quinta-feira, outubro 25, 2007

Dez Perguntas sobre Timor-Leste para as quais precisamos de Respostas *

TRADUÇÃO:

Política e Sociedade (Universidade Nacional de Singapura)- Volume 25 Número 4, 2006
Richard Tanter 1

Abstracto

Determinar a base social, política e económica da explosão de violência em Timor no início de 2006 leva a perguntas acerca da natureza e forma desse próprio conflito e das suas implicações para a política de segurança Australiana. Até as questões acerca da natureza das dinâmicas políticas recente em Timor-Leste e o cruzamento de políticas de patrocínio, ligações estrangeiras e a possível manipulação de identidades estarem determinadas, não podemos ter a certeza do tipo de conflito que enfrentam os Timorenses e os que os ajudam pondo em risco as suas vidas.

*Nota dos Editores: Este artigo, esboçado no meio da crise que irrompeu em Timor-Leste durante Abril 2006, é apresentado aqui como então foi escrito.

A característica dominante da cobertura de Timor-Leste em Maio e Junho tem sido confusão total, tanto no interior como no exterior do país. A narrativa simples e clara das duras décadas que levou a Setembro de 1999 dos bons Timorenses que procuravam a auto-determinação e dos maus militares colonialistas Indonésios foi substituída por dúvida e confusão tanto entre os Timorenses como entre os observadores do exterior. Mesmo observadores estrangeiros bem-informados admitiram a sua incerteza acerca do que estava de facto a acontecer e porquê – apesar de muitos de menos bem-informados não operarem sob tal contenção e ajudarem assim à confusão.

Os eventos violentos em Timor-Leste nas duas últimas semanas não deviam ter sido realmente uma surpresa. Houve avisos pouco explícitos nos media estrangeiros antes do motim das forças armadas há dois meses atrás. O comentário mais crítico fora do país até essa data concentrou-se em apenas duas questões – as tensões entre justiça e reconciliação por causa dos crimes dos militares Indonésios e das suas milícias Timorenses na altura da independência, e as falhadas e infelizes negociações entre o novo país recém-independente e a Austrália sobre a divisão dos rendimentos do petróleo e do gás dos campos do Mar de Timor.

Contudo durante o passado meio ano ou mais sinais perturbadores tinham escapado através do em geral benigno mas desinformado retrato do Timor-Leste pós-independência. Dois foram particularmente perturbadores. O primeiro foi o Relatório do Desenvolvimento Humano de 2006 para Timor-Leste do Programa do Desenvolvimento das Nações Unidas (UNDP 2006), mostrando que o país mais pobre duma região pobre estava a tornar-se acentuadamente mais pobre e mais desesperado, com quase todos os indicadores de saúde e de bem-estar colectivo em declínio. Depois de duas décadas e meia de depredações do colonialismo militar Indonésio, era era uma pírula amarga. O segundo sinal, com ainda piores conotações foi um relatório em Abril da Human Rights.

Mesmo sem mais conhecimento detalhado, estes eram suficientes para desencadear alarmes de que uma luta difícil para a auta-determinação era não mais do que uma condição necessária para a paz e segurança humana em Timor-Leste, e que havia algo mais para a explicação da miséria de muitos milhares de pessoas do que a antipatia contínua dos militares Indonésios e a arrogância e curteza de vistas do governo Australiano nas negociações do petróleo, importantes como sem dúvida eram.
Este é um momento em que precisamos de contar o estoque, de admitir a incerteza, e de explorar cuidadosamente as dinâmicas subjacentes duma situação que é tão complexa como é perigosa. Os media estão cheios de diagnósticos fulminantes, alguns dos suspeitos do costume (“Estados fahados” e “golpe de Estado Australiano” são as duas linhas populares de que muito ouvimos). Mas na realidade esta é a altura para um pouco de humildade entre os peritos e académicos estrangeiros.

Estão aqui dez perguntas para as quais precisamos algumas respostas substanciais e de preferência algum debate sério.

1. O que é que inibiu a administração de Alkatiri de responder de forma efectiva à rebelião das forças armadas e aos antagonismos entre as forças armadas e a polícia?Porque é que foram autorizadas que enraizassem as políticas divisoras de recrutamento das forças armadas e da polícia?

Os primeiros sinais públicos da rebelião apareceram há muitos meses atrás. Os que estavam por dentro deviam saber do sofrimento grave muito antes disso. Nada acerca do controlo das forças armadas em pequenos e fracos Estados devia ser permitido ser deixado à deriva. As únicas explicações oferecidas até à data têm sido ou em termos de personalidades, tanto no interior do Conselho de Ministros como no interior das Forças Armadas (FDTL) e da polícia (PNTL), ou abertamente em termos simples de “etnia” e região. As forças armadas recrutaram principalmente guerrilheiros ex-Falantil, por razão da sua sobrevivência, a maioria do leste do país. A polícia, desproporcionadamente do oeste, autorizou que antigos membros da força da polícia Indonésia, e de acordo com alguns, números substanciais da antiga milícia. Mas a questão chave não é acerca de políticas, mas porque é que o Conselho de Ministros não conseguiu ou não reverteu essas dinâmicas.

Para responder a isto, precisamos muito mais do que simples caricaturas de “mau Alkatiri, bom Gusmão”. Em certo grau essas políticas foram implementadas pela UNTAET antes da transição para a independência, mas permanece a questão do porquê de figuras políticas sofisticadas e perceptivas como Mari Alkatiri e José Ramos Horta seram incapazes de controlar os Ministros da Defesa (Roque Rodrigues) e Interior (Rogério Lobato), e o chefe das FDTL, Major-General Taur Matan Ruak. Para isso precisamos duma explicação mais clara das políticas da administração, e não abusos simples acerca de “Estados a cair”.

2. Quais têm sido as dinâmicas políticas chave na pós-independência de Timor-Leste?

Extraordinariamente pouca análise informada tem estado disponível sobre as políticas de Timor-Leste desde as eleições parlamentares de Agosto de 2001 e a subsequente eleição presidencial em Abril de 2002. Em resultado das eleições de 2001, a Fretilin tem 55 dos 88 lugares no parlamento, e o seu líder Mari Alkatiri é primeiro-ministro. Muito tem sido dito por comentadores estrangeiros acerca da impopularidade de Alkatiri mas até às eleições agendadas para o fim deste ano ou princípio do próximo, isto nunca foi testado. Mais seriamente, aqui na Austrália vimos pouca análise cuidadosa sobre o estado real da Fretilin, o papel desempenhado pelo partido na administração de Alkatiri, e a popularidade e posicionamento dos mais substanciais partidos da oposição, como o Partido Democrático.

A condução menos que democrática do recente Congresso da Fretilin não ajudou as coisas nem internamente nem externamente, deixando o partido mais vulnerável a acusações de favoritismo e conivência e encobrimento da ineficácia do Conselho de Ministros.

Além da recente cuidadosa mas breve revisão de Helen Hill sobre as características e conquistas actuais da abordagem política de Alkatiri (Hill 2006b), quase que não houve nenhuma cobertura séria dos media Australianos dos debates políticos em Timor-Leste nos anos recentes, além da questão das negociações do petróleo e do gás, questões da política de línguas, e a reconciliação vs. Justiça para os acusados de crimes de guerra.

Questões fundamentais acerca do custo de vida, pobreza, saúde, a distribuição dos benefícios dos rendimentos do petróleo e do gás para o povo do país, e os efeitos actuais do orçamento do governo e ajuda estrangeira nas comunidades e infraestrutura do pais – todas as quais são matéria de grande debate no interior de Timor-Leste e de análise cuidadosa nos círculos Timorenses e de política exterior – não foram relatados nos media de maior expansão.

3. É a moldura de “tensões étnicas” e “os do leste vs. Os do oeste” a chave real para as dinâmicas políticas actuais, ou há algum outro factor organizador por detrás dos tumultos?

Observadores de há longo tempo da sociedade Timorense e da política estão ambos cépticos e surpreendidos com a profundidade deste divisor. Esta é uma velha divisão que parecia ter perdido muita da sua saliência durante a guerra da resistência contra um inimigo comum. Helen Hill (2006a) tem argumentado que os padrões de casamento mostram uma realidade muito mais complexa, e variada. Além de que, como ela sublinhou, a maioria das organizações políticas de facto atravessam este “divisor”, com membros de ambas as regiões. E seja qual for o caso, o uso preguiçoso de “tensões étnicas” é certamente impróprio num país tão diverso etnicamente. Se isto é um divisor, real ou fabricado, é à volta de matérias regionais de benefícios e privações.

Contudo as divisões das forças armadas e da polícia expressaram-se elas próprias certamente ao longo desta linha de fractura. O aumento na polícia de gente da parte do oeste do país que tiveram relações mais próximas com os ocupantes Indonésios mostram que não é simplesmente uma matéria de geografia ou de “etnia”. Em vez disso “leste/oeste” tornou-se de certo modo pelo menos um reflexo da questão não resolvida do reconciliação vs. justiça, e das políticas de patrocínio. Isto não é de modo algum para dizer que a divisão é uma miragem, mas que precisamos de olhar com muito mais profundidade em como a divisão regional cobriu outras linhas de conflito que nada têm a ver com as regiões.


Mais importante, quase que não temos nenhuns relatos informados sobre as dinâmicas políticas dos usos e promoção desta divisão no seio das forças armadas e da polícia ou entre os bem-organizados perturbadores da ordem. “Organizadores de conflitos” é um termo bem ajustado aos que exploram situações confusas como esta. Sabemos que mensagens de texto em telemóveis – algumas baseadas em medos honestos, algumas com a intenção de fabricar medo com base em informação falsa – foram habilmente usadas para criar terror, confusão e fuga. Sabemos também que perturbadores da ordem e equipas de jovens alvejaram indivíduos particulares – para queimar casas, pilhar agências e departamentos governamentais, intimidar e nalguns casos matar – foram coordenados por telemóvel. Gangues criminosos usaram também telemóveis para coordenar pilhagens. A questão chave é quem é que estava a coordenar essas acções de desestabilização política? Há mais do que um grupo da elite a usar tais tácticas? Quem estava a coordenar com quem? Parece ser uma situação complexa com mais de um conjunto de oposições bem como de oportunistas diferentes envolvidos.

4. O que é que a Austrália conhece das dinâmicas da violência em Timor-Leste desta vez?

Conquanto os media Australianos tenham relatado a violência em termos de bandos de jovens vagabundos e de grupos estranhos de pessoal da polícia e das forças armadas, divididos ao longo de linhas “leste/oeste”, o governo Australiano sabe de certeza que não é correcto este retrato de jovens sem objectivo e da aparentemente espontânea violência. As organizações dos serviços de informações Australianos – especialmente a nossa agência electrónica de recolha de informações, a Divisão dos Sinais da Defesa – têm os meios para apanhar, descodificar e analisar todas as conversas de telemóvel e de rádio em Timor-Leste. Sem dúvida que os Serviços de Informações Secretas Australianos teriam retido algumas das suas anteriores capacidades em Timor-Leste. Foi isso precisamente o que o DSD fez em 1999 e o que deu à InterFET uma vantagem tão decisiva sobre os militares Indonésios e as suas milícias. Tal como em 1999, o governo Australiano teria tido acesso a avisos prévios de grupos que estariam a planear alguns tipos de intervenção política. Na reunião desta semana, o Sr Downer parece ter intimado o Presidente Gusmão que a Austrália tinha tal informação sobre planeamento actual de tumultos. A questão chave então é o que é que o governo Australiano sabia por intermédio das suas fontes dos serviços de informações na organização da irrupção da violência, e com quem é que partilhou esse conhecimento? Em 1999 o governo Australiano manteve fora do conhecimento dos seus próprios cidadãos, do seu aliado Americano e obviamente do povo de Timor-Leste que ia ser vítima, os seus consideráveis conhecimentos dos avisos prévios à conflagração que estava a ser planeada pelo TNI.

5. Há factores externos a trabalhar – Australianos ou Indonésios?

Os que na Austrália procuram evidência de um “golpe Australiano” ficarão convencido pelos tipos do género de Greg Sheridan do Australian:

Se Alkatiri permanecer Primeiro-Ministro de Timor-Leste isto será com toda a certeza uma acusação chocante da impotência Australiana. Se se não puder traduzir o peso de 1300 tropas, 50 polícias, centenas de pessoal de apoio, pacotes de ajuda e uma missão de socorro internacional importante em suficiente influência para se livrar de um Primeiro-Ministro desastroso e Marxista, então não se tem muita habilidade nas artes de influência, tutela, patrocínio e por fim de se promover o interesse nacional (Sheridan 2006).

Sem dúvida que o governo Australiano preferiria alguém que não fosse o nacionalista em economia Alkatiri para liderar Timor-Leste. A questão real é se tal preferência o levaria a apoiar os homicídios e tumultos da presente irrupção, e a certa longa corrida desestabilizadora da política Timorense que agora se seguirá. Se medir, a resposta é não. Alkatiri e a Fretilin estão previstos enfrentarem uma eleição numa questão de meses em qualquer caso. A pressão grosseira e a arrogância Australiana está sem dúvida na ordem do dia, mas não, neste caso na feitura do golpe. Por outro lado, dada a postura de fanfarrão do Primeiro-Ministro Australiano e Ministro dos Negócios Estrangeiros, não é surpreendente que, como disse Loro Horta: “Muitos membro do governo de Dili estão muito mais preocupados com o abocanhamento Australiano do que com o de Jacarta.

Muitos acreditam que a Austrália e os USA estão de certo modo por detrás da crise” (Horta 2006).

Conquanto Horta encare esta noção como bizarra, os roncos das páginas da frente dos tipos como Sheridan alimentam a ansiedade e parecem reflectir as margens do pensamento do governo Australiano – pelo menos complicam a tarefa do pessoal da ADF e AFP no terreno.

Uma questão mais séria tem de ser posta acerca da intervenção Indonésia – ou mais precisamente, a intervenção por grupos particulares na Indonésia. Quando foi relatado – incorrectamente - que Mari Alkatiri tinha acusado a Indonésia de estar por detrás dos tumultos, o Ministro dos Estrangeiros Indonésio negou tal intervenção, e a sua negação deve ser tomada com seriedade. Mas isso não significa aceitá-la como boa. Muita coisa acontece no Estado Indonésio que já não continua sob o controlo do presidente e dos seus conselheiros. Em particular, eventos recentes na Papua demonstraram que a política pró-autonomia do presidente na Papua está a ser minada activamente pelos militares, pela agêscia de informações mais importante e pelo Ministério do Interior (Chauvel 2006). O que não quer dizer que há qualquer prova que qualquer uma dessas organizações – ou de organizações da sociedade civil a elas ligadas – tenham estado envolvidos em Timor-Leste, mas isso significa com certeza que a negação do Ministro dos Estrangeiros, apesar das suas honradas intenções, não é a última palavra na matéria. Mais ainda, desde a invasão da Indonésia em Timor-Leste em 1975 começou com a desestabilização por agências de informações da política Timorense, a história leva-nos a ser cautelosos, e com um olho nas ligações e outro fora da acção imediata.

O possível envolvimento Indonésio em pelo menos três elementos da violência e caos presentes precisam de ser examinados cuidadosamente. O primeiro são os dois ataques a depósitos de arquivos das investigações e testemunhos de crimes do período de 1975-1999, ambos Indonésios e Timorenses. A Unidade de Crimes Graves da ONU foi pilhada, com o roubo de arquivos que relatam acções criminosas de oficiais das forças armadas Indonésias, e o edifício do Secretariado da Comissão da Verdade e Reconciliação (CAVR) foi atacado por cerca de 100 homens armados. Não há nenhumas cópias dos materiais da CAVR guardadas fora de Timor-Leste.

A segunda questão que precisa de exame cuidadoso para qualquer traço de ligações Indonésias – oficial ou outras – é o comportamento da polícia Timorense. Acusada pelo Human Rights Watch de detenção ilegal e tortura, as ligações em curso de polícias de topo que começaram as suas carreiras na polícia Indonésia precisa de um escrutínio cuidadoso – especialmente no contexto “leste-oeste”, e o abandono de acções judiciais para crimes passados em favor da reconciliação.

A terceira questão é simultâneamente a mais importante e a mais difícil de avaliar: que grupos estão por detrás da organização dos tumultos, pilhagens e assassinatos das duas semanas passadas. Esta era realmente a pergunta de Alkatiri. As ligações na milícia não têm importância? Não têm relevância ligações do outro lado da fronteira para além de questões de proximidade?

Não há nenhuma ligação entre as intrigas da política Timorense com as actividades em curso de antigos líderes de milícia baseados na Indonésia com ligações de longo prazo aos serviços de informações Indonésios como Eurico Guterres? Mais importante ainda, o foco deve ser posto na organização do caos – se os formatadores Timorenses da violência são um único ou múltiplos e se actuam inteiramente sem ligações do exterior.

Estas são questões que têm de ser postas, e é do interesse dos democratas em Timor-Leste, Indonésia, e Austrália que sejam postas e respondidas. Dado o comportamento passado e o comportamento em curso tanto das forças armadas Indonésias como das agências de serviços de informações Indonésias, este tempo não é de se ficar ofendido simplesmente apenas porque se põem as questões. E dada a arrogância do comportamento do governo Australiano, a corrida cega para o estatuto de mini-hegemone regional, e o enganar à sua própria população acerca do que as suas agências de serviços de informações conheciam da última vez, há todas as razões para escrutinar as intenções e assunções de há longo tempo por detrás da intervenção Australiana.

6. Tem a Operação Astute adequados – e apropriados – recursos para a tarefa?

Assim em 1999 a intervenção armada Australiana era uma necessidade urgente, qualquer que fossem os danos subsequentes causados então pelo triunfalismo de Howard e dos seus ecos agora.

Mas desta vez há dúvidas muito reais acerca das capacidades Australianas. Não apenas é muito mais confusa a situação no terreno do que no caos orquestrado de 1999, mas como muitos comentadores já disseram bem, os recursos militares e de policiamento Australianos estão muito mais finamente esticados sobre uma série de conflitos. Pessoal militar especializado Australiano adequado para tais intervenções são de facto sempre em pequenos números – as três unidades que formam o Comando de Operações Especiais (o SAS e dois grupos de comando) e o grupo de batalha aérea das forças armadas, com o 3º batalhão (paraquedistas) Regimento Real Australiano (RAR).

A operação Astute está equipada com pessoal militar da Austrália, Nova Zelândia, Malásia e Portugal,e os USA emprestaram assistência logística. Tanto a Austrália como Portugal destacaram grupos de polícias, no caso Australiano, 57 oficiais da Polícia Federal Australiana. O pessoal militar Australiano é principalmente de 3 RAR – alguns acabados de regressar do Iraque (outros estão ainda destacados nas Ilhas Salomão) – e um número mais pequeno de 4 RAR.2 Confusão acerca de quem é o alvo, regras adequadas de engajamento, estratégia e simples falta de números inibiram a eficácia da força durante algum tempo depois de aterrarem. Ao mesmo tempo que foi estabelecido um grande grau de controlo físico, mesmo agora não há nenhuma protecção policial compreensiva contra pilhagens e assaltos, como demonstrou o ataque ao edifício da CAVR.

A pilhagem da CAVR demonstrou um outro lado da falta de capacidade da força de intervenção. Quando começou a pilhagem de massas organizadas ao edifício da CAVR – apenas motociclos foram levados no fim – os empregados Timorenses da CAVR chamaram a ADF, que lhes disseram que não tinham pessoal suficiente para lidar com ladrões nessa altura. O que é mais perturbador acerca disto não é tanto a falta de recursos como o falhanço de reconhecer a importância política e legal desses arquivos da CAVR e a necessidade de os proteger como uma prioridade. Isto tende a confirmar uma sugestão que a ADF – ou pelo menos a parte que tinha de desenvolver o papel de reacção rápida – estava preparado em termos de informações secretas e de preparação de línguas da mesma maneira que estava em 1999. É importante lembrar que esta é uma força internacional, com todos os problemas inerentes de tal formação – incluindo argumentos acerca do comando. 3 Os presentes compromissos militares, policiais e de informações no Iraque, Afeganistão, Ilhas Salomão e noutros sítios esticaram a capacidade Australiana para contribuir com uma força efectiva como pode ser necessário em Timor-Leste.

Mais ainda, as ambiguidades acerca das intenções Australianas a longo termo significa que tão cedo quanto possível será sensato alargar o carácter internacional da força de intervenção e de policiamento. Deixando de lado quaisquer argumentos acerca da ânsia (ou do absurdo) dos pensamentos da Austrália de hegemonia regional e do perigoso e louco envolvimento na catástrofe do Iraque, a realidade é que as capacidades Australianas são de facto bastante pequenas e vulneráveis tanto a colapsos como a descréditos.

Isto leva a questões acerca do desejo das forças Australianas ficarem em Timor-Leste por um período extenso, ou se será do interesses tanto de Timor-Leste como da Austrália para o governo Australiano pressionar o Conselho de Segurança para forças de substituição doutros países. Isto foi em 1999, e as possibilidades das forças altamente pressionadas e sobre-esticadas da ADF para cometerem erros numa situação confusa são muito mais altas – com custos políticos ainda mais altos. O facto da AFP estar agora para ser suplementada por 100 oficiais tirados das forças de polícias de Estado é uma prova clara acerca do sobre-esticamento em termos de números. Desnecessário dizer, os limites da noção de hegemonia regional mínima do governo de Howard são muito mais evidentes na Ásia do Sudeste do que no Pacífico.

7. Qual é o provável e desejável papel futuro das Nações Unidas?

Muitas vezes pareceu que os críticos do papel da ONU em Timor-Leste têm sido totalmente contraditórios, com uns a dizer que as Nações Unidas entregaram cedo demais o poder ao Timor-Leste independente, outros que ficou demasiado tempo e que foi demasiado pesada. Sem dúvida, apesar dos seus feitos houve aspectos indesejáveis na presença prolongada da ONU no que era na realidade uma nova forma de governação. Mas no geral seria considerada um sucesso, se não nos termos demasiado brilhantes como alguns dos seus defensores têm sugerido. Muitos dos problemas atribuídos à própria presença da ONU podem ser traçados nas questões mais alargadas do papel e do impacto de grandes números de conselheiros estrangeiros numa série diversa de órgãos de governo internacional e não-governamentais, e a políticas doutras agências internacionais.

O envio do experiente Ian Martin como o Novo Representante Especial do Secretário-Geral foi um gesto bem-vindo, mas agora não é claro qual será a nova mexida. Alguns pediram o retomar do controlo da ONU; outros viram isto como um golpe do exterior com outro nome. É muito improvável que haja qualquer réstia de soberania formal pelo governo de Timor-Leste, mas igualmente, há uma miríade de linhas de peso tanto da ONU como dos seus países membros importantes – neste caso, os USA, Japão, com a Austrália liderando a carga. Quando Ian Martin relatar para o Secretário-Geral, poderá bem haver questões importantes acerca de como a ONU deve exercer as suas responsabilidades em curso com Timor-Leste, não sendo obvias as respostas.

A constituição do novo país foi desenvolvida sob tutela da ONU, e levantam-se questões sobre que atitude devia o Conselho de Segurança tomar quanto à forma constitucional do governo face ao assalto ao governo, bem como quanto à sua incapacidade para manter a ordem.

O acordo relatado por Mari Alkatiri de aceitar uma proposta do representante da ONU em Timor-Leste, Hasegawa Sukehiro, de o seu papel nos eventos que levaram à crise dever ser sujeito a investigação por procuradores internacionais é importante tanto politicamente como legalmente – e em ambos os casos com implicação tanto a curto como a longo prazo. 4 Assumindo que uma tal investigação terá uma informação maior do que apenas o papel do Dr Alkatiri, e assumindo ainda que isto envolve a reactivação da Unidade de Crimes Sérios da ONU ou outro similar órgão sucessor, esta é uma extensão importante da ideia de jurisdição universal do Conselho de Segurança com implicações globais. Timor-Leste foi a primeira ocasião de governação directa da ONU pós-conflito, e muito foi aprendido. É agora claro que aquela experiência de um novo híbrido de responsabilidade global e de soberania local não acabou ainda.

8. Onde está agora o debate acerca de “justiça vs. reconciliação”?

Nenhum líder dos militares ou milícias Indonésias teve de enfrentar consequências sérias pelo seu comportamento em Timor-Leste até Setembro de 1999. Os julgamentos Indonésios foram uma farsa desgraçada e insolente e o Conselho de Segurança das Nações Unidas tomou os passos necessários para estabelecer um tribunal internacional. No próprio Timor-Leste, a forte preferência do presidente para um processo de reconciliação basicamente sem julgamento sobrepôs-se aos pedidos de justiça efectiva e compreensiva. Em certo grau a decisão foi motivada por pragmatismo – a necessidade de se dar com a Indonésia, falta de fundos, e falta de firme vontade internacional para apoiar o processo até ao fim. Mas sem sugerir que foi uma escolha fácil de fazer na altura, isso parece agora que tem um preço a pagar: não foi visto que se fez justiça, aumentaram ressentimentos justificados, não aumentou a confiança nos sistemas de policiamento e legal, e possivelmente nas heranças institucionais da governação Indonésia não desafiadas de modo adequado, por exemplo na polícia.

Seja qual for o papel na crise corrente dos culpados nos eventos que levaram a 1999 possa vir a ser, houve agora crimes muito graves cometidos por Timorenses contra Timorenses – civis, militares e polícias. Mais ainda há alegações que o próprio governo ou ordenou ou instigou assaltos assassinos a opositores políticos.

Tem o sistema político e legal a capacidade para lidar com esses crimes efectivamente? A reactivação aparentemente iminente da Unidade de Crimes Sérios da ONU em Timor-Leste irá na direcção de certo modo de resolver esta matéria, mas é preciso dar uma maior atenção à reparação dos estragos na confiança pública feita não apenas pela violência dos meses passados, mas pelo falhanço de processar os crimes do período Indonésio. As consequências do falhanço pelos Estados Unidos, Austrália e Japão para pressionar por um tribunal internacional para fazer o trabalho do desgraçado sistema judicial Indonésio e do pequeno e sobrecarregado sistema legal Timorense é agora evidente.
Mais uma vez os Timorenses pagaram o preço do grande poder da realpolitik – e uso o termo livremente –. Com sorte, o único custo Australiano será dinheiro e prestígio. Mas chegou a altura de entender que a documentação dos abusos dos direitos humanos e a aplicação da jurisdição universal em matérias de crimes sérios contra a humanidade está de facto em matérias de puro realismo político no interesse de todos, e não é uma opção extra nas políticas internacionais.

9. É o petróleo a resposta ou a maldição?

Muitos, tanto no interior como no exterior de Timor-Leste depositaram as suas esperanças no futuro nos rendimentos dos campos de petróleo e gás do Mar de Timor. Compreensivelmente muitos têm estado preocupados com a necessidade urgente de pressionar a Austrália para oferecer a Timor-Leste uma grande parte nos rendimentos – no seu próprio auto-interesse se não por razões de justiça. Importante e necessário como é este processo e continuará a ser, em si próprio não responde à questão em como estes esperançosamente aumentados rendimentos beneficiarão o país no seu todo. Isto leva-nos de volta ao aspecto talvez menos explorado das dinâmicas políticas do Timor-Leste pós-independência: as políticas do patrocínio. Devíamos esperar que as políticas do patrocínio fossem uma parte do normal modus operandi político da sociedade Timorense dada a sua estrutura económica e social. Ao mesmo tempo que há uma tendência construída para o que as sociedades ocidentais e industriais capitalistas vêm como matérias simples de corrupção e nepotismo, isto nem sempre precisa de ser assim. Contudo, tem havido muitas alegações de corrupção em Timor-Leste, mas poucas provas e análise séria. Mas há três variáveis chave que fazem as políticas de patrocínio de Timor no presente de certo modo perigosas.

A primeira, e muito observada, é o relativamente grande impacto da ajuda externa e dos conselheiros estrangeiros. Isto é um assunto sobre o qual muito tem sido escrito, mas não – que eu conheça pelo menos – no cruzamento desses fluxos externos e na estrutura do patrocínio doméstico, e no cruzamento político dos sectores económicos “tradicionais” e “modernos” .

A segunda é da natureza política do próprio petróleo. Há trinta anos atrás o jornalista Polaco Ryszard Kapuscinski pôs a promessa de Janus do poço de petróleo: “O conceito do petróleo expressa perfeitamente o eterno sonho humano da riqueza alcançada através de um beijo de sorte, e não pelo suor, angústia, trabalho duro. Neste sentido, o petróleo é um conto de fadas, e como todos os contos de fadas, um pouco de mentira”.

A lição de quase todos os casos é que o petróleo traz consigo políticas mal-cheirosas, especialmente no cruzamento do governo e negócios. Conhecemos pouco acerca dos detalhes das políticas do petróleo de Timor-Leste para além da disputa com a Austrália. Não se tem falado do papel do dinheiro do petróleo – ou de esperanças disso – na disputa presente ou conjuntos de disputas, mas tem uma base tão potencialmente grande de capital político que deve ser estudado, dado especialmente o carácter misterioso das dinâmicas internas da crise presente.

Com polícias e militares a usarem ambos as suas pequenas armas avançadas numa base de livre atirador em alianças com agrupamentos diferentes, e 1500 pistolas Glock e as suas munições pilhadas do arsenal da polícia, os organizadores do conflito sem face mas sem dúvida activos e bem municiados têm ainda bastante combustível com que brincar.

10. Que espécie de guerra?

A questão das relações sociais, políticas e económicas que estão por detrás desta explosão de violência em Timor leva a uma questão acerca da natureza e da forma da própria guerra, com implicações para a política de segurança Australiana. Até as questões já discutidas acerca da natureza das dinâmicas políticas actuais de Timor-Leste e o cruzamento das políticas de patrocínio, ligações estrangeiras, e a manipulação possível da identidade regional serem respondidas não podermos ter a certeza do tipo de conflito que enfrentam os Timorenses e os que estão dispostos a ajudá-los com risco de vida. Conhecemos o suficiente para ter a certeza que isto não é 1999, e isso é altamente confuso e confunde.

O melhor guia para a pior resposta possível a esta pergunta vem da análise em desenvolvimento de Mary Kaldor sobre os novos tipos de conflitos da última década que ela rotula de “novas guerras”. Alguns aspectos da sua descrição resumida assemelham-se desconfortavelmente com a crise corrente em Timor-Leste e as suas feias possibilidades. Deixem-me acabar com uma extensa citação duma das suas primeiras formulações na esperança de que se venha a revelar inadequada:

É a falta de autoridade do Estado, a fraqueza de representação, a perda de confiança que o Estado seja capaz ou queira responder a preocupações públicas, a incapacidade e/ou falta de vontade de regulamentar as privatizações e a informalização da violência que faz nascer conflitos violentos. Mais ainda, este ‘processo incivilizado’, tende a ser reforçado pelas dinâmicas de conflitos, que têm o efeito de mais reordenar relações políticas, económicas e sociais numa espiral negativa de incivilidade.

Chamo “guerras” aos conflitos por causa do seu carácter político apesar de poderem também ser descritos como violações massivas dos direitos humanos (repressão contra civis) e crime organizado (violência para ganho particular). O (objectivo) é acesso ao poder do Estado. São lutas violentas para ganhar acesso ou para controlar o Estado. A violência privatizada e relações sociais não reguladas alimentam-se uma com a outra. Nestas guerras, é muito grande a destruição física, os rendimentos dos impostos caiem mais, e o desemprego é muito alto. As várias partes financiam-se elas próprias através das pilhagens e dos despojos e de várias formas de comércio ilegal; por isso estão íntimamente ligadas com e ajudam a criar redes de crime organizado. Dependem ainda do apoio de Estados vizinhos, de grupos da diáspora e da assistência humanitária.

Na maioria dos casos, estas guerras são lutadas em nome da identidade – um reclamar de poder na base de rótulos. Estas são guerras onde a identidade política é definida em termos de rótulos exclusivos – étnicos, linguísticos, ou religiosos – e as próprias guerras dão significado aos rótulos. Os rótulos são mobilizados para propósitos políticos; oferecem um novo sentido de segurança num contexto onde as certezas políticas e económicas de décadas anteriores se evaporaram. Fornecem uma nova forma populista de ideologia comunitária, uma maneira de manter ou capturar poder, que usa a línguagem e as formas de um período anterior. Sem dúvida, estas ideologias fazem uso de clivagens pré-existentes e das heranças das guerras passadas. Mas no entanto, é a manipulação deliberada desses sentimentos, muitas vezes assistidos por financiamentos e técnicas da diáspora e ampliadas pela media eletrónica, que é a causa imediata do conflito (Kaldor 2000; ae ver Kaldor 1999).

Notas

1. Agradecimentos a Gerry Van Klinken, Glenda Lasslett, David Bourchier, e Helen Hill por comentários úteis num esboço anterior.

2. O artigo da Wikipedia sobre a Operação Astute é, pelo menos na altura da escrita, uma fonte excelente sobre a força militar internacional de intervenção. Até à data, Nick Dowling tem sido o principal contribuidor. Ver http://en.wikipedia.org/wiki/Operation_Astute.

3. ‘Portugal refuses Australian command in E Timor’, ABC News, 3 Junho 2006. Available at http://www.abc.net.au/news/newsitems/200606/s1654401.htm.

4. ‘Alkatiri agrees to UN investigation’, Peter Cave, ABC News, 7 Junho 2006. Available at http://www.abc.net.au/news/newsitems/200606/s1657422.htm.

Referências

Chauvel, Richard. 2006. ‘Australia, Indonesia and the Papuan Crises’. Austral Policy Forum 06-14A, 27 Abril. Disponível em http://nautilus.rmit.edu.au/forum-reports/0614a-chauvel.html.
Hill, Helen . 2006a. ‘Regional Tensions’, East Timor Mailing List, 28 Maio.

________. 2006b. ‘Stand up, the real Mr Alkatiri’, The Age, 1 Junho. Disponível em
http://www.theage.com.au/news/opinion/stand-up-the-real-mr-alkatiri/2006/05/31/1148956413913.

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Horta, Loro. 2006. ‘Caution over Timor Leste’, Jakarta Post, 7 Junho. Disponível em
http://www.thejakartapost.com/yesterdaydetail.asp?fileid=20060607.E02.

Human Rights Watch. 2006. ‘Tortured Beginnings: Police Violence and the Beginnings of Impunity in East Timor’, Abril 2006. Disponível em http://hrw.org/reports/2006/easttimor0406/.

Kaldor, Mary. 1999. New and Old Wars: Organised Violence in a Global Era. Available at http://www.theglobalsite.ac.uk/press/010kaldor.htm.

________. 2000. ‘Cosmopolitanism and Organised Violence’. Papel preparado para a Conferência sobre ‘Conceiving Cosmopolitanism’, Warwick, 27-29 Abril 2000.

Sheridan, Greg. 2006. ‘Throw Troops at Pacific failures’, The Australian, 3 Junho. Disponível em
http://www.theaustralian.news.com.au/story/0,20867,19347867-601,00.html.

UNDP. 2006. ‘Timor-Leste faces Development Challenges’, Março 8. O relatório completo: ‘The Path Out of Poverty’, disponível em
http://content.undp.org/go/newsroom/march-2006/timor-leste-hdr20060309.en?g11n.enc=ISO-8859-1.

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Traduções

Todas as traduções de inglês para português (e também de francês para português) são feitas pela Margarida, que conhecemos recentemente, mas que desde sempre nos ajuda.

Obrigado pela solidariedade, Margarida!

Mensagem inicial - 16 de Maio de 2006

"Apesar de frágil, Timor-Leste é uma jovem democracia em que acreditamos. É o país que escolhemos para viver e trabalhar. Desde dia 28 de Abril muito se tem dito sobre a situação em Timor-Leste. Boatos, rumores, alertas, declarações de países estrangeiros, inocentes ou não, têm servido para transmitir um clima de conflito e insegurança que não corresponde ao que vivemos. Vamos tentar transmitir o que se passa aqui. Não o que ouvimos dizer... "
 

Malai Azul. Lives in East Timor/Dili, speaks Portuguese and English.
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