quarta-feira, outubro 18, 2006

Relatório da ONU sobre confrontos em Timor debaixo de fogo de Alkatiri

Publico.com
18.10.2006

http://jornal.publico.clix.pt/default.asp?a=2006&m=10&d=18&uid=&sid=11359

Adelino Gomes

Pedidos processos judiciais contra 90 pessoas. Roque Rodrigues e Taur são surpresa. Alkatiri diz-se inconformado.

O ex-primeiro-ministro Mari Alkatiri acusa a Comissão Independente Especial da ONU de usar dois pesos e duas medidas na análise das responsabilidades pela crise que desembocou em actos de violência em Abril e Maio passados, em Timor-Leste. "O relatório veio abrir campo para novas suspeições e rumores, o que de modo nenhum ajuda a resolver de forma justa esta crise", disse ao PÚBLICO, num contacto telefónico ontem a meio da tarde (início da madrugada em Díli).

O relatório, ontem entregue ao Parlamento Nacional de Timor-Leste e de imediato divulgado pela ONU em três línguas - tétum, português e inglês -, recomenda a abertura de processos judiciais contra nove dezenas de ex-governantes, oficiais do exército e da polícia, soldados e vários civis, por crimes praticados durante os confrontos.

Entre os incriminados - vários apenas identificados pelo apelido ou mesmo pelo primeiro nome - figuram os ex-ministros da Defesa, Roque Rodrigues, e do Interior, Rogério Lobato, o comandante das F-FDTL (Falintil/Forças de Defesa de Timor-Leste), brigadeiro Taur Matan Ruak, e dois dos seus principais oficiais superiores, Lere e Falur, antigos comandantes guerrilheiros, tal como Ruak. O major Reinado, antigo comandante da Polícia Militar, actualmente a monte, o tenente Salsinha, chefe dos peticionários que abandonaram o exército, e Vicente Railós, que alega ter sido encarregado por Alkatiri e Rogério Lobato de eliminar os peticionários e líderes da oposição, constam igualmente da lista.

"Querem branquear uma das partes"

Nenhum crime é atribuído às duas figuras que surgiram a protagonizar o confronto institucional - Xanana Gusmão, Presidente, e Mari Alkatiri, primeiro-ministro e secretário-geral da Fretilin. Enquanto, porém, o primeiro é apenas criticado, o segundo vê-se alvo novamente de suspeitas de envolvimento na distribuição de armas, pelo que a comissão da ONU recomenda que sejam empreendidas novas investigações à sua actuação na crise (ver caixa).

Numa primeira reacção à imprensa nacional e internacional, Alkatiri declarou-se "razoavelmente satisfeito" com as conclusões do relatório.

Após ter lido o texto integral, porém, o ex-primeiro-ministro mudou de opinião. Porque considera injustas, quer a manutenção de suspeições sobre um seu alegado conhecimento da distribuição de armas a civis, quer as acusações formuladas pela comissão contra Matan Ruak e Roque Rodrigues. "Dá a impressão que queriam branquear um das partes - o comando da PNTL [a polícia nacional] - e colocar o ónus sobre o comando da outra - as F-FDTL [as Forças de Defesa]", acusou.

Alkatiri reconhece que o relatório "tem aspectos positivos". Aponta dois exemplos: "Não houve um massacre em Taci-Tolo [alegadamente cometido pelas Forças Armadas, em 28 e 29 de Abril, e de que teriam sido vítimas 60 pessoas]. Foram feitas também inúmeras acusações à Fretilin, e pelo que vemos nenhuma se concretiza."

As conclusões do documento, porém, acabarão por dificultar o processo de reconciliação em marcha, considera, referindo-se a iniciativas de diálogo em curso, no âmbito da Igreja Católica internacional e do Grupo de Madrid, constituído por ex-chefes de Governo, que enviaram recentemente uma delegação a Díli. "O parlamento [onde a Fretilin tem maioria] vai analisar com pinças o que nele se diz e ver quais as partes válidas e aquelas que deverão ser ignoradas", concluiu.

A comissão, constituída pelo brasileiro Sérgio Pinheiro, pela sul-africana Zelda Holtzman e pelo britânico Ralph Zaclin, recomenda que um procurador internacional seja encarregado de supervisionar os processos, na qualidade de adjunto do procurador-geral da República, e que haja sempre a presença maioritária de magistrados internacionais nos julgamentos: dois, nos colectivos de três juízes, e que, no caso de juiz único, este seja internacional.

Para além de mais recursos humanos, a Comissão pede garantias de segurança às instalações dos tribunais, aos centros de detenção e às testemunhas, a divulgação pública do andamento dos processos e respectivo acompanhamento pelo provedor dos Direitos Humanos e Justiça e pelas ONG.

Numa mensagem ao país, o Presidente da República, Xanana Gusmão, disse que compete agora aos tribunais "assumirem a responsabilidade de prosseguir com investigações mais extensas e a responsabilidade sobre os processamentos judiciais" recomendados pelo Comissão e que considerou "muito relevantes" (ver reacções).

"É tempo de parar e de reflectir sobre o que é bom para todos os timorenses e aquilo que não é bom para ninguém", prosseguiu Xanana, que se encontrava ladeado pelo presidente do Parlamento, Lu-Olo, e pelo primeiro-ministro, José Ramos-Horta.

O Conselho de Ministros deve reunir-se "urgentemente" para deliberar sobre as reparações a proporcionar às vítimas da violência, de acordo com as recomendações do relatório, concluiu o Presidente timorense.

A segurança era apertada no momento da divulgação do relatório, com departamentos governamentais a fecharem mais cedo, mas não se seguiu nenhuma notícia de confrontações, reportou a agência Reuters (ver o relatório na íntegra em português em www.publico.pt).

Igreja e partidos de fora

Em contraste com críticas a Xanana, o actual chefe do Governo, José Ramos-Horta, é referido apenas de raspão na parte do relatório relacionada com a alegada distribuição de armas por Alkatiri e Lobato. O comandante-geral da polícia, Paulo Martins, apesar de acusado de várias falhas graves (entre as quais abandono do lugar e redistribuição de armas), não é alvo de qualquer recomendação. O deputado (independente) Leandro Isaac, acusado de "algum envolvimento" no ataque à residência de Matan Ruak e Roque Rodrigues (ao lado, nas fotos), deverá ser alvo apenas de "mais investigações" de forma a apurar se "teve qualquer envolvimento culpável nos crimes cometidos". A UNOTIL evidenciou "insuficiências no preparo e na abordagem". O relatório não faz qualquer referência a membros da Igreja Católica nem ecoa as acusações de Mari Alkatiri, durante e após a crise, a actuações de partidos da oposição. A.G.

Xanana apenas criticado

Xanana Gusmão "não ordenou ou autorizou" o grupo do major Reinado a cometer actos criminosos em Fatu Ahi (cinco mortos, 10 feridos num confronto com o exército), a 23 de Maio, diz o relatório. O Presidente timorense, contudo, "deveria ter mostrado maior contenção e respeito pelos canais institucionais esgotando os mecanismos disponíveis (...) antes de fazer um discurso público à nação", no qual criticou o comando das Forças de Defesa. Deveria igualmente ter consultado e cooperado com este comando, antes de "intervir pessoalmente junto do major Reinado", que desertara, com armas. A Comissão diz não ter provas para processar Mari Alkatiri por envolvimento na "movimentação, posse ou uso ilegal de armas", mas suspeita que ele "tinha conhecimento sobre a armação ilegal de civis" e por isso recomenda "que se leve a cabo mais investigações" no sentido de apurar a sua eventual "responsabilidade criminal relativamente aos crimes de armas". A.G.

Reacções

[O relatório é] Imparcial e independente. (...) Realça-se a maneira sensata como a Comissão se orientou nas suas análises, optando pelo critério da "suspeita razoável". (...) Nós, os titulares dos órgãos de soberania, comprometemo-nos a não fazer declarações públicas que firam a consciência e o bom nome dos cidadãos e a imagem de outras instituições, particularmente os partidos políticos. Pedimos a todos os que estão envolvidos em actos de violência que parem essas acções. Não podemos viver nesta situação eternamente.
Xanana Gusmão
aos deputados e em declarações aos jornalistas, em Díli

Ou há provas ou não há provas contra mim. A comissão diz que não vê fundamento para eu ser processado judicialmente, mas continua a dizer que há suspeitas. Dizem que eu podia ter usado a minha autoridade para intervir na transferência de armas para civis. Não sei em que é que se baseiam. Não discutiram a questão comigo. Parece que o processo já está dirigido. Eu sempre disse que não tinha conhecimento da transferência de armas. (...) Surpreendem-me muito as acusações contra o [ex-ministro] Roque Rodrigues e o brigadeiro [Taur Matan] Ruak. Sei que eles não distribuíram armas. Mas o relatório vai aos factos, sem ir profundamente às suas causas, que são políticas. [De qualquer maneira] ouve um trabalho feito. (...) É um desafio para nós próprios aprofundarmos a nossa investigação.
Declarações ao PÚBLICO,
por telefone (excertos)

[O relatório é] Equilibrado. Nós gostaríamos era que o processo de pacificação e estabilização do sistema político de Timor se processasse normalmente até à realização das próximas eleições, com uma forte participação e uma particular atenção da comunidade internacional, e das Nações Unidas muito particularmente.
Luís Amado
Ministro português dos Negócios Estrangeiros,
no Luxemburgo

(...) Lidas as conclusões (...), constata-se que o relatório é o resultado de um processo político de depuração. No essencial, nenhum dos players timorenses o vai poder utilizar contra os outros. Dito isto, nota-se - ou eu julgo notar - uma certa condescendência em relação a Xanana Gusmão, o mesmo não acontecendo em relação a Mari Alkatiri.
Paulo Gorjão
universitário, especialista
em questões internacionais, in www.bloguitica.blogspot.com

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Traduções

Todas as traduções de inglês para português (e também de francês para português) são feitas pela Margarida, que conhecemos recentemente, mas que desde sempre nos ajuda.

Obrigado pela solidariedade, Margarida!

Mensagem inicial - 16 de Maio de 2006

"Apesar de frágil, Timor-Leste é uma jovem democracia em que acreditamos. É o país que escolhemos para viver e trabalhar. Desde dia 28 de Abril muito se tem dito sobre a situação em Timor-Leste. Boatos, rumores, alertas, declarações de países estrangeiros, inocentes ou não, têm servido para transmitir um clima de conflito e insegurança que não corresponde ao que vivemos. Vamos tentar transmitir o que se passa aqui. Não o que ouvimos dizer... "
 

Malai Azul. Lives in East Timor/Dili, speaks Portuguese and English.
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