segunda-feira, abril 09, 2007

Presidenciais em Timor Um voto para a sobrevivência

Público – 08 de Abril de 2007

Chamada de primeira página:

Amanhã realizam-se eleições presidenciais em Timor-Leste. As primeiras desde a independência. A campanha eleitoral decorreu cheia de incidentes, mas nenhum grave. Tudo está normal, dizem as autoridades internacionais. Há dois candidatos favoritos, Lu-Olo, apoiado pela Fretilin, e Ramos- Horta, actual primeiro-ministro. Mas se nenhum deles conseguir ganhar à primeira volta, qualquer dos oito pode ser Presidente. O clima é de tensão, de ressaca da crise que quase fez desaparecer de novo o país recém-nascido. Há um sentimento de que, depois do voto da independência, é preciso votar agora pela sobrevivência. Reportagem do nosso enviado, Paulo Moura. Destaque, págs 2 a 5

Artigos:
Um voto para a sobrevivência de Timor
Paulo Moura, em Díli

Amanhã realizam-se eleições presidenciais em Timor-Leste. A campanha eleitoral decorreu sem incidentes graves. O clima é de tensão, mas todos querem votar pela sobrevivência

Díli é uma cidade onde não se pode andar à noite. A escuridão é absoluta, não há táxis, tudo pode acontecer. Mesmo durante o dia, certos bairros não são recomendáveis. A maior parte deles. Quase não há um veículo que não tenha os vidros partidos. A pedrada é a linguagem da cidade, e das estradas. Chovem pedras das vielas miseráveis, das barracas, dos labirintos das áreas de habitação precária. Geralmente são miúdos quem as atira, mas podem também ser os grupos organizados, como o Gang Fudidu, que faz graffiti nos muros.

Pouco importa: uma pedra é uma pedra, pode partir um vidro ou uma cabeça.

Pior são os dardos. Feitos com chaves de fendas, arpões, pregos infectados de carne podre, lançados à mão, com fisgas ou arcos de flecha. A catanada é um método extremo. Em períodos de maior crispação, é usado abundantemente.

Em Díli, não se sabe quem agride e quem é vítima. "Ninguém é vítima", disse um guarda da GNR durante as manifestações de quarta-feira. "Todos são culpados".

Durante as duas semanas da campanha eleitoral, não houve incidentes suficientemente graves para pôr em causa a credibilidade das eleições. Alguns feridos com pedradas, incluindo um professor e um padre, mas as catanas não saíram à rua. Apesar de tudo, houve grandes comícios de forças rivais na mesma cidade no mesmo dia sem se registarem confrontos de maior, certamente devido ao trabalho das forças internacionais presentes nas ruas.

O país não está em guerra civil, nem a ferro e fogo, nem no caos, nem sob ocupação. A custo, o país sobrevive. As eleições presidenciais vão realizar-se, os oito candidatos fizeram as suas campanhas em liberdade, apesar dos vários casos de agressão um pouco por todo o território. Mas não houve mortos. Os feridos aguentaram-se nos hospitais, contendo a dor e a raiva. Aguentaram-se vivos, para não prejudicarem o processo eleitoral. Os candidatos insultaram-se, inventaram horripilantes teorias da conspiração, falsificaram os números, forjaram provas, mas no fim debateram as suas ideias na televisão, de forma cordial e inteligente.

Todos usaram golpes baixos. Ramos-Horta repetiu até à náusea que é amigo do Papa e dos bispos, apareceu em sessões públicas com o Presidente Xanana. Lu-Olo levou milhares de pessoas aos seus comícios em camiões fretados, oferecendo água, arroz e, em certas regiões, alguns dólares para "motivar" as pessoas. No comício de encerramento da campanha, em Díli, motos circulavam entre as centenas de camiões lançando pacotes de arroz sobre a multidão. As pessoas lutavam para apanhar uma das pequenas caixas brancas e depois encolhiam-se a comer, a um canto de avidez e silêncio.

Todas as candidaturas acusaram a Fretilin de intimidações e agressões. A Fretilin fez a todos as mesmas acusações. Mas todos os candidatos prometeram aceitar os resultados. Os observadores internacionais, a UNMIT e as ISF todos os dias dizem que o processo está a correr normalmente. Que a segurança está garantida e que as eleições se vão realizar.

Os temas da campanha nem sempre foram os mais nobres. Os ódios mais carnívoros vieram à superfície. Rivalidades do tempo das montanhas. Vinganças sobre quem traiu. Motivos inconfessáveis, desconfianças, difamações, jogos sujos. Mas no meio das acusações e das mentiras, todos dizem ter aprendido com a crise do ano passado. A crise dos "peticionários", que criou divisões nas Forças Armadas e entre estas e a polícia, fez surgir vários grupos e provocou confrontos, com vários mortos, e a fuga de oficiais como o major Alfredo Reinado, que ainda está a monte, perseguido pelas forças australianas. Ninguém admite culpas, mas todos partilham a vergonha pelo que aconteceu. Discutiram-se formas de resolver definitivamente a crise. De atacar as suas causas.

Discutiu-se também a economia, a administração pública, a educação, as infra-estruturas, as questões regionais, as línguas, a política externa, a violência doméstica. Os candidatos adoptaram as suas estratégias, escolheram os seus eleitorados-alvo. Lu-Olo apelou às classes baixas e altas, Ramos-Horta às médias. Fernando Lasama apostou nos jovens, Xavier Amaral quer encantar os velhos, Lúcia Lobato espera o voto das mulheres. Avelino Coelho aproxima-se da esquerda, João Carrascalão da direita, Manuel Tilman dos místicos.
Lu-Olo é o candidato favorito, não por mérito próprio, mas por ter atrás a poderosa máquina da Fretilin. A seguir vem Ramos-Horta. Todos os outros são surpresas possíveis. Se um dos dois favoritos não ganhar na primeira volta, poderá, na segunda, perder para um dos candidatos menores. Destes, os que terão mais hipóteses serão Lasama e Lúcia Lobato. Mas tudo pode acontecer.

Incluindo a tragédia. Os derrotados podem não aceitar pacificamente os resultados. Principalmente se se tratar do candidato da Fretilin, agarrada ao conceito da legitimidade revolucionária.

A violência pode voltar. O surto da catanada, ou pior. Todos o sabem. Mas não há recuo possível. É preciso sobreviver.

Caixa: A fuga do major Alfredo Reinado, que ainda está a monte, é sentida como uma vergonha por todos os candidatos

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Traduções

Todas as traduções de inglês para português (e também de francês para português) são feitas pela Margarida, que conhecemos recentemente, mas que desde sempre nos ajuda.

Obrigado pela solidariedade, Margarida!

Mensagem inicial - 16 de Maio de 2006

"Apesar de frágil, Timor-Leste é uma jovem democracia em que acreditamos. É o país que escolhemos para viver e trabalhar. Desde dia 28 de Abril muito se tem dito sobre a situação em Timor-Leste. Boatos, rumores, alertas, declarações de países estrangeiros, inocentes ou não, têm servido para transmitir um clima de conflito e insegurança que não corresponde ao que vivemos. Vamos tentar transmitir o que se passa aqui. Não o que ouvimos dizer... "
 

Malai Azul. Lives in East Timor/Dili, speaks Portuguese and English.
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