quinta-feira, setembro 21, 2006

Timor-Leste: Cresce a evidência contra Gusmão

Tradução da Margarida.

Por: John Martinkus
New Matilda

Quarta-feira 20 de Setembro de 2006

Há duas semanas revelámos as ordens escritas do Presidente Timorense Xanana Gusmão ao comandante amotinado Alfredo Reinado que mostravam uma relação estreita entre os dois no ponto mais alto da crise em Dili em Maio deste ano.

Isso foi seguido por revelações na primeira página no The Australian que Gusmão pagou pelo menos parte da conta de hotel de Reinado durante a crise.

Agora, o antigo comandante da polícia Timorense, Abilio ‘Mausoko’ Mesquita, que está na prisão pelo papel que teve na violência, afirmou numa declaração que escapou que o próprio Gusmão lhe ordenou para atacar a casa do Comandante das Forças Armadas de Timor-Leste, Brigadeiro Taur Matan Ruak, em 24 e 25 de Maio.

Acredita-se que a declaração foi escrita na prisão de Becora, onde Mesquita está detido, e foi entregue na Embaixada dos USA em Dili de modo a ajudar a garantir a sua libertação. Se (é) legitima, implica o Presidente no que foi efectivamente um golpe armado para criar as condições para a resignação do eleito legalmente Primeiro-Ministro de Timor-Leste, Marí Alkatiri. Até agora, Gusmão ou permaneceu calado sobre o seu papel na violência ou desvalorizou os seus contactos estreitos com figuras da oposição como tentativas de manter a situação sob controlo.

Alguns comentadores Australianos mantêm a linha simplista que de algum modo Alkatiri e o seu Ministro do Interior, Rogério Lobato, orquestraram a crise recente em Timor-Leste. Esta opinião simplesmente não se correlaciona com os factos no terreno, e não leva em conta os detalhes de quem na realidade disparava contra quem. Agora, este comentadores ou estão reduzidos a um silêncio embaraçoso, ou estão a fazer acusações de parcialidade a repórteres que estão apenas a descobrir factos desconfortáveis.

Abilio Mesquita foi preso pela Polícia Federal Australiana em 19 de Junho com várias espingardas automáticas Steyr na sua posse. Ele foi filmado na cena do terceiro maior incidente da crise, o ataque à casa de Taur Matan Ruak e alega-se que o liderou.

De acordo com a declaração, Mesquita disse ao responsável da missão da ONU em Timor-Leste, Sukehiro Hasegawa, quando Hasegawa o visitou na prisão pouco depois da sua detenção que: ‘durante os confrontos entre a PNTL [a polícia] e as F-FDTL [as forças armadas] e no tiroteio contra a casa do Brigadeiro, o Comandante Supremo, o Sr Xanana deu o comando e ordenou o tiroteio.’

Mesquita disse que executou o ataque, mas não antes de ter notificado o próprio Taur Matan Ruak e quarto dos comandantes de mais elevada qualificação nas forças armadas, das ordens (que recebeu) do Presidente. Ele disse repetidamente a Hasegawa que foi Gusmão o autor da crise em Timor-Leste.

Mesquita diz que repetiu estas afirmações ao Primeiro-Ministro José Ramos Horta quando Ramos Horta alegadamente o visitou na prisão em 13 de Agosto.

A declaração também detalha a visita de dois Majores das forces armadas Australianas, que interrogaram Mesquita sobre o seu papel na violência e sobre a sua lealdade política.

(Esta linha de interrogatório das Forças Australianas, que basicamente consiste em ‘estás com Alkatiri ou com Gusmão?’ é comum em Dili. Um número incontável de indivíduos que foram interrogados pelos Australianos, tanto policias como militares, contaram-me que esta era a primeira das coisas que os Australianos queriam sempre saber. A implicação era que se a pessoa a ser interrogada respondesse ‘Gusmão’, era considerada estar no lado certo.)

A declaração de Mesquita também faz referência a uma reunião que se realizou no gabinete do Presidente antes da crise onde, na presença de líderes locais incluindo o Chefe da Polícia Paulo Martins, José Ramos Horta e o Bispo de Baucau, e onde é alegado que o Presidente discutiu a necessidade de se livrarem do Governo de Marí Alkatiri.

Outras fontes, do interior da organização dos veteranos, dos antigos guerrilheiros pela independência, confirmaram independentemente que em Março deste ano foram convidados para uma reunião com o Presidente na sua residência em Dare, nas montanhas por cima de Dili, na qual foi discutido o plano para remover Alkatiri. Apesar da reunião envolver alguns oficiais em serviço nas F-FDTL, o comandante, Taur Matan Ruak, não foi convidado. Nesta reunião foi discutido que era necessário remover Alkatiri e o seu Governo por causa das suas percebidas simpatias ‘comunistas’.

Este ultimo desenvolvimento só confirma para muitos Timorenses o que já sabiam. É largamente aceite em Timor-Leste que o Presidente pôs o seu peso por detrás do empurrão para se ver livre de Alkatiri — mas o que só se comenta em murmúrios é o nível do seu envolvimento.

As tentativas do Presidente para intervir na prisão de Reinado em 26 de Julho — e no que foi entendido como a relutância das Forças Australianas em realizarem a sua detenção — somente acrescentaram os rumores. Agora, com o Reinado e companhia em fuga da prisão e os Australianos a serem acusados pelo próprio Ramos Horta, e o que parece a incapacidade dos Australianos em apanhar um homem que aparece na televisão local claramente nos subúrbios de Dili, muitos Timorenses estão altamente cépticos dos motivos dos polícias e militares Australianos.

Presidente Timorense Xanana Gusmão

A saída da declaração de Abilio Mesquita faz subir para três os afectos a Gusmão: os líderes dos três ataques principais contra as F-FDTL em Maio já reconheceram publicamente a sua lealdade ao Presidente. Os que lideraram os outros dois ataques principais — Reinado, em Fatu Ahi em 23 de Maio, e Vicente ‘Rai Los’ da Conceição, em Tacitolu em 24 de Maio — repetiram ambos publica e repetidamente o seu apoio e lealdade a Gusmão.

E como escrevi na New Matilda em Junho, fontes de topo do interior do comando das F-FDTL também confirmaram que nos 18 meses que levaram à crise foram contactados em três ocasiões por nacionais estrangeiros para liderarem um golpe contra Alkatiri. Recusaram.

Os factos somam-se e pintam um retrato perturbante da ruptura da democracia constitucional em Timor-Leste.

Ainda mais perturbante para o futuro de Timor-Leste é a informação que me foi dada esta semana por uma figura de topo do Governo Timorense que se estão a procurar armas do outro lado da fronteira no Oeste do Timor Indonésio por Reinado e pelo seu gang de criminosos em fuga, e que (as armas) estão a ser vendidas por antigos milícias apoiados pelos Indonésios na cidade fronteiriça de Atambua. O preço corrente é de US$800 por cada espingarda automática AR-15 e, de acordo com a mesma fonte, as autoridades Australianas conhecem o negócio.

A questão permanece: se estas alegações são verdadeiras e o Presidente está envolvido directamente na violência, então qual foi o papel da Austrália no alegado golpe? A Austrália encorajou Gusmão a remover Alkatiri, e se sim, porquê?


Sobre o autor

John Martinkus cobriu o conflito em Timor-Leste de 1995 até 2000. Foi o correspondente residente em Dili para a Associated Press e Australian Associated Press, de 1998 até 2000.

É o autor de A Dirty Little War (Random House, 2001), sobre a passagem violenta do país para a independência. Recentemente co-produziu a reportagem ‘Timor-Leste: A Queda de um Primeiro-Ministro’ para o programa Dateline da SBS TV que foi emitido em 30 de Agosto.

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3 comentários:

Anónimo disse...

É importante ter presente o que recentemente foi escrito num Jornal em Portugal, que de certa forma vai ao encontro dos meus últimos comentários, que não devem agradar muito aos australianos e a alguns timorenses:
“……NÃO ENTENDEM ESSAS PESSOAS QUE APENAS ESTÃO A INVIABILIZAR UM PAÍS? A HIPOTECAR O SEU FUTURO E O FUTURO DOS SEUS FILHOS? A SEMEAR O SOFRIMENTO, A MORTE E A DESTRUIÇÃO? E QUE OS MOTIVOS INVOCADOS SÃO GRATUITOS, PRIMÁRIOS E INCONSEQUENTES? …..NÃO ENTENDEM ESSAS PESSOAS QUE UM ESTADO, PARA SUBSISTIR, PRECISA DE (UM MÍNIMO DE) PAZ, LEI E ORDEM? QUE A VIOLÊNCIA APENAS GERA MAIS VIOLÊNCIA?.....”;

Este vosso servo acrescenta: NUNCA HAVERÁ DESENVOLVIMENTO SEM SEGURANÇA E QUE PARA OS TIMORENSES VIVEREM EM SEGURANÇA O PAÍS TERÁ DE SE DESENVOLVER DE FORMA SUSTENTADA E SEM INTERFERÊNCIAS EXTERNAS QUE CONDICIONEM A VONTADE NACIONAL!

Assim, tudo o que se tem passado recentemente justifica perfeitamente o comentário efectuado no seu excelente Blog, que fico satisfeito estar a incomodar e por isso aqui reitero apesar de alguns “chicos espertos” timorenses e internacionais terem a mania que são donos da verdade e que os outros são todos um cambada de estúpidos e ignorantes! ATENÇÃO AO VELHO DITADO “ VERDADE É COMO O AZEITE, VEM SEMPRE AO DE CIMA”. Conheço em detalhe todos os pormenores da actual crise politico-militar e, por isso, o tempo vai encarregar-se de me dar razão como, aliás, aconteceu até à data com os tristes desenvolvimentos desta crise, que só aconteceu porque os timorenses estão desavindos desde há muitos anos (os intervenientes sabem do que falo). Julgo que seria importante na actual conjuntura dar algum destaque a este comentário (não tiro nem uma virgula):

O que se passa em Timor é um escândalo e uma vergonha patrocinada pelo PR e seus amigos australianos (através de alguns pontas de lança como a sua linda e simpática mulher bem conhecida do também seu especial amigo RH!!!!! e do distinto chefe de gabinete, AP, que tem feito toda a ligação com a oposição e também os amigos australianos – será preciso relatar em pormenor todos os passos que tem dado?) com a utilização e manipulação de Reinado e companhia o que não dignifica o Estado de Direito e a imagem do país e dos timorenses perante a Comunidade Internacional. Já não existe a mesma onda de solidariedade e respeito pelos líderes timorenses, que demonstram não merecer o seu povo nem o sacrifício de todos os que lutaram pela independência. Será que o PR, RH e os restantes intervenientes no golpe institucional ainda não perceberam que podem existir provas muito grave e comprometedoras? E que estão a ser usados pelos políticos do país dos “cangurus” com apoio dos “cowboys”? O PR deixou de estar lúcido e hipotecou todo o crédito e prestigio internacional e mesmo a nível nacional!!! Quando se aperceberem já será tarde porque os australianos vão descartá-los ou fazê-los desaparecer…. Existem de facto essas provas, pois não são apenas os australianos com capacidade de trabalhar “underground”, que serão entregues no momento, local próprios e instâncias internacionais adequadas para evitar manipulações, tendo em vista o processo de impunidade em curso com o patrocínio de alguns responsáveis do sistema judicial e das NU, que também terão de prestar contas!! Já foram enviadas algumas das provas para a sede da ONU, através de canais especiais.

Francamente não está em causa o dever, muito menos o direito, de se tomar firme partido nesta triste e selvática crise politico-militar em que não se olharam a meios para atingir os fins! Eu próprio apesar de dúvidas que subsistem, não me isento de ter opinião e já transmiti a quem de direito tudo o que sabia com as respectivas provas. Este Blog pode incomodar muita gente, mas tem a virtude de permitir a expressão de opiniões, que devem ser respeitadas e não atacadas de forma suspeita e pouco democrática por alguns dos comentadores, que estão perfeitamente cristalizados. Em verdadeira democracia não existe nada tão perigoso como a falta de opinião esclarecida e empenhada. A grande questão que se coloca é muito objectiva! É simplesmente a de saber se a indesmentível e indisfarçável coerência ideológica com que se organizam os campos de opinião numa questão que, na sua essência, pouco tem de ideológico não revela antes de mais uma preocupante facilidade de alinhamento preconceituoso dos políticos e pseudo-intelectuais timorenses. E sobretudo uma perigosa carência de verdadeiros livres-pensadores na sociedade timorense actual. A mim, tanto e tão espontâneo maniqueísmo deixa-me preocupado enquanto cidadão do mundo (como dizia Sócrates, o filosofo) e da lusofonia.

Convém acentuar, que existem muitas instâncias que nos querem por detrás de actores visíveis. ASSIM, RECUSAR TOMAR PARTIDO PELAS FACÇÕES OU INTERVENIENTES DESTA CRISE SIGNIFICA: NÃO TOMAR PARTIDO PARA TOMAR O VERDADEIRO PARTIDO – PELA PAZ E PELAS FORÇAS DA VIDA.

Em síntese e para terminar, podemos dizer que TERÁ DE SER O POVO TIMORENSE, ATRAVÉS DE UMA EFECTIVA MOBILIZAÇÃO NACIONAL E VERDADEIRO SENTIDO DE CIDADDANIA E PATRIOTISMO, a proceder com urgência a uma verdadeira triagem daqueles que não interessam ao país e a encontrar a solução justa e adequada, QUE NÃO PASSE APENAS PELAS VISÕES LUNÁTICAS E UTÓPICAS, DO PR E SEUS AMIGOS, RELACIONADAS COM A FAMOSA BANALIZAÇÃO DA “RECONCILIAÇÃO”, FECHANDO OS OLHOS À JUSTIÇA, TENDO EM VISTA A TOTAL IMPUNIDADE DOS VERDADEIROS RESPONSÁVEIS! NÃO HAVERÁ VERDADEIRA RECONCILIAÇÃO SEM APLICAÇÃO DA JUSTIÇA E DA LEI.
(Convém lembrar o que já foi referido por alguém: “…na questão da reconciliação, sobressairá sempre a permanente duvida sobre a força rectificativa do resultado alcançado. A reconciliação deixa efeitos retroactivos que a seu tempo se farão sentir – isto se não for alcançada com o caminho da justiça e da paz…” Parte dos actuais problemas em Timor estão relacionados com a deficiente gestão do processo de reconciliação conduzido por Xanana!
Este vosso servo continua a acompanhar a situação com muita atenção e voltará a dar notícias. CHACAL

Anónimo disse...

Se es tambem um Timorense, porque nao vens com ideias/sugestoes construtivas para suportar o PR/RH com o fim de ultrapassar esta crise? Olhe, agora ja nao e tempo de apontar dedos e minimizar a capacidade de outros. Nao somos perfeitos, se actualmente voce fosse como os dois, talves ja nao farias nada e mesmo nada. Percebes?

Anónimo disse...

Então ao PR e o PM não basta o apoio da Austrália e dos USA?

Traduções

Todas as traduções de inglês para português (e também de francês para português) são feitas pela Margarida, que conhecemos recentemente, mas que desde sempre nos ajuda.

Obrigado pela solidariedade, Margarida!

Mensagem inicial - 16 de Maio de 2006

"Apesar de frágil, Timor-Leste é uma jovem democracia em que acreditamos. É o país que escolhemos para viver e trabalhar. Desde dia 28 de Abril muito se tem dito sobre a situação em Timor-Leste. Boatos, rumores, alertas, declarações de países estrangeiros, inocentes ou não, têm servido para transmitir um clima de conflito e insegurança que não corresponde ao que vivemos. Vamos tentar transmitir o que se passa aqui. Não o que ouvimos dizer... "
 

Malai Azul. Lives in East Timor/Dili, speaks Portuguese and English.
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