quarta-feira, novembro 26, 2008

De Díli a Lisboa, tanta distância, tanta proximidade

Editorial Publico - De Díli a Lisboa, tanta distância, tanta proximidade
25.11.2008, José Manuel Fernandes

A tragédia de Timor-Leste é também a tragédia da nossa colonização. Até porque os vícios dos colonizadores do passado têm muito em comum com certos males da nossa política doméstica...

1. O ensaio que hoje publicamos de Pedro Rosa Mendes é um tremendo soco no estômago. E vale sobretudo porque nos chama à realidade. Porque nos obriga a olhar de frente a realidade:

Timor-Leste, o país que nos uniu, o país daquele povo sacrificado em cujo nome demos os braços para descer avenidas, é um país impossível.

É possível que gere uma onda de protestos, é provável que por aí apareçam as manifestações de indignação, mas não vale a pena ter ilusões. O que Pedro Rosa Mendes diz alto é o que há muito se sussurra nos bastidores. É a verdade inconfessável e impossível de digerir. É a descrição crua, sem paninhos quentes, do que testemunhou, como correspondente da agência Lusa, nos últimos três anos. É o relato frio e directo de alguém que nos habituou a, como jornalista, nos contar os factos tal como os via, sendo que sempre procurou vê-los de perto, se possível por dentro, para não se deixar iludir.

Não é a primeira vez que, no PÚBLICO, chamamos a atenção para a possibilidade de Timor-Leste se transformar num Estado falhado. Ainda no passado mês de Fevereiro Adelino Gomes escrevia nestas páginas, a propósito de mais um percalço no caminho do jovem Estado, que "a independência e a liberdade, conquistadas à custa de tanto sofrimento, não podem coexistir com o desrespeito pelas leis do Estado e com a permanência, consentida, de grupos armados".

Pedro Rosa Mendes esclarece-nos hoje que, por exemplo, "o chefe de Estado [Ramos-Horta], em linha com os símbolos maçónicos debruados nas suas camisas, é desde há dois anos o segundo 'Pai' da Sagrada Família. É uma sociedade fundada em 1989 pelo comandante Cornélio Gama 'L7', que evoluiu para uma combinação algo mística de grupo religioso, partido político e milícia justiceira".

Na mesma altura escrevi que, em Timor-Leste, "não existia uma nação antes de os portugueses chegarem e que ali pouco havia de uma nação quando partimos, em 1975, nas desgraçadas condições que são conhecidas". Hoje Pedro Rosa Mendes vai mais longe e acrescenta que "sob o mito do 'povo maubere' existe um mosaico de dezena e meia de entidades etnolinguísticas que se definem por oposição (em conflito, separação, desconfiança, distância) ao 'outro', mesmo em aliança. (...) É um tipo de coesão circunstancial e oportunista que morre com o conflito, engendrando a prazo outros conflitos, em ciclos de calma e crise numa ilha com paradigmas medievais". E fá-lo com a autoridade que quem anda por lá, por Díli e pelas montanhas.

É triste esta história, mas talvez não tão surpreendente como possamos pensar. Timor era a última das nossas colónias, a mais distante, e nas centenas de anos que lá estivemos, para além da matriz católica que criou a coesão que permitiu a resistência à Indonésia, deixámos menos infra-estruturas do que as erguidas, em duas décadas e meia, pelas autoridades de Jacarta, muitas delas hoje ao abandono.

A tragédia de Timor é por isso mais um sinal do que foi, com a excepção do Brasil, a tragédia da nossa colonização. Basta olhar para os países que estão no fundo das listagens da ONU sobre as condições de vida e vermos quantos são antigas colónias lusas.

2.E não se iludam: acabado o ciclo colonial há mais de 30 anos, não acabaram em Portugal os hábitos de "aproveitar enquanto é tempo", de enriquecer sem vergonha apenas porque a oportunidade está à mão. Sem deixar de achar que se pode andar de cara levantada, como se nada devessem à sociedade e esta ainda lhes devesse estar agradecida. Timor e Díli ficam muito longe, mas as suas desgraças actuais têm pontos comuns. Basta pensar na forma como se enriquecia em Portugal no passado e na forma como hoje enriquecem alguns - felizmente uma minoria - dos que passaram pela política.

Ramos-Horta traz debruados nas suas camisas símbolos maçónicos, e nisso mal não haveria não traduzissem estes ligações a sociedades secretas. Dias Loureiro ostenta o título de conselheiro de Estado e parece surdo aos recados de Belém sobre as condições em que pode sair, pelo seu pé, daquele órgão.

É tudo diferente e tudo tão igual...

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Traduções

Todas as traduções de inglês para português (e também de francês para português) são feitas pela Margarida, que conhecemos recentemente, mas que desde sempre nos ajuda.

Obrigado pela solidariedade, Margarida!

Mensagem inicial - 16 de Maio de 2006

"Apesar de frágil, Timor-Leste é uma jovem democracia em que acreditamos. É o país que escolhemos para viver e trabalhar. Desde dia 28 de Abril muito se tem dito sobre a situação em Timor-Leste. Boatos, rumores, alertas, declarações de países estrangeiros, inocentes ou não, têm servido para transmitir um clima de conflito e insegurança que não corresponde ao que vivemos. Vamos tentar transmitir o que se passa aqui. Não o que ouvimos dizer... "
 

Malai Azul. Lives in East Timor/Dili, speaks Portuguese and English.
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