Público, 05.04.2007
Por: Paulo Moura, em Díli
Campanha das presidenciais encerrou na capital. Os principais candidatos fizeram os seus maiores comícios. Antes da votação, a guerra dos números já começou
Os camiões vão entrando no recinto do motocross. Música de manutenção, sol abrasador. Duas mil pessoas. Mais camiões, em fila. Não acontece nada, parece que vai ser um comício muito aborrecido. Quem pode, abriga-se num pequeno toldo, num promontório em frente do palco. Mas não cabe mais gente e os outros torram ao sol. Alguns jovens dançam, sem convicção. Outros pintam-se. Um passatempo é pintar as caras das raparigas. É um pretexto para lhes tocar. Elas riem-se. Deixam. Azuis e vermelhos a acariciarem a pele morena.
Há obras de arte. Demónios, caveiras, máscaras de canibais do Bornéu. A bandeira da Fretilin por todo o rosto, o nariz aproveitado para a estrela. Os camiões não param de chegar. Vai ser um comício aborrecido, mas com muita gente. Umas seis mil pessoas no total, segundo a Polícia (segundo a Fretilin, 30 mil)
Há rapazes com um "U" pintado no tronco. Outros têm um "L". Ou um "O". De repente alinham-se e formam "Lu Olo". Chegam camiões. A música pára, começam os discursos. Frouxos. "Viva a Fretilin! Viva!" Camiões. Ao microfone desfilam representantes de cada distrito. Chegam, gritam "Fretiliiiiiin!", o nome da sua terra e a percentagem de votos que o candidato Lu Olo lá terá, segundo a sua previsão: "Noventa e nove por cento!" Aplausos.
Mas depois a banda toca o hino da Fretilin, que é também o do país e é acompanhado por uma nota só. Não se percebe por que é tão emocionante. As pessoas cantam, encharcadas de suor. Um grupo de rapazes pintados avança sobre os seguranças, tenta violentamente subir para o palco. Percebe-se que o espectáculo está a começar. O grande espectáculo Fretilin. Ao microfone anuncia-se a chegada dos dirigentes, Mari Alkatiri e Francisco Guterres (Lu Olo). Agitação. Gritos. Dois jipes entram no recinto, pelo meio da multidão. Os rapazes pintados saltam para o tejadilho dos veículos. Ao microfone alguém grita os nomes dos líderes como se o estivessem a matar. Alkatiri e Lu Olo não conseguem sair dos carros, com a multidão a dar murros nas portas.
Agressividade relevante do puro e simples amor, mas que obriga os seguranças a usar os músculos. No meio da confusão, os líderes lá conseguem subir para o palco. Cada um traz um boné com o nome e a função: Mari Alkatiri, secretário-geral; Francisco Guterres "Lu Olo", Presidente. O primeiro vem de ténis e camisa fora das calças, o segundo de camisa por dentro, calça às riscas e sapato de cabedal. Sentam-se.
"Morreram pela pátria"
Lu Olo é o primeiro a falar, para recordar os mártires da independência e pedir um minuto de silêncio. "Estamos aqui por causa dos que morreram pela pátria", diz ele. Depois fala Alkatiri. É um mestre de comunicação. Lança logo o seu sound bite: "A Fretilin é um tsunami." Depois diz que recusa a violência. E as divisões leste-oeste. E os conflitos com a Igreja. As pessoas ouvem-no. Entendem o que ele diz. Falam quando ele se cala, por longos e estudados momentos. Ele responde. Refere-se a Lu Olo, o candidato presidencial da Fretilin, e à polémica sobre o uso da bandeira do país, que vários candidatos reivindicam: "Só Lu Olo tem o direito de usar a bandeira, sabem porquê? Porque ele transportou-a na sua mochila durante anos, quando era guerrilheiro nas montanhas."
E desenvolveu o tema, durante duas horas: a Fretilin lutou pela independência, agora tem o direito de governar. Outros estão interessados no poder desde que foi descoberto petróleo. Mas não o terão, porque seria uma usurpação e o povo não vai deixar.
Este é o dogma da Fretilin e de Alkatiri, que para o explicar gritou, sussurrou, disse piadas, contou histórias, cantou. "A Fretilin libertou o país e agora querem acabar com ela. Mas não vão conseguir. Teremos a vitória logo na primeira volta. A Fretilin é um tsunami."
"Lorosae, Lorosae"
Entra a música e a loucura. Um gigantesco cartaz de madeira representando um boletim de voto é trazido até ao palco, para explicar que se deve marcar o candidato número 1. Outro cartaz de madeira navega por cima da multidão, deitado. Um jovem de calças de camuflado, cabelo azul em crista e cara pintada faz surf com os pés sobre os óculos de Lu Olo. Uma mangueira dos bombeiros lança água sobre a multidão. É altura de Lu Olo falar.
"Eu venho de uma família pobre e estou pronto a servir o meu povo", começa o ex-guerrilheiro, magro e frágil, com uma voz sumida, sob um guarda-chuva vermelho e branco aberto por um segurança. "Eu percebo o que o povo está a sofrer hoje, porque também sofri, nas montanhas." Levanta a voz: "Chegou a altura de o povo de Timor finalmente se libertar. De se libertar das forças estrangeiras que o querem controlar e impedir de ser independente. Só a Fretilin pode fazer isso."
Tentou algumas piadas: "Os meus adversários dizem que, se ganharem, cada timorense terá um poço de petróleo em casa. Pois eu estou muito preocupado com isso. Tenho medo que haja incêndios por todo o lado."
Lu Olo senta-se e fica pensativo, como se estivesse sozinho, escondido na montanha. A multidão cresce em euforia e violência. "Lorosae, Lororae", cantam todos.
O filho mais novo de Lu Olo, que tem dois anos e dorme profundamente no colo da mãe, agita ao som da música o pequeno punho erguido. Para ele, tudo isto é um sonho.
quinta-feira, abril 05, 2007
Lu Olo chegou a Díli com um tsunami chamado Fretilin
Por Malai Azul 2 à(s) 20:08
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Traduções
Todas as traduções de inglês para português (e também de francês para português) são feitas pela Margarida, que conhecemos recentemente, mas que desde sempre nos ajuda.
Obrigado pela solidariedade, Margarida!
Obrigado pela solidariedade, Margarida!
Mensagem inicial - 16 de Maio de 2006
"Apesar de frágil, Timor-Leste é uma jovem democracia em que acreditamos. É o país que escolhemos para viver e trabalhar. Desde dia 28 de Abril muito se tem dito sobre a situação em Timor-Leste. Boatos, rumores, alertas, declarações de países estrangeiros, inocentes ou não, têm servido para transmitir um clima de conflito e insegurança que não corresponde ao que vivemos. Vamos tentar transmitir o que se passa aqui. Não o que ouvimos dizer... "
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