segunda-feira, abril 16, 2007

Eles adoravam escrever e guardavam tudo

Público – 14 de Abril de 2007
Paulo Moura, em Díli

Por trás da vitrina: "Companheiros: Vigilância redobrada, boas entradas e sucessos na luta são os desejos de todos". Por trás da vitrina: "Todo o caminho é árduo. O percurso é que vai anotando a firmeza da acção, e a acção estabelecendo a firmeza do espírito". Por trás da vitrina:

"... mais um ano passou, na dureza das provas. Mais um ano..." Por trás da vitrina: "Querido irmão. Saudações muito combativas. Mais um ano de separação física. Acredita-me: estamos unidos no pensamento e na acção. Pátria ou morte".

Os documentos estão expostos, em cópias fac-similadas, ou guardados e prontos para serem consultados, num dos dois computadores colocados à disposição do público. São cartas, contas, relatórios, mapas, guias de remessa, fotografias, contratos, recibos, recortes de imprensa, bandeiras, cartazes, imagens, comunicados, manifestos. "Eles adoravam escrever", diz Alfredo Caldeira, da Fundação Mário Soares. "E guardavam tudo." Foi isso que descobriu quando a sua equipa, com a colaboração do professor José Mattoso, começou a recuperação dos documentos da Resistência. "Eles tinham uma noção muito clara de que era preciso preservar todas as provas". Tinham a noção de que se tornariam História e lenda. Os mitos do país independente que nasceria no futuro.

Escreviam tudo. Escreviam muito. Contavam, explicavam, especulavam. E não deitavam nada fora, excepto a própria vida. Talvez esse desapego os levasse a respeitar os objectos, os registos que lhes sobrevivessem. Como se as pegadas fossem tão importantes como os próprios passos.
A aventura dos investigadores portugueses começou em 2001, quando Timor, e Xanana Gusmão, pediu ajuda à Fundação Mário Soares para organizar uma exposição da independência. De início, ninguém tinha nenhuma ideia do que seria. Mas os documentos começaram a chegar. Cada um dos antigos combatentes guardava cartas, papéis e todo o tipo de objectos. Cada comandante militar, cada chefe de aldeia tinha um espólio imenso.

Organizou-se então a recolha do património. Ou melhor: a entrega do património. Quando se soube da exposição, toda a gente tinha coisas para entregar. Foram abertos os abrigos da Resistência, por todo o país, nas montanhas, nas aldeias, para retirar os documentos. Papéis e canetas, caixas, carimbos e máquinas de impressão, a máquina de escrever de Konis Santana, o primeiro líder da Resistência. Chegaram a entregar-se documentos rasgados. Até as cinzas de documentos queimados. Tudo parecia importante.

Em 2002, realizou-se a primeira grande cerimónia de entrega de documentos. Foi um momento de emoção única. Os velhos guerrilheiros não continham as lágrimas enquanto as caixas iam sendo depositadas. Líderes militares e políticos choravam como crianças. Vieram de todo o lado, para assistir. Àquele momento de triunfo, de fundação e de símbolo. E também de reconciliação. Mário Carrascalão, que apoiou a ocupação indonésia, que levou à morte de centenas de milhares de pessoas, veio entregar as fotografias da invasão.

Os documentos eram levados para Portugal, para seleccionar e recuperar. Depois digitalizar e interpretar. A maior parte deles está guardada em Lisboa, mas disponível para consulta na base de dados do museu.

Durante a crise de 2006, manifestantes em fúria passaram à porta do museu. Não lhe tocaram.

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Traduções

Todas as traduções de inglês para português (e também de francês para português) são feitas pela Margarida, que conhecemos recentemente, mas que desde sempre nos ajuda.

Obrigado pela solidariedade, Margarida!

Mensagem inicial - 16 de Maio de 2006

"Apesar de frágil, Timor-Leste é uma jovem democracia em que acreditamos. É o país que escolhemos para viver e trabalhar. Desde dia 28 de Abril muito se tem dito sobre a situação em Timor-Leste. Boatos, rumores, alertas, declarações de países estrangeiros, inocentes ou não, têm servido para transmitir um clima de conflito e insegurança que não corresponde ao que vivemos. Vamos tentar transmitir o que se passa aqui. Não o que ouvimos dizer... "
 

Malai Azul. Lives in East Timor/Dili, speaks Portuguese and English.
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