos dizer... "
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