segunda-feira, abril 09, 2007

Medo de caos ensombra eleições em Timor-Leste

(Tradução da Margarida)

The Australian
Stephen Fitzpatrick, Dili
Abril 09, 2007

JOSÉ Ramos Horta foi à missa de Páscoa este fim-de-semana com "uma série de pecados " para confessar, o menor dos quais não será ter tido pensamentos lascivos sobre a estrela de cinema Jennifer Lopez quando lhe entregou um prémio em Berlim o ano passado.

Esta manhã, ele visitará uma pequena escola primária no subúrbio leste de Dili para votar nele próprio como próximo presidente de Timor-Leste, num acto que espera o possa ajudar a expiar os pecados que ultimamente visitaram a sua surpreendida nação.

É um gesto arriscado, em parte porque o que se ouve nas ruas é que se Ramos Horta derrotar o seu opositor principal, Francisco "Lu'Olo" Guterres do partido no poder, a Fretilin, será assassinado.

Num país dividido que se alimenta de rumores, a ameaça provavelmente não tem fundamento, contudo há receios genuínos de que a derrota da Fretilin possa anunciar o regresso da violência do ano passado que deixou dúzias de mortos e de feridos e separou os órgãos políticos do país.

Já houve confrontos espalhados entre apoiantes de vários candidatos às eleições dehoje, com os tons de ameaças e contra-ameaças a escalar no fim-de-semana ao ponto de alguns famílias de regiões de fora da capital estarem a fugir das casas com receio pela vida.

Ramos Horta está confiante sobre a possibilidade de mais caos, apesar de longe da humildade: "Se for eleito, suportarei uma cruz de madeira quase tão pesada como a de Cristo," disse numa entrevista na Quinta-feira Santa. "Se eu perder, (ganho) a minha liberdade."
Há indicações que o laureado do Nobel de Timor-Leste não será livre ainda para recomeçar a vida urbana por que anseia: escrever, contemplar e cortejar a elite política do mundo.

Dos oito candidatos que concorrem à presidência hoje, apenas Ramos Horta e Guterres se pensa que têm qualquer oportunidade real de sucesso. O candidato Fernando "Lasama" de Araujo, do Partido Democrático, parece que provavelmente ficará no terceiro lugar, com o efeito principal de dividir os votos para os corredores da frente e forçar uma segunda volta em 9 de Maio.

Uma quarta, Lucia Lobato do Partido Social Democrático, pode atrair alguns seguidores de certos sectores da população dada a desafiar a tradição fortemente patriarcal de Timor-Leste e a instalar a primeira mulher líder do país – para despedir a prima do presidente fundador Nicolau Lobato – mas não é esperado que perturbe abertamente os mais votados.

Membros da Fretilin insistem que têm os resultados garantidos sem necessidade de uma segunda volta, ao mesmo tempo que o próprio Guterres apela à cautela - "Estou optimista mas a única prova está nos boletins de voto," disse numa entrevista de fim-de-semana na sua confortável casa em – os seus conselheiros vão muito mais longe.

"Repare, se nos guiarmos apenas pelos números – se tivermos 80 por cento em Baucau, talvez 60 a 70 por cento em Los Palos, cerca do mesmo em Viqeque e 45 ou 50 por cento em Manatuto – então ele ganhou," disse o conselheiro político principal Harold Moucho. "O resto é menor."

"Teremos ainda os votos dos partidos mais pequenos, muitos deles são desdobramentos da Fretilin," acrescenta o director da campanha de Guterres, Filomeno Aleixo.

Outros discordam, e com alguma lógica. Os números esmagadores de Moucho focam-se no leste do país, onde é mais evidente o apoio concentrado na Fretilin, e ignora os distritos do oeste, onde mora o centro do descontentamento dos militares que contribuíram pesadamente para o caos do ano passado.

Moucho está ainda a contar com os 270,000 membros registados da Fretilin, de um total de f 522,933 eleitores Timorenses adultos, para ter o seu homem à frente.

Contudo, as coisas não serão tão simples assim. Mesmo dentro do partido há dessidentes, com um bloco interno "Fretilin Mudanca (reforma)" de membros a apelarem ao voto em Ramos Horta, um fundador do partido que deixou a organização há mais de 15 anos mas que recomeçou a sua aliança com o grupo de inspiração marxista quando substituiu o seu secretário-geral, como primeiro-ministro no pico da violência do ano passado como estratégia de emergência para libertar a pressão.

O principal agente da Fretilin Mudanca Jose Luis Guterres, que ocupa o crgo de Ministro de Estrangeiros depois de Ramos Horta ascender ao gabinete de primeiro-ministro, diz que não há espaço para a liderança da Fretilin poder ser autorizada a continuar a "conduzir mal o país ".

"Já vimos que este Governo não consegue fazer um bom trabalho," diz, sentado num café ao ar livre frente ao mar em Dili, cheio de polícias da Nova Zelândia, burocratas estrangeiros e trabalhadores humanitários, que aqui estão como parte do esforço internacional massivo para manter um rumo correcto no país em luta.

"Não estão a fazer nenhum tipo de investimento rural, e nem sequer pediram perdão pelo que aconteceu no ano passado. Estivemos perto de uma guerra civil, e tudo o que fazem é culpar os outros, não olham para si.

"Penso que Ramos Horta, e provavelmente Xanana como primeiro-ministro, podem ajudar a unir o país. Ramos Horta é alguém que todos conhecem e confiam nele para trabalhar por Timor-Leste."

O apoio do Presidente Kay Rala "Xanana" Gusmão será crucial para a oportunidade de Ramos Horta. Depois de trazer para o seu aliado de há muitos anos os votos dos “veteranos” da nação – os que, como Gusmão, passaram a maioria da sua vida adulta lutando na guerrilha contra a ocupação de 24 anos da Indonésia – o homem visto como o pai fundador de Timor-Leste quase de certeza concorrerá nas eleições parlamentares em meados do ano para primeiro-ministro e conduzirá um governo liderado pelo seu novo partido acabado de formar o Congresso Nacional da Reconstrução Timorense.
A complexidade e intensidade da política de Timor-Leste pode espantar, e a confiança em símbolos e mitos são uma parte crucial para a compreender.

O novo agrupamento de Gusmão usa a sigla CNRT – a mesma do antigo Conselho Nacional da Resistência Timorense, o grupo abrangente formado por Ramos Horta e Gusmão que liderou para a independência e funcionou efectivamente como partido político e máquina do Estado entre 2000 e 2002.

Reacender a marca CNRT atrairá um voto de nostalgia nos distritos, onde são reverenciados heróis e combatentes da libertação.

O fenómeno ajuda a explicar o apoio ao desertor antigo comandante da polícia militar Alfredo Alves Reinado, que parece ter escapado com a ajuda de aldeões em Same, a sul de Dili, durante um assalto falhado ao seu esconderijo pelas tropas SAS Australianas no mês passado.

O Brigadeiro Mal Rerdon, o comandante Australiano da Força Internacional de Estabilização que providencia a segurança militar em Timor-Leste, diz "Alfredo Reinado é um foragido que deve enfrentar a justiça".

"Algumas pessoas nos distritos parecem ter a impressão que Alfredo é um herói," disse na semana passada. "É importante que compreendam que Alfredo não lhes dará qualquer espécie de solução. Enquanto se mantiver um foragido, apenas trará instabilidade e desassossego."

Mas para muitos Timorenses não é assim tão simples: compraram a comparação deliberadamente cultivada pelo amotinado com Dom Boaventura, que desencadeou uma luta sangrenta contra tropas Portuguesas pesadamente armadas no início do século 20.
Boaventura foi finalmente forçado para fora da sua praça forte de Same em 1912 numa acção militar que resultou na morte de milhares de homens, mulheres e crianças; há uma estátua em sua honra não muito longe da embaixada Australiana em Dili, supervisionando um campo de deslocados.

Para muitos dos que estão nos campos de deslocados e outros numa nação onde o desemprego ultrapassa os 50 por cento e o PIB per capita foi de $425 o ano passado, as expectativas são baixas e relativamente fáceis de satisfazer.

Todos os lados concordam que os mais de $1 bilião do dinheiro do petróleo guardado numa conta bancária em Nova Iorque precisa de começar a correr para infra-estruturas e desenvolvimento. Um relatório recente do Banco Asiático de Desenvolvimento previu uma taxa de crescimento de mais 30 por cento para Timor-Leste no próximo ano financeiro. O realizador de filmes Max Stahl, que tem seguido há anos o destino de Timor-Leste, é fluente no Tétum a língua oficial e ocupa a posição privilegiada de documentarista e participante nos trabalhos do país, compara i a "um barco basicamente bem-constuído mas instável ".

"É como se não tivesse uma quilha suficientemente pesada," reflecte, "assim logo que é atingido por rajadas de vento balança de um lado ao outro e ameaça virar-se, apesar de nunca o fazer. Está suficientemente bem construído, por isso não se vira."

Stahl insiste "a questão importante é se Timor-Leste pode ser governado, não quem é que o deve governar".

Mas primeiro tem que se gerir a eleição, mas apesar dos melhores esforços do representante da ONU Atul Khare para ajudar Timor-Leste a conduzir a sua primeira eleição geral, os problemas são inevitáveis.

As críticas incluem preocupações de uma equipa de certificação da ONU tão recentemente quanto no mês passado que não se preencheram ainda as condições para eleições livres. Correctas e transparentes. Esses receios foram enfatizados na Sexta-feira, quando emergiu que os cartões de identidade produzidos pela comissão eleitoral do país não incluía fotografias e provavelmente não chegariam a tempo às assembleias de voto nos distritos .

"É como se ele (Khare) está tão desesperado para tudo correr bem, que não quer admitir que não há problemas nenhuns," diz um analista estrangeiro baseado em Dili.

Mas para muitos, incluindo Khare, só o facto de uma nação que nasceu no fogo da separação violenta de 1999 da Indonésia poder realizar em breve as suas próprias eleições é um pequeno milagre.

"Estas eleições, se forem credíveis, livres, correctas, independentes e se os resultados forem aceitáveis e aceites pela população, então podem ter um efeito unificador," diz o diplomata indiano. "Contudo, as eleições não são o último passo no processo diplomático mas o primeiro passo – é o dia depois que acredito que é muito mais importante do que o dia em que se vota."

Stephen Fitzpatrick é o correspondente do The Australian em Jacarta

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Traduções

Todas as traduções de inglês para português (e também de francês para português) são feitas pela Margarida, que conhecemos recentemente, mas que desde sempre nos ajuda.

Obrigado pela solidariedade, Margarida!

Mensagem inicial - 16 de Maio de 2006

"Apesar de frágil, Timor-Leste é uma jovem democracia em que acreditamos. É o país que escolhemos para viver e trabalhar. Desde dia 28 de Abril muito se tem dito sobre a situação em Timor-Leste. Boatos, rumores, alertas, declarações de países estrangeiros, inocentes ou não, têm servido para transmitir um clima de conflito e insegurança que não corresponde ao que vivemos. Vamos tentar transmitir o que se passa aqui. Não o que ouvimos dizer... "
 

Malai Azul. Lives in East Timor/Dili, speaks Portuguese and English.
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