segunda-feira, abril 09, 2007

Jornal de Notícias - Domingo, 8 de Abril de 2007

Uma presença mais empenhada que no tempo colonial

Não será exagerado, porventura, dizer que Portugal está mais ligado ao Timor independente do que à colónia de antanho. Pela forma de colonização e exploração comercial, desde o século XVI, a presença lusa na remota foi mais ténue do que em qualquer outra parte do império. Desde que Timor se tornou uma causa portuguesa, tudo mudou. Da segurança à educação, passando pelo apoio social ou pela intervenção económica, os portugueses estão lá com outro empenho.

Pelos piores motivos (a insegurança que persiste), é o contingente da GNR (Subagrupamento Bravo), integrado na força policial das Nações Unidas, que mais dá nas vistas, tendo há dias sido reforçado com 77 operacionais.

Não sendo Timor dissociável do petróleo, essa é, claro, uma área em que Portugal quer penetrar, e a Galp tem tentado assegurar a participação nos blocos de exploração que a petrolífera italiana tem em Timor. O próprio Governo timorense, no tempo de Mari Alkatiri, manifestara interesse em ver a empresa portuguesa no Mar de Timor. Já a exploração de café é mais simbólica do que outra coisa. A ilha nunca produziu café de grande qualidade, e as compras feitas pela Delta (800 toneladas em 2006) são, essencialmente, uma forma de ajuda.

Em lugar de destaque está, claro, o papel das ONG portuguesas, em áreas muito diversas, da saúde ao ensino. No capítulo do ensino da Língua Portuguesa, merece evidente destaque o papel que tem vindo a ser desempenhado pelo Instituto Camões.

O que diz a lei eleitoral

Orlando Castro
O carácter independente e supra-partidário do magistério presidencial é, segundo a lei eleitoral aprovada pelo Parlamento timorense em 21 de Dezembro de 2006, transmitido pela obrigatoriedade da propositura de candidatura ser feita por um número mínimo de 5000 cidadãos eleitores (maiores de 17 anos), de todos os distritos, não podendo qualquer deles ser representado por menos de 100 proponentes. O presidente da República, que terá de ter como idade mínima 35 anos, é eleito mediante sufrágio universal, livre, directo, igual, secreto, pessoal e periódico por um período de cinco anos e o mandato só pode ser renovado uma única vez.

Na eleição do presidente da República, em lista uninominal, existe um só círculo eleitoral, equivalente a todo o território nacional, com sede em Díli. A eleição faz-se pelo sistema de maioria dos votos validamente expressos, excluídos os votos em branco, e se nenhum dos candidatos obtiver mais de metade dos votos validamente expressos procede-se a uma segunda votação à qual concorrem apenas os dois mais votados e que terá lugar no trigésimo dia seguinte ao da primeira votação.

A CNE - Comissão Nacional de Eleições, recebidas as actas de apuramento distrital, tem 72 horas para oficializar o resultado nacional.


"Por que não votamos nestas eleições?"

Fátima Mariano

"Por que é que os timorenses que vivem fora do país não podem votar nestas eleições presidenciais? Não sei quem é que inventou essa lei, mas isso não existe em nenhuma democracia do mundo". As palavras de Leopoldino Silva traduzem a revolta dos cerca de 50 timorenses residentes em Portugal que, ontem à tarde, se reuniram na Residência Universitária Alfredo de Sousa, da Universidade Nova de Lisboa, para cumprimentar o novo embaixador de Timor-Leste em Portugal, Manuel Soares Abrantes.

Embora longe do país, os timorenses da diáspora não deixam de acompanhar a par e passo o que se passa no seu território. "Estou em Portugal há cinco anos a estudar Direito e tenho muita pena de não poder votar nestas eleições", lamenta José Gonçalves da Silva, 32 anos.

José acredita que o povo timorense está preparado para aceitar qualquer resultado, embora, pessoalmente, prefira que seja a FRETILIN a vencer as eleições. "Foi a FRETILIN que deu a independência a Timor. É um partido histórico", sublinha.

Embora os serviços consulares ainda não tenham feito o recenseamento dos timorenses que vivem em Portugal, estima-se que estes rondem os três mil. Às críticas que estes apresentam por não poderem votar, Manuel Soares Abrantes diz apenas para terem "calma e serenidade". "Os timorenses têm que mostrar que estão preparados para este exercício de cidadania", acrescenta.

Ninguém parece acreditar que depois de conhecidos os resultados eleitorais possa haver guerra civil. "O povo está cansado da guerra", garante Filipe Marques, 32 anos, estudante de Sociologia. O que não quer dizer que não possa haver focos de violência. "Pode haver alguma violência, devido à atitude de alguns líderes", vaticina.

Num ponto todos parecem estar de acordo chegou a hora de Xanana Gusmão se afastar e dar o lugar a outro. "Timor não é só uma pessoa. É todo um povo", afirma Joaquim da Cruz, 31 anos, estudante de Ciência Política e Relações Internacionais.

Primeiro passo no sentido de resolver a crise

Rosa Tavares*

As eleições presidenciais podem ser muito importantes para o futuro de Timor-Leste. Podem ser um primeiro passo no sentido de resolver a crise que se manifestou de forma aguda em 2006. No entanto, a experiência de muitos países mostra que o estabelecimento de uma Constituição democrática e a realização de eleições livres não são suficientes para instaurar uma sociedade democrática. Muitas vezes, é depois das eleições que os conflitos emergem novamente.

É muito importante para o futuro de Timor que, além de eleições livres e democráticas, se caminhe no sentido de criar uma sociedade verdadeiramente democrática, em que todos possam livremente participar.

Estando dividida como está, desde 2006, a sociedade timorense, é muito importante que o resultado das eleições potencie o desenvolvimento de um clima de paz, de respeito pelas instituições e grupos sociais, de diálogo e de cooperação política e social, a todos os níveis.

Se isso não acontecer, a instabilidade pode voltar a instalar-se, ainda que de algum modo controlada e limitada pela presença de forças internacionais.
* Presidente do Instituto Internacional para o Intercâmbio e os Estudos Asiáticos

Um país que fica longe e é um destino final

Pedro Sousa Pereira, António Cotrim, em Díli

No tempo dos indonésios, os táxis de Díli eram carrinhas Chevrolet americanas, pintadas de azul como os táxis da companhia Blue Bird de Jacarta, mas muitos não tinham fundo e andavam muito devagar e a gasolina fornecida pela companhia indonésia Pertamina, misturada com água, deixava um cheiro intenso nas ruas esburacadas da capital.

Os velhos táxis azuis desapareceram, como quase tudo, em 1999. Foram levados para o outro lado da fronteira durante a operação de saque, pilhagem e deportação organizada pelas milícias e o exército de Jacarta.

Quando a administração das Nações Unidas tomou conta de Timor as estradas continuaram na mesma, mas os veículos todo-o-terreno das forças internacionais e da ONU passavam por cima de tudo sem problemas e quando, a 20 de Maio de 2002, Francisco Guterres "Lu-Olo", actual candidato ao cargo de chefe de Estado, decretou a "restauração" da independência em Tacitolo já andavam por aí muitos carros importados de Singapura, amolgados, com a suspensão partida e tão lentos como os táxis do tempo dos indonésios.

Há coisas que demoram a acontecer na jovem República Democrática de Timor-Leste, apesar de todos falarem do dinheiro do petróleo.

Segundo o embaixador de Jacarta em Díli, Ahmed Bey Sofwan, ainda há cerca de 4000 timorenses refugiados na parte indonésia da ilha e em Timor-Leste vivem ainda 2000 indonésios.

Para o diplomata indonésio, é difícil em apenas cinco anos conseguir mudanças estruturais num país que "adora política" e que ainda não começou a investir em infra-estruturas.

"Os timorenses adoram política. Aqui há muitas organizações não governamentais a falarem de política. Aliás, este é o país do mundo onde há mais ONG. Só falam de corrupção, de paz, de política mas ninguém fala da pobreza ou de projectos agrícolas, de pescas ou de educação".

O embaixador da Indonésia, que se encontra em Timor desde 2004, refere que o país é um bom vizinho mas que ainda precisa de muito para se desenvolver.
"Lamento dizê-lo, mas o Governo está muito preocupado com a democracia mas o que é mais urgente é dar empregos às pessoas" e acrescenta que "o novo Governo tem de encontrar soluções para arranjar empregos para os jovens que andam ocupados a atirar pedras uns aos outros. Há muita terra aqui que não está a produzir nada".

Desde o ano passado que Timor vive uma crise que levou à demissão do primeiro-ministro Mari Alkatiri, mas para o embaixador indonésio os problemas relacionados com os peticionários das Forças Armadas podiam ter sido evitados, porque, diz, tratava-se de um assunto administrativo.

"Parece que foi um grande problema mas na verdade eles não tinham motivações políticas, foi só um problema administrativo. Não foi uma questão política. Alguns membros das Forças Armadas foram punidos por motivos de disciplina mas a questão tornou-se num assunto político que ainda não foi resolvido", disse o embaixador que agita um copo com água enquanto explica que em Timor tudo parece "uma grande onda" ou um "tsunami" no oceano.

"No meio do mar isto não é nada. Todos os dias há violência em Nova Iorque e nos bairros de Londres, mas aqui basta haver alguma agitação para se falar logo do 'Dia do Juízo Final'. Em Jacarta há manifestações todos os dias", acrescenta.

Sem deixar de lamentar as situações de violência, Ahmed Bey Sofwan afirma que deviam ser os timorenses a resolver os seus próprios problemas.

"Eu não sei o que levou o Governo a pedir à Austrália a vir para cá, tal como aconteceu antes com o pedido à Malásia. Seria melhor conseguir segurança com os meios do próprio país, reorganizando a polícia e os militares timorenses e pedir às Nações Unidas para desarmar todas as pessoas. Era melhor desarmar toda a gente".

Os investimentos são fundamentais para o país e, por isso, o embaixador considera que deviam ser captadas empresas da região.

"Se os timorenses não abrirem o país aos estrangeiros vai demorar muito tempo. Têm de convidar investidores da China, da Indonésia, da Austrália, de Singapura. Os emigrantes ajudam a melhorar o mundo, como em Hong-Kong ou Macau, onde há gente de todo o lado".

As parcerias e negócios com os países vizinhos podem ajudar a combater o isolamento e a situação geográfica de um país periférico, que é como Portugal, fica longe e é um destino final.

"Timor é como Portugal, é um destino final. O país tem de cooperar com a Indonésia e com a Austrália. Se eles tentarem desenvolver-se sozinhos vai ser muito difícil. Timor não é como Singapura ou Jacarta que ficam no meio e são pontos de trânsito. Timor é o fim".

Nas ruas de Díli, o "destino final", os táxis andam devagar sobre as estradas esburacadas de sempre apesar de animados pela música do rádio.

Em 103.5 FM pode mesmo ouvir-se a Antena 1 que transmite para Timor-Leste e receber as informações, em directo, do trânsito na Via de Cintura Interna no Porto, ou na Rotunda do Relógio, em Lisboa. Em Díli não há trânsito mas os carros andam devagar, como tartarugas.

Baucau e Díli, duas cidades que funcionam a geradores

Em Baucau, o bispo D. Basílio do Nascimento está a tentar captar empresas mas a segunda cidade do país funciona a geradores, tal como a capital Díli, e há uns quilómetros de estrada construída pela cooperação japonesa perto de Same, mas são apenas alguns quilómetros porque o resto são caminhos que desaparecem durante as chuvas e que acabam por fazer com que a maior parte da produção de arroz, do sul do país, nunca chegue à capital.

O arroz vem do estrangeiro, assim como o combustível que chega da Austrália e da Indonésia.

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Traduções

Todas as traduções de inglês para português (e também de francês para português) são feitas pela Margarida, que conhecemos recentemente, mas que desde sempre nos ajuda.

Obrigado pela solidariedade, Margarida!

Mensagem inicial - 16 de Maio de 2006

"Apesar de frágil, Timor-Leste é uma jovem democracia em que acreditamos. É o país que escolhemos para viver e trabalhar. Desde dia 28 de Abril muito se tem dito sobre a situação em Timor-Leste. Boatos, rumores, alertas, declarações de países estrangeiros, inocentes ou não, têm servido para transmitir um clima de conflito e insegurança que não corresponde ao que vivemos. Vamos tentar transmitir o que se passa aqui. Não o que ouvimos dizer... "
 

Malai Azul. Lives in East Timor/Dili, speaks Portuguese and English.
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