sábado, abril 07, 2007

Entrevista Público - Mari Alkatiri

Público – Sábado, 7 de Abril de 2007

Chamada de primeira página: Xanana dividiu Timor-Leste, acusa Alkatiri - Xanana Gusmão dividiu o país na crise de 2006, diz o antigo primeiro-ministro Mari Alkatiri ao enviado especial do PÚBLICO. Afirma que quem libertou Timor-Leste tem o direito de o governar e que só o candidato da Fretilin, Lu Olo, pode ganhar as presidenciais, cuja primeira volta é amanhã. Defende que os militares estrangeiros devem sair após as legislativas, com excepção da GNR. Paulo Moura, em Díli - Mundo, 14, 15

Artigos: Timor-Leste – Mari Alkatiri, em entrevista, diz que é impossível a Fretilin perder

"Quem libertou o país tem direito de o governar"

07.04.2007, Paulo Moura, em Díli

Militares estrangeiros devem sair após legislativas, excepto a GNR, diz Alkatiri, que fala em conspirações externas contra a Fretilin.

Mari Alkatiri não é candidato presidencial, mas é a principal figura da Fretilin. Desacreditado após a crise de 2006, demitiu-se da chefia do Governo. Mas o seu plano é voltar, contando com um obediente Lu Olo, que acredita vai ganhar as presidenciais, amanhã, à primeira volta.

PÚBLICO - No comício de encerramento de campanha, em Díli, estiveram, segundo a Fretilin, 30 mil pessoas. A Polícia contou apenas 6 mil.

Mari Alkatiri - Posso garantir que não foram 6 mil. Em 15 dias de campanha, nunca tivemos menos de 5 mil pessoas.

Público - São números de confiança?

Mari Alkatiri - Sim, e são só as pessoas que vêm enquadradas. Nem estamos a contar com as que vieram por iniciativa própria.

Público - O que são pessoas enquadradas?

Mari Alkatiri - Organizadas e contadas quando entram nos carros.

Público - É por isso que sabem que vão ganhar as eleições?

Mari Alkatiri - Temos três níveis de trabalho: os comícios, o nível distrital e o nível de base, que é o mais importante, e é a campanha casa a casa.

Público - Vão a todas as casas?

Mari Alkatiri - Sim. Formamos quadros que vão bater porta a porta. Penso que não há nenhum cidadão que não tenha sido contactado. Por isso sabemos que vamos ganhar à primeira volta.

Público - Porque disse a polícia 6 mil? É manipulação?

Mari Alkatiri - Não tenho dúvidas de que é manipulação.

Público - Porque fariam isso?

Mari Alkatiri - Porque querem que haja uma segunda volta, onde pensam que Ramos Horta teria mais hipóteses.

Público - E porque quer a polícia que ganhe Ramos Horta?

Mari Alkatiri - Há um interesse, em certos sectores, em que ganhe Ramos Horta. Não do povo, mas certos sectores externos a este povo.

Público - Quem?

Mari Alkatiri - Prefiro não dizer.

Público - São países estrangeiros?

Mari Alkatiri - Não são países, mas são interesses estrangeiros.

Público - Interesses económicos?

Mari Alkatiri - São interesses económicos e políticos estrangeiros, que apoiam certos candidatos.

Público - Têm o direito de apoiar.

Mari Alkatiri - Mas não de interferir. Ainda hoje recebi um SMS apelando ao voto em Ramos Horta. Telefonei para o número de onde vinha a mensagem e responderam-me em inglês. Isso prova que há estrangeiros a fazerem a sua campanha.

Público - A Fretilin disse que tinha moçambicanos a ajudar na campanha.

Mari Alkatiri - São técnicos que vêm aconselhar. Não andam a fazer campanha. Nós temos conhecimento de pessoas que estão aqui a trabalhar para interesses estrangeiros. Ainda há pouco tempo expulsámos um jornalista estrangeiro que andava a fazer agitação.

Público - É normal que haja lobbies representando interesses...

Mari Alkatiri - Mas não é normal incitar à violência. Foi o que aconteceu na crise do ano passado. Elementos estrangeiros andaram a incentivar pessoas para fazerem um golpe.

Público - A crise dos "peticionários" foi um golpe?

Mari Alkatiri - Sim, o povo já percebeu que foi um golpe.

Público - Foi tudo planeado?

Mari Alkatiri - Não há golpes espontâneos. Houve uma intenção clara de pôr fim ao domínio da Fretilin. Sabiam que se a Fretilin governasse mais um ano, nunca mais perderia eleições. Pela primeira vez tínhamos um orçamento substancial de mais de 300 milhões de dólares.

Público - Porque já contava com o fundo do petróleo. Mas porque não começou a ser usado antes?

Mari Alkatiri - Porque antes ainda não havia. O dinheiro ia ser usado, mas com tempo. O que podíamos ter feito? Contrair dívidas? Isso criaria uma situação difícil no futuro. Além disso, para se investir dinheiro na economia é preciso criar uma capacidade de gestão do dinheiro.

Público - Que a Fretilin não tinha...

Mari Alkatiri - Nós recebemos o país completamente vazio de instituições.

Público - Mas tratava-se apenas das instituições ou também das pessoas?

Mari Alkatiri - Não há instituições sem pessoas.

Público - Os cargos do Estado não foram demasiado ocupados por elementos que seriam muito competentes na guerrilha, mas pouco preparadas para a governação em democracia?

Mari Alkatiri - Essa acusação é falsa. A Fretilin nunca monopolizou o Estado. Mas é normal e legítimo que as pessoas que libertaram o país agora o governem.

Público - A legitimidade para governar vem da guerra de libertação ou do voto popular?

Mari Alkatiri - Do voto. Por isso nos estamos a candidatar.

Público - Mas se, por hipótese, o vosso candidato perder, ou a Fretilin não obtiver a maioria nas legislativas, aceitam?

Mari Alkatiri - Durante dez meses, já aceitámos tudo. Até entregámos o poder, mesmo tendo ganho as eleições. Agora não. Admitir que poderíamos ser derrotados é uma premissa errada, porque nós vamos ganhar.

Público - Mas apenas como exercício, se o povo decidir não dar a vitória ao candidato da Fretilin, aceitam?

Mari Alkatiri - É um exercício inútil. Nós é que pedimos aos que vão perder que respeitem a vontade do povo. E as regras da democracia. Não é legítimo que o Presidente da República e os bispos se tenham apresentado hoje com Ramos-Horta. Deviam manter neutralidade. É o desespero de quem sabe que vai perder. Já não há figuras carismáticas em Timor.

Público - Perderam o carisma? Quem?

Xanana Gusmão, ou Ramos-Horta. Se o tiveram, perderam-no, pelos erros que cometeram.

Público - A Fretilin não perdeu também credibilidade, pelos erros que cometeu?

Mari Alkatiri - Alguns elementos da Fretilin não deveriam contentar-se com o papel histórico que tiveram na luta de libertação e deixar que outros governassem?

Público - Mas porque é que os elementos da Fretilin são menos capazes do que os outros?

Mari Alkatiri - Porque estão habituados a combater nas montanhas, a resolver os problemas pela violência.

A Fretilin nunca mais quer voltar à guerra. Mas não podemos dizer às pessoas que passaram a sua vida a combater pelo país: agora vai-te embora, já não és necessário.

Público - Porque não?

Mari Alkatiri - Porque seria injusto. As pessoas que libertaram o país têm agora o direito de o governar.

Público - Governar é um direito? Ou um dever?

Mari Alkatiri - As duas coisas.

Público - Só a Fretilin é capaz de governar o país, ou outras forças também o poderiam fazer?

Mari Alkatiri - Neste momento, acho que só a Fretilin tem capacidade para governar o país.

"Xanana dividiu o país"

07.04.2007

Público - Quais são as suas responsabilidades na crise de Abril e Maio de 2006?

Mari Alkatiri - Quando a crise rebentou nas Forças Armadas, eu estava a ser operado em Portugal. Ainda tentei falar com o Presidente Xanana, mas não consegui. Quando voltei verifiquei que havia um grupo de umas 200 pessoas que tinham queixas, que eram peticionários. O Presidente já estava a tomar conta do assunto. Eu ofereci-me para ajudar. Mas era uma crise aparente, porque não havia violência. Depois ausentei-me para uma visita ao Japão. Foi então que houve as expulsões dos mais de 500 militares e o discurso de Xanana, em Maio. Aí tudo se precipitou.

Público - Por causa do discurso?

Mari Alkatiri - Esse discurso dividiu o país.

Público - Porque fez ele isso?

Mari Alkatiri - Tinha o objectivo de enfraquecer o Governo.

Público - Xanana não previu o que poderia acontecer? Ou previu?

Mari Alkatiri - Ele pensou que tinha o carisma suficiente para provocar uma ruptura e depois controlar. Mas não teve essa capacidade.

Público - Mas quem ameaçou os peticionários não foi o Presidente.

Mari Alkatiri - O primeiro a dizer que os peticionários que não regressassem aos quartéis seriam detidos foi Xanana.

Público - O que deveria ter feito o Presidente, nessa crise? Nada?

Mari Alkatiri - Exacto. Isso não foi possível, porque só metade queria regressar. Os outros ficaram até ao fim-de-semana, saíram e nunca mais voltaram. A partir daí tudo se precipitou.

Público - Porquê?

Mari Alkatiri - Porque os peticionários queriam resolver o problema directamente com o Presidente.

Houve uma confusão de poderes, ninguém sabia quem mandava em quem.

Público - Como é que isso aconteceu?

Mari Alkatiri - Por causa da debilidade das instituições. E porque alguém que não tinha essa competência assumiu a liderança da polícia.

Público - Quem?

Mari Alkatiri - Não preciso de dizer quem. Todos sabem que foi Xanana.

Público - Quem pediu a intervenção das forças estrangeiras?

Mari Alkatiri - Fui eu que decidi, assumo isso. Já antes, a 10 de Maio, tinha pedido ao primeiro-ministro Sócrates o envio da GNR. Mas o Presidente Xanana objectou. Se não tivesse objectado, a crise teria sido travada. A 24 de Maio voltei a falar com o Presidente e disse: "Não há alternativa. Ou pedimos forças estrangeiras ou entramos em guerra civil".

Público - Porque critica agora a presença de forças estrangeiras? Já não há o perigo de guerra civil?

Mari Alkatiri - Acho que devem ficar até às eleições legislativas, não mais. Depois, será suficiente a GNR.

Público - Quer que fiquem as forças portuguesas, mas não as australianas e neozelandesas.

Mari Alkatiri - Não é por serem portuguesas, mas por serem uma polícia. Os militares australianos não sabem comportar-se numa situação deste tipo.

Público - Se a Fretilin vencer as eleições, Timor vai continuar a privilegiar as relações com Portugal, ou vai abrir-se a um relacionamento com a Austrália?

Mari Alkatiri - Timor-Leste tem duas fronteiras. Uma geográfica, que é nesta região, e outra histórica e linguística, que é com Portugal e os países da CPLP. Porque se queremos generalizar a língua portuguesa precisamos da ajuda de Portugal.

Público - Mas a maior parte da população não fala português.

Mari Alkatiri - O português não é a língua da unidade, mas é a língua da identidade.

Público - Muita gente vê com desgosto que Timor, depois de tanto ter lutado e sofrido pela independência, não consiga viver em paz.

Mari Alkatiri - É verdade que não fomos capazes. Como primeiro-ministro que era, assumo a responsabilidade por isso.

Público - Quem são, agora, os inimigos de Timor?

Mari Alkatiri - Timor não tem inimigos.

Ramos-Horta diz que ganha ou desiste

O primeiro-ministro timorense, José Ramos-Horta, declarou que se não ganhar as presidenciais deixa a política e vai “gozar a vida como cidadão”, destacou o portal australiano news.com.au. Neste caso, já não fará campanha para as legislativas de Junho, diz ainda.

Observadores da UE

Uma delegação do Parlamento Europeu chefiada pela deputada socialista Ana Gomes era esperada hoje em Díli onde se juntará à missão de observação eleitoral da União Europeia que vai acompanhar a primeira volta das presidenciais. Em Lisboa, no Ministério dos Negócios Estrangeiros, Ana Gomes fez em 1994/1995 parte do Gabinete de Assuntos Políticos Especiais que tinha nas suas mãos o dossier timorense e de 1999 a 2003, em Jacarta, foi chefe da secção de interesses e depois embaixadora. A missão de observação da UE é liderada pelo espanhol Pomés Ruiz. Quatro candidatos queixaram-se de atrasos na entrega de cartões para os fiscais e observadores do processo.

Padre agredido

Um padre católico foi ontem agredido por elementos da Fretilin em Gleno, na região de Ermera, incidente que poderá ser usado como motivo de propaganda por parte da campanha de Ramos-Horta, disse ao PÚBLICO Mari Alkatiri. "Foi um grupo de elementos da Fretilin já bêbados que agrediu o sacerdote", contou ao PÚBLICO José Ramos-Horta. "Se a Fretilin condenar o sucedido, não seremos nós a usá-lo como propaganda". Na versão de Alkatiri, o padre incluiu-se num grupo que atacou simpatizantes da Fretilin na vinda de um comício. "Houve confrontos e o padre, como estava no meio, também levou uma pedrada. Não foi premeditado". A Fretilin condenou a agressão. Antes, alguém organizou uma visita de jornalistas locais ao hospital, para entrevistarem a vítima.

14 comentários:

Anónimo disse...

Alkatiri, compreende-se suas mágoas, mas seja mais humilde. Fará bem à todos
Alfredo
Brasil

Anónimo disse...

Os perfis dos candidatos
Público, 08.04.2007

Francisco Guterres "Lu-Olo"
52 anos, natural de Ossú


É Presidente do Parlamento Nacional e da Fretilin (com maioria absoluta). Foi ele quem leu a proclamação da independência, em 20 de Maio de 2002. Único dos candidatos e dos raros timorenses que permaneceram na guerrilha desde a invasão, em 7 de Dezembro de 1975, até à saída do contingente indonésio, em Outubro de 1999.

Avelino Coelho da Silva
45 anos, natural de Manatuto

Envolveu-se na resistência clandestina enquanto estudava em Jacarta Relações Internacionais e Direito. Líder do PST (Partido Socialista Timorense, um deputado). Descende de um minhoto, exilado em Timor nos primeiros anos do regime de Salazar, e que ali morreu durante a ocupação japonesa do território, entre 1942 e 1945.

Francisco Xavier do Amaral
70 anos, natural de Turiscai (Maubisse)

Chegou a receber as primeiras ordens, mas abandonou a via sacerdotal. Fundador e primeiro presidente da ASDT (mais tarde Fretilin) e da autoproclamada República Democrática de Timor-Leste. Preso pelos companheiros, acusado de "traição", foi capturado e exibido em público pelos militares indonésios, que o mantiveram sob prisão virtual, durante 22 anos. No regresso a Timor, apesar de reabilitado pela Fretilin, optou por fundar o seu próprio partido, a ASDT (três lugares no Parlamento).

Manuel Tilman
60 anos, natural de Maubisse, advogado, professor

Secretário-geral do KOTA (monárquico), ocupa um dos dois lugares conquistados pelo seu partido no Parlamento. Foi deputado da ASDI na Assembleia da República Portuguesa. Fixou-se, posteriormente, em Macau. Pertenceu à direcção do CNRT na Convenção de Peniche.

Lúcia Lobato
42 anos, natural de Liquiçá, advogada

Deputada pelo PSD (Partido Social-Democrata, seis lugares no Parlamento), liderado por Mário Carrascalão. É prima direita do ex-ministro do Interior, Rogério Lobato. Obteve grande apoio popular durante a campanha, vinda sobretudo do eleitorado feminino, e pode ser uma das surpresas de amanhã.

José Ramos-Horta
57 anos, natural de Díli, Prémio Nobel da Paz 1996

Filho de mãe timorense e pai português, deportado por Salazar devido à sua participação na Revolta dos Marinheiros, em 1936. Membro da delegação externa da Fretilin, partido que abandonou em 1988, desenvolveu, em paralelo, uma carreira académica. Primeiro-ministro de Timor-Leste desde 8 de Julho de 2006, após a demissão de Mari Alkatiri. Antes, fora ministro de Estado, dos Negócios Estrangeiros e da Defesa. Candidato favorito da imprensa internacional, a participação nos comícios chegou a ser inferior, nalguns casos, à de vários outros concorrentes considerados "menores".

João Viegas Carrascalão
62 anos, natural de Liquiçá

Cursou Topografia e Agrimensura em Luanda e especializou-se em Cartografia na Suíça. É presidente da UDT, de que foi um dos fundadores. Dirigiu o golpe de 11 de Agosto de 1975 de que resultaram a guerra civil e a saída do governador Lemos Pires e do contingente português para a ilha do Ataúro. Exilou-se durante a ocupação indonésia, que combateu, tendo feito base na Austrália. Integrou os órgãos dirigentes do CNRT.

Fernando "Lasama" de Araújo
44 anos, natural da região de Ainaro, centro do país

Presidente do PD (Partido Democrático, sete deputados). Testemunhou, aos 12 anos, o massacre de 18 elementos da família, pelo exército indonésio. Estudante de Letras, em Bali, foi secretário-geral da Renetil (Resistência Nacional dos Estudantes de Timor-Leste). Detido em 1991 e condenado a seis anos e quatro meses de prisão. As mobilizações eleitorais que obteve, a idade e o facto de representar o segundo partido mais votado, a seguir à Fretilin, contribuem para que muitos prevejam uma votação elevada na sua candidatura.
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Anónimo disse...

Um voto para a sobrevivência de Timor
Público, 08.04.2007
Por: Paulo Moura, em Díli

Amanhã realizam-se eleições presidenciais em Timor-Leste. A campanha eleitoral decorreu sem incidentes graves. O clima é de tensão, mas todos querem votar pela sobrevivência
Díli é uma cidade onde não se pode andar à noite. A escuridão é absoluta, não há táxis, tudo pode acontecer. Mesmo durante o dia, certos bairros não são recomendáveis. A maior parte deles. Quase não há um veículo que não tenha os vidros partidos. A pedrada é a linguagem da cidade, e das estradas. Chovem pedras das vielas miseráveis, das barracas, dos labirintos das áreas de habitação precária. Geralmente são miúdos quem as atira, mas podem também ser os grupos organizados, como o Gang Fudidu, que faz graffiti nos muros. Pouco importa: uma pedra é uma pedra, pode partir um vidro ou uma cabeça. Pior são os dardos. Feitos com chaves de fendas, arpões, pregos infectados de carne podre, lançados à mão, com fisgas ou arcos de flecha. A catanada é um método extremo. Em períodos de maior crispação, é usado abundantemente.
Em Díli, não se sabe quem agride e quem é vítima. "Ninguém é vítima", disse um guarda da GNR durante as manifestações de quarta-feira. "Todos são culpados".
Durante as duas semanas da campanha eleitoral, não houve incidentes suficientemente graves para pôr em causa a credibilidade das eleições. Alguns feridos com pedradas, incluindo um professor e um padre, mas as catanas não saíram à rua. Apesar de tudo, houve grandes comícios de forças rivais na mesma cidade no mesmo dia sem se registarem confrontos de maior, certamente devido ao trabalho das forças internacionais presentes nas ruas.
O país não está em guerra civil, nem a ferro e fogo, nem no caos, nem sob ocupação. A custo, o país sobrevive. As eleições presidenciais vão realizar-se, os oito candidatos fizeram as suas campanhas em liberdade, apesar dos vários casos de agressão um pouco por todo o território. Mas não houve mortos. Os feridos aguentaram-se nos hospitais, contendo a dor e a raiva. Aguentaram-se vivos, para não prejudicarem o processo eleitoral. Os candidatos insultaram-se, inventaram horripilantes teorias da conspiração, falsificaram os números, forjaram provas, mas no fim debateram as suas ideias na televisão, de forma cordial e inteligente.
Todos usaram golpes baixos. Ramos-Horta repetiu até à náusea que é amigo do Papa e dos bispos, apareceu em sessões públicas com o Presidente Xanana. Lu-Olo levou milhares de pessoas aos seus comícios em camiões fretados, oferecendo água, arroz e, em certas regiões, alguns dólares para "motivar" as pessoas. No comício de encerramento da campanha, em Díli, motos circulavam entre as centenas de camiões lançando pacotes de arroz sobre a multidão. As pessoas lutavam para apanhar uma das pequenas caixas brancas e depois encolhiam-se a comer, a um canto de avidez e silêncio.
Todas as candidaturas acusaram a Fretilin de intimidações e agressões. A Fretilin fez a todos as mesmas acusações. Mas todos os candidatos prometeram aceitar os resultados. Os observadores internacionais, a UNMIT e as ISF todos os dias dizem que o processo está a correr normalmente. Que a segurança está garantida e que as eleições se vão realizar.
Os temas da campanha nem sempre foram os mais nobres. Os ódios mais carnívoros vieram à superfície. Rivalidades do tempo das montanhas. Vinganças sobre quem traiu. Motivos inconfessáveis, desconfianças, difamações, jogos sujos. Mas no meio das acusações e das mentiras, todos dizem ter aprendido com a crise do ano passado. A crise dos "peticionários", que criou divisões nas Forças Armadas e entre estas e a polícia, fez surgir vários grupos e provocou confrontos, com vários mortos, e a fuga de oficiais como o major Alfredo Reinado, que ainda está a monte, perseguido pelas forças australianas. Ninguém admite culpas, mas todos partilham a vergonha pelo que aconteceu. Discutiram-se formas de resolver definitivamente a crise. De atacar as suas causas.
Discutiu-se também a economia, a administração pública, a educação, as infra-estruturas, as questões regionais, as línguas, a política externa, a violência doméstica. Os candidatos adoptaram as suas estratégias, escolheram os seus eleitorados-alvo. Lu-Olo apelou às classes baixas e altas, Ramos-Horta às médias. Fernando Lasama apostou nos jovens, Xavier Amaral quer encantar os velhos, Lúcia Lobato espera o voto das mulheres. Avelino Coelho aproxima-se da esquerda, João Carrascalão da direita, Manuel Tilman dos místicos.
Lu-Olo é o candidato favorito, não por mérito próprio, mas por ter atrás a poderosa máquina da Fretilin. A seguir vem Ramos-Horta. Todos os outros são surpresas possíveis. Se um dos dois favoritos não ganhar na primeira volta, poderá, na segunda, perder para um dos candidatos menores. Destes, os que terão mais hipóteses serão Lasama e Lúcia Lobato. Mas tudo pode acontecer. Incluindo a tragédia. Os derrotados podem não aceitar pacificamente os resultados. Principalmente se se tratar do candidato da Fretilin, agarrada ao conceito da legitimidade revolucionária.
A violência pode voltar. O surto da catanada, ou pior. Todos o sabem. Mas não há recuo possível. É preciso sobreviver.
A fuga do major Alfredo Reinado, que ainda está a monte, é sentida como uma vergonha por todos os candidatos
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Anónimo disse...

Presidenciais, 1.ª volta das legislativas
Público, 08.04.2007
Por: Adelino Gomes

São três as grandes notícias desta campanha. Duas têm a ver, directamente, com o acto eleitoral. A terceira não. E no entanto, está-lhe intimamente ligada. Bem pode dizer-se, até, que condiciona, em enormíssima parte, a sua leitura.
A calma, ainda que relativa, com que decorreu a campanha surpreendeu muita gente. O mesmo quanto à capacidade mobilizadora da candidatura de Lu-Olo, que organizou, de longe, as maiores concentrações. Em contraste com uma talvez ainda mais surpreendente incapacidade do actual primeiro-ministro e Nobel da Paz, José Ramos-Horta, de atrair multidões significativas onde quer que se deslocasse em campanha.
Cedo, porém, a criação do partido CNRT e a admissão pública, por Xanana Gusmão, da disponibilidade para disputar as próximas eleições legislativas como candidato à chefia do Governo se tornaram num pólo de atenção maior.
Xanana não se recandidatou a um segundo mandato. Mas o aprofundamento das suas divergências com a Fretilin levou-o a renunciar à proclamada intenção de se reformar da política. Pelo contrário, o Presidente cessante dispõe-se a enfrentar no terreno eleitoral o partido que detém a maioria absoluta no actual Parlamento.
Mais: aquilo que começou por parecer mera especulação da imprensa australiana obteve confirmação plena durante a campanha. Xanana ambiciona tornar-se o próximo primeiro-ministro de Timor-Leste, num quadro em que o actual chefe do Governo, José Ramos-Horta, lhe suceda como Presidente da República.
A aliança Xanana/Horta mergulha raízes na luta de libertação. Um e outro abandonaram a Fretilin em finais dos anos 80; um e outro passaram a dirigir política e diplomaticamente a luta contra a ocupação indonésia (o primeiro como comandante supremo da Resistência; o segundo como seu porta-voz no exterior).
A tensão permanente que passou a marcar as relações políticas de ambos com a liderança da Fretilin resistiu, melhor ou pior, às exigências de unidade na acção e ao período de transição, liderado pela ONU.
As divergências acentuaram-se, contudo, mal o país se tornou independente. As divisões e confrontações em que o país mergulhou, há um ano, colocaram-nos em rota de colisão com os detentores dos dois mais altos cargos do partido maioritário, Fretilin: Lu-Olo, presidente, e Mari Alkatiri, secretário-geral. O primeiro também presidente do Parlamento Nacional; o segundo também primeiro-ministro desde o período de transição até ao início do Verão passado.
Numa célebre (e infeliz, pelos termos em que exprimiu o seu pensamento) série de artigos sobre a "Teoria das Conspirações", publicada num jornal de língua portuguesa, editado em Díli, Xanana teceu há meses, sobre Alkatiri, considerações da maior crueldade; ao longo da actual campanha, este, geralmente muito contido nas suas declarações públicas, tem-se referido arrogantemente a Xanana e a Horta como se, como dizem apoiantes seus, se tratasse já de "cartas fora do baralho".
As eleições porém não se ganham nos comícios, mas nas urnas. Só o voto dos timorenses nos dirá se o tnusami Fretilin evocado por Alkatiri ainda funciona. E se, como se começa a dizer do lado deste partido, Ramos-Horta não atingirá, sequer, a segunda posição entre os mais votados.
Se assim acontecer e as eleições, como se espera, forem consideradas livres e justas pelos observadores internacionais, estaremos perante uma estrondosa vitória da Fretilin, que verá simultaneamente consagrado o seu candidato e derrotado o candidato de Xanana. Sem falar da Igreja Católica, que se situou nos dois últimos anos, militantemente, no campo anti-Alkatiri.
Se Horta vencer, pelo contrário, a actual liderança da Fretilin sofrerá uma igualmente estrondosa derrota. Porque consagrará no plano interno a figura do Prémio Nobel cujos adversários dizem ser sobretudo apreciada no exterior. Porque funcionará, para Xanana, como excelente augúrio para os combates que se avizinham. E porque indicará, como se diz do lado da oposição, que a actual liderança desbaratou o capital histórico da Frelitin.
A eventualidade de o líder do Partido Democrático (PS), Fernando "Lasama" de Araújo, suplantar Horta agravará a derrota deste e de Xanana. Mas representará, ao mesmo tempo, também, um aviso para a geração da resistência, incapaz, até hoje, de passar o facho às gerações mais novas.
Qualquer dos cenários mostra-nos que, para lá dos oito candidatos oficiais, o acto eleitoral de amanhã se disputa, realmente, entre dois protagonistas ausentes dos boletins de voto: Xanana Gusmão e Mari Alkatiri. E como estas presidenciais constituem, na verdade, a primeira volta das legislativas de Junho. Porque nos permite perceber, finalmente, qual o sentimento do eleitorado, após a crise, ainda não resolvida, resultante de divergências entre companheiros de estrada da luta antiocupação. E porque vai exigir a vencedores e vencidos - quaisquer que eles sejam - acrescidas provas de capacidade de governação e de maturidade democrática.
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Anónimo disse...

"Nunca pensei vir a ser Presidente"
Público, 08.04.2007
Por: Paulo Moura, Em Díli

O Presidente não deve interferir nas competências do Governo. A divisão leste-oeste é artificial. Timor deve ter relações privilegiadas com Portugal
Na impossibilidade de candidatar Mari Alkatiri, a Fretilin escolheu Francisco Guterres Lu-Olo, presidente do Parlamento, ex-guerrilheiro e figura pouco carismática e pouco conhecida.
Público - Qual é a sua interpretação dos poderes do Presidente?
Lu-Olo - Durante os cinco anos em que fui presidente do Parlamento, tentei aprender quais devem ser os poderes dos vários órgãos de soberania. Durante a crise do ano passado, cheguei a várias conclusões sobre como devem ser assumidas as várias competências
Público - A que conclusões chegou?
Lu-Olo -Que não deve haver interferências de uns órgãos de soberania sobre os outros, como aconteceu com o Presidente Xanana Gusmão, que é muito respeitado porque foi comandante das Falintil, mas cuja atitude provocou um choque entre as instituições do Estado.
Público - Foi um erro dele, ou falta de definição das funções presidenciais?
Lu-Olo -Não. A Constituição define muito bem as competências. Estão previstas várias formas de os órgãos de soberania encontrarem soluções. Mas isso não aconteceu e o primeiro-ministro, Mari Alkatiri, teve de demitir-se das suas funções, para ultrapassar a situação.
Público - O que deveria ter feito o Presidente?
Lu-Olo -Não devia ter vindo a público atacar outros órgãos de soberania. A cena de ele sair do seu gabinete para ir falar às pessoas que se manifestavam em frente do palácio foi lamentável. Ele incitou as pessoas a fazerem manifestações.
Público - A crise agravou-se por causa dessa atitude?
Lu-Olo -Sim, ele dividiu o país. Disse que os de Loromono nunca fizeram a guerra, o que não é verdade.
Público - Essa divisão leste-oeste nunca existiu, é artificial?
Lu-Olo -Essa divisão nunca existiu, foi inventada. Eu fui responsável pela frente clandestina nas montanhas, para além de ser guerrilheiro, no mato. Conheço as pessoas. No Leste e no Oeste, todos eles fizeram a luta e estavam unidos. O sofrimento, a morte uniram o nosso povo.
Público - Na área da economia, o que pode fazer o Presidente?
Lu-Olo -Isso é da competência do Governo. Darei o meu apoio no sentido de melhorar as condições de vida da população. Timor tem grandes potencialidades, devido ao petróleo, mas acho que não devemos depender apenas desse recurso. Devemos desenvolver a pesca, o turismo, a agricultura. Devem ser definidas prioridades estratégicas.
Público - O presidente deve defini-las?
Lu-Olo -Não. Isso é competência do Governo. Mas há interdependência entre os vários órgãos de soberania e o Presidente deve dar o seu contributo.
Público - As relações externas de Timor-Leste devem privilegiar Portugal ou abrir-se à colaboração com a Austrália e países vizinhos?
Lu-Olo -Temos uma relação especial com Portugal devido aos nossos laços históricos e culturais, e isso deve manter-se. Vamos precisar ainda mais de Portugal, para o ensino da língua. Temos também uma relação especial com os países da CPLP. Quanto aos outros países, vamos manter boas relações com todos.
Público - Não prevê um relacionamento especial com a Austrália?
Lu-Olo -Especial não digo. Mas vamos ter boas relações com a Austrália.
Público - A língua portuguesa não é um factor de divisão do país?
Lu-Olo -Não. Daqui a uns cinco anos, toda a gente falará o português. Há apenas aquela geração intermédia, que estudou no tempo da ocupação indonésia, que não sabe português.
Público - É uma geração que ficou desenraizada?
Lu-Olo -Não. Têm uma boa formação. Só terão de transportar os conhecimentos que têm para a língua portuguesa, que irão aprender.
Público - As forças internacionais devem permanecer no país?
Lu-Olo -Se ficarem menos tempo, é melhor.
Público - Menos do que quê?
Lu-Olo -Ainda não tenho propostas concretas quanto a isso. O importante é que as nossas instituições voltem a funcionar. E que a Polícia entre em funções, para podermos ter a certeza de garantir a nossa segurança.
Público - Isso será quando? Depois das legislativas?
Lu-Olo -Vamos continuar a trabalhar para que as pessoas respeitem a lei. Nesse momento estaremos em condições de apresentar os nossos agradecimentos às forças internacionais.
Público - Um guerrilheiro será a pessoa mais indicada para ser Presidente da república?
Lu-Olo -Eu não fui apenas guerrilheiro. Comecei por ser quadro inferior, depois médio, depois quadro superior do partido. Fi-lo para servir o meu povo. Agora, aceitei esta missão, também para servir o meu povo. Nunca pensei vir a ser Presidente da República, nem presidente do Parlamento. O que eu quero é dar o meu contributo. Não tenho qualquer ambição. Se ganhar ou perder, para mim tanto faz.
Público - Se for eleito, com que primeiro-ministro gostaria de trabalhar?
Lu-Olo -Alguém com uma visão clara para o país, como Mari Alkatiri.

http://jornal.publico.clix.pt/UL/

Anónimo disse...

"A Austrália tem tanta simpatia por Timor como tem Portugal"
Público, 08.04.2007
Por: Paulo Moura, em Díli

O Presidente deve ter mais poder e Timor deve aproximar-se da Austrália. As ideias de José Ramos-Horta, Nobel da Paz e candidato
Apoiado por vários partidos, incluindo o CNRT de Xanana Gusmão, Ramos-Horta apoiou a campanha na sua experiência internacional e boas relações com a Igreja.
Público - Alguma vez previu, quando trabalhava para a Resistência, que Timor independente teria tantos problemas?
Ramos-Horta - Em 2000 várias pessoas me perguntaram se iríamos ter problemas no futuro. Eu respondi que dentro de três a cinco anos teríamos problemas graves. Porque a geração que pegou nas rédeas do país, em 2002, é uma elite muito desfasada da realidade timorense. Vinda de Maputo, principalmente, mas também da Austrália ou Portugal, provocaram, desde o início, clivagens no plano cultural. A nova geração de estudantes sentiu-se desde logo alienada do poder político. Uma segunda razão é que Mari Alkatiri nunca foi um homem de diálogo. Em quatro anos de chefe do Governo, nunca se sentou à mesa com a oposição.
Público - Poder-se-ia ter feito de outra forma?
Ramos-Horta - Sim, se a elite política timorense fosse menos apressada e tivesse apostado em cinco anos de transição para a independência, em vez de dois. É impensável que em dois anos a ONU pudesse entregar um Estado totalmente operacional. Foi por isso que surgiram os problemas.
Público - Esses problemas mostraram que Timor é inviável?
Ramos-Horta - Não. Apesar de tudo, não entrámos em guerra civil. Por duas razões: primeiro, porque o povo não queria. Em segundo lugar, porque o Presidente Xanana Gusmão neutralizou a polícia, dando-lhe ordens para sair de Díli.
Público - Não foi ele que activou a crise, com o famoso discurso divisionista?
Ramos-Horta - Não. Se lermos bem o discurso, o que ele diz é que se só os de Lorosae combateram, o que seria dele, Xanana? De Loromono? Ele não combateu? As razões de fundo da crise estão na politização da polícia e na intervenção grosseira do ministro do Interior. Ele não confiava nos comandantes e não havia cadeia de comando. A culpa disso é do Governo e não do Presidente.
Público - A questão este-oeste não é real?
Ramos-Horta - É completamente artificial. Nunca houve, na história deste país, nenhuma guerra leste-oeste. Nem se consegue definir, geográfica e etnicamente, o que é este e oeste.
Público - Então quais foram as raízes da crise do ano passado?
Ramos-Horta - A excessiva partidarização do Estado. Basta ver que 20 de Maio, dia da restauração da independência, é o dia da fundação da Fretilin. As pessoas não sabem se a 20 de Maio estão a celebrar a independência ou o aniversário da Fretilin. Há secretários de Estado que são apenas secretários do partido. Eu tenho secretários de Estado que nunca compareceram numa reunião do Conselho de Ministros. Nunca me apresentaram um relatório, e eu não faço a mínima ideia do que andam a fazer.
Público - O Presidente Xanana terá evitado a guerra civil, mas não evitou a crise. Poderia ter assumido maior protagonismo?
Ramos-Horta - Xanana não foi muito activo enquanto Presidente. Eu, pelo contrário, vejo a possibilidade de um aumento de poderes do Presidente.
Público - Segundo a Constituição, não tem quaisquer poderes executivos.
Ramos-Horta - Não, mas como chefe de Estado, em toda e qualquer questão de natureza estratégica ou moral, como é a luta contra a pobreza, ninguém me vai impedir de exigir ao Parlamento e ao Governo um determinado orçamento. Posso mesmo apresentar um orçamento alternativo.
Público - O Presidente poderá apresentar o seu próprio orçamento?
Ramos-Horta - Não unilateralmente, mas sob a forma de uma recomendação ao Governo.
Público - Mas apareceu na campanha ao lado de Xanana Gusmão, dizendo que o quer para primeiro--ministro. Foi apenas para usar o seu nome como forma de propaganda?
Ramos-Horta - Quando digo que tenho um programa para a Presidência, que implica liderar, como chefe do Estado, a luta contra a pobreza, acudir aos jovens e estudantes, criar emprego, preciso de um parceiro estratégico no Governo. E quero Xanana como parceiro porque o conheço bem, porque temos a mesma maneira de pensar. Já conversámos sobre esta minha visão, que ele subscreve inteiramente. O novo partido, o NNRT, que ele vai liderar, absorverá tudo o que eu tenho dito na minha campanha eleitoral.
Público - E em que consiste esse programa comum?
Ramos-Horta - Pedi ao FMI que me apresentasse um projecto de reforma fiscal audaciosa, que quero pôr em prática e que fará de Timor uma espécie de país sem impostos. Com a ajuda de uma equipa internacional que me aconselha na área económica, vamos atrair investimentos da Austrália e outros países vizinhos.
Público - A cooperação com a Austrália é importante?
Ramos-Horta - É vital. A Fretilin não se pode esquecer que estamos nesta região do mundo com dois poderosos vizinhos: a Austrália e a Indonésia. E a liderança da Fretilin não tem quaisquer relações com estes países.
Público - As relações privilegiadas com Portugal devem ceder lugar à Austrália?
Ramos-Horta - Temos com Portugal relações históricas, de séculos, e excelentes relações actuais. Mas Portugal está longe. Gradualmente, a ajuda portuguesa deverá ser mais orientada para a educação, a formação humana. E também no plano da segurança, na formação do nosso Exército e polícia. Mas o papel central deve ser da Austrália, Nova Zelândia e outros países da região. Sempre que pedimos, Portugal diz que sim. Mas não podemos sobrecarregar Portugal. Por isso vamos diversificar, sem medos nem falsos nacionalismos. A Austrália é um país amigo. A população australiana tem tanta simpatia por Timor como tem a portuguesa. E o Governo tem sido genuíno no seu apoio a Timor Leste, que eles querem estável e próspero. Não lhes interessa vizinhos pobres e instáveis, que lhes enviem milhões de refugiados. Por isso, é de uma lamentável estupidez pensar que a Austrália seja nossa inimiga, ou esteja por trás da nossa crise.
Público - Refere-se a quem pensa isso em Timor?
Ramos-Horta - Também em Portugal há muitos líderes de opinião que dizem isso, sem dúvida influenciados por certos líderes timorenses.
Público - Líderes da Fretilin?
Ramos-Horta - Sim. Não têm coragem de reconhecer os seus próprios erros e procuram sempre causas externas e inimigos externos. Não. Fomos nós que gerimos mal a questão da polícia nacional. Politizámo-la. E quisemos que a ONU saísse de Timor demasiado rapidamente.
Público - As eleições presidenciais estão a decorrer de forma que os resultados sejam certificados pelos candidatos e pela comunidade internacional?
Ramos-Horta - Acho que sim. Não houve incidentes muito graves na campanha. O que me preocupa é que muitos milhares de cidadãos, iletrados e sem acesso aos meios de comunicação, e numa campanha tão curta, não tenham podido conhecer os candidatos.
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Anónimo disse...

País atolado na miséria e despido de autonomia
Jornal de Notícias, 08/04/07

Por: Pedro Olavo Simões


Timor-Leste, o mais jovem país do Mundo, a grande causa dos portugueses que já não o será assim tanto, joga amanhã importante cartada para o futuro. Oito candidatos - uma mulher e sete homens - apresentam-se a escrutínio para suceder a Xanana Gusmão na Presidência da República, mas tudo leva a crer que se assistirá a uma corrida a dois entre Francisco Guterres "Lu-Olo", o homem da FRETILIN, e José Ramos-Horta, o actual primeiro-ministro. Nação que tarda em sê-lo, esta meia ilha nos antípodas é uma moeda de faces bem diferenciadas o petróleo que a todos interessa; a miséria que alastra e não cessa.

A insatisfação acentuou as lutas intestinas, que conheceram o auge ao longo de 2006, num recrudescimento de violência que demonstrou que não será com facilidade que o jovem romperá o cordão umbilical que o liga às Nações Unidas, cuja presença parece ser o único verdadeiro garante de alguma segurança. Falta aos timorenses muita coisa, em especial a comida no prato, mas o que mais tem faltado é a unidade necessária à prossecução de um objectivo comum, algo que não põe necessariamente em causa o pluralismo democrático.

A eleição presidencial de amanhã, atendendo ao papel constitucional dado ao presidente da República, não é absolutamente determinante para o futuro do país, mas é um de dois passos fundamentais, associado às legislativas marcadas para o Verão. Da campanha, em que todos, cada qual à sua maneira, apelam à unidade enquanto atacam a credibilidade dos adversários, poderíamos inferir a simples normalidade do combate político. Porém, a sucessão de episódios violentos, que fazem notícia numa base diária, faz temer que os resultados não sejam encarados com o desejável "fair-play" democrático.

Alguns dos factores que estiveram na génese do nacionalismo timorense, como o sistema tradicional de governação que não encaixava no todo da Indonésia, são, igualmente, elementos seminais da divisão que impera e que passa, também, pela falta de entendimento do funcionamento institucional de uma democracia e pelo choque de interesses diversificados. Além, claro, da fatalidade de os líderes, antes unidos na resistência, terem entrado em rota de colisão.

Timor-Leste, país sonhado que inspirou idealistas de todo o Mundo, é agora meia ilha atapetada de miséria. Meia ilha entalada entre dois gigantes do mapa político, dificilmente se libertará, em especial, da influência da Austrália, que partilha a exlusividade económica do Mar de Timor. As receitas do petróleo não são as sonhadas, Camberra vai ditando as regras, o jovem país vive na dependência total do exterior. Sem qualquer tecido produtivo digno desse nome, não serão as riquezas naturais a anular por milagre a miséria.
http://jn.sapo.pt/2007/04/08/tema_de_domingo/pais_atolado_miseria_e_despido_auton.html

Anónimo disse...

Uma presença mais empenhada que no tempo colonial
Jornal de Notícias, 08/04/07


Não será exagerado, porventura, dizer que Portugal está mais ligado ao Timor independente do que à colónia de antanho. Pela forma de colonização e exploração comercial, desde o século XVI, a presença lusa na remota foi mais ténue do que em qualquer outra parte do império. Desde que Timor se tornou uma causa portuguesa, tudo mudou. Da segurança à educação, passando pelo apoio social ou pela intervenção económica, os portugueses estão lá com outro empenho.

Pelos piores motivos (a insegurança que persiste), é o contingente da GNR (Subagrupamento Bravo), integrado na força policial das Nações Unidas, que mais dá nas vistas, tendo há dias sido reforçado com 77 operacionais.

Não sendo Timor dissociável do petróleo, essa é, claro, uma área em que Portugal quer penetrar, e a Galp tem tentado assegurar a participação nos blocos de exploração que a petrolífera italiana tem em Timor. O próprio Governo timorense, no tempo de Mari Alkatiri, manifestara interesse em ver a empresa portuguesa no Mar de Timor. Já a exploração de café é mais simbólica do que outra coisa. A ilha nunca produziu café de grande qualidade, e as compras feitas pela Delta (800 toneladas em 2006) são, essencialmente, uma forma de ajuda.

Em lugar de destaque está, claro, o papel das ONG portuguesas, em áreas muito diversas, da saúde ao ensino. No capítulo do ensino da Língua Portuguesa, merece evidente destaque o papel que tem vindo a ser desempenhado pelo Instituto Camões.

http://jn.sapo.pt/2007/04/08/tema_de_domingo/uma_presenca_mais_empenhada_no_tempo.html

Anónimo disse...

O que diz a lei eleitoral
Jornal de Notícias, 08/04/07
Por: Orlando Castro

O carácter independente e supra-partidário do magistério presidencial é, segundo a lei eleitoral aprovada pelo Parlamento timorense em 21 de Dezembro de 2006, transmitido pela obrigatoriedade da propositura de candidatura ser feita por um número mínimo de 5000 cidadãos eleitores (maiores de 17 anos), de todos os distritos, não podendo qualquer deles ser representado por menos de 100 proponentes. O presidente da República, que terá de ter como idade mínima 35 anos, é eleito mediante sufrágio universal, livre, directo, igual, secreto, pessoal e periódico por um período de cinco anos e o mandato só pode ser renovado uma única vez.

Na eleição do presidente da República, em lista uninominal, existe um só círculo eleitoral, equivalente a todo o território nacional, com sede em Díli. A eleição faz-se pelo sistema de maioria dos votos validamente expressos, excluídos os votos em branco, e se nenhum dos candidatos obtiver mais de metade dos votos validamente expressos procede-se a uma segunda votação à qual concorrem apenas os dois mais votados e que terá lugar no trigésimo dia seguinte ao da primeira votação.

A CNE - Comissão Nacional de Eleições, recebidas as actas de apuramento distrital, tem 72 horas para oficializar o resultado nacional.

Anónimo disse...

O que diz a lei eleitoral
Jornal de Notícias, 08/04/07
Por: Orlando Castro

O carácter independente e supra-partidário do magistério presidencial é, segundo a lei eleitoral aprovada pelo Parlamento timorense em 21 de Dezembro de 2006, transmitido pela obrigatoriedade da propositura de candidatura ser feita por um número mínimo de 5000 cidadãos eleitores (maiores de 17 anos), de todos os distritos, não podendo qualquer deles ser representado por menos de 100 proponentes. O presidente da República, que terá de ter como idade mínima 35 anos, é eleito mediante sufrágio universal, livre, directo, igual, secreto, pessoal e periódico por um período de cinco anos e o mandato só pode ser renovado uma única vez.

Na eleição do presidente da República, em lista uninominal, existe um só círculo eleitoral, equivalente a todo o território nacional, com sede em Díli. A eleição faz-se pelo sistema de maioria dos votos validamente expressos, excluídos os votos em branco, e se nenhum dos candidatos obtiver mais de metade dos votos validamente expressos procede-se a uma segunda votação à qual concorrem apenas os dois mais votados e que terá lugar no trigésimo dia seguinte ao da primeira votação.

A CNE - Comissão Nacional de Eleições, recebidas as actas de apuramento distrital, tem 72 horas para oficializar o resultado nacional.

Anónimo disse...

"Por que não votamos nestas eleições?"
Jornal de Notícias, 08/04/07
Por: Fátima Mariano

"Por que é que os timorenses que vivem fora do país não podem votar nestas eleições presidenciais? Não sei quem é que inventou essa lei, mas isso não existe em nenhuma democracia do mundo". As palavras de Leopoldino Silva traduzem a revolta dos cerca de 50 timorenses residentes em Portugal que, ontem à tarde, se reuniram na Residência Universitária Alfredo de Sousa, da Universidade Nova de Lisboa, para cumprimentar o novo embaixador de Timor-Leste em Portugal, Manuel Soares Abrantes.

Embora longe do país, os timorenses da diáspora não deixam de acompanhar a par e passo o que se passa no seu território. "Estou em Portugal há cinco anos a estudar Direito e tenho muita pena de não poder votar nestas eleições", lamenta José Gonçalves da Silva, 32 anos.

José acredita que o povo timorense está preparado para aceitar qualquer resultado, embora, pessoalmente, prefira que seja a FRETILIN a vencer as eleições. "Foi a FRETILIN que deu a independência a Timor. É um partido histórico", sublinha.

Embora os serviços consulares ainda não tenham feito o recenseamento dos timorenses que vivem em Portugal, estima-se que estes rondem os três mil. Às críticas que estes apresentam por não poderem votar, Manuel Soares Abrantes diz apenas para terem "calma e serenidade". "Os timorenses têm que mostrar que estão preparados para este exercício de cidadania", acrescenta.

Ninguém parece acreditar que depois de conhecidos os resultados eleitorais possa haver guerra civil. "O povo está cansado da guerra", garante Filipe Marques, 32 anos, estudante de Sociologia. O que não quer dizer que não possa haver focos de violência. "Pode haver alguma violência, devido à atitude de alguns líderes", vaticina.

Num ponto todos parecem estar de acordo chegou a hora de Xanana Gusmão se afastar e dar o lugar a outro. "Timor não é só uma pessoa. É todo um povo", afirma Joaquim da Cruz, 31 anos, estudante de Ciência Política e Relações Internacionais
http://jn.sapo.pt/2007/04/08/tema_de_domingo/por_nao_votamos_nestas_eleicoes.html

Anónimo disse...

Um país que fica longe e é um destino final
Jornal de Notícias, 08/04/07
Por: Pedro Sousa Pereira, António Cotrim, em Díli
Um país que fica longe e é um destino final

No tempo dos indonésios, os táxis de Díli eram carrinhas Chevrolet americanas, pintadas de azul como os táxis da companhia Blue Bird de Jacarta, mas muitos não tinham fundo e andavam muito devagar e a gasolina fornecida pela companhia indonésia Pertamina, misturada com água, deixava um cheiro intenso nas ruas esburacadas da capital.

Os velhos táxis azuis desapareceram, como quase tudo, em 1999. Foram levados para o outro lado da fronteira durante a operação de saque, pilhagem e deportação organizada pelas milícias e o exército de Jacarta.

Quando a administração das Nações Unidas tomou conta de Timor as estradas continuaram na mesma, mas os veículos todo-o-terreno das forças internacionais e da ONU passavam por cima de tudo sem problemas e quando, a 20 de Maio de 2002, Francisco Guterres "Lu-Olo", actual candidato ao cargo de chefe de Estado, decretou a "restauração" da independência em Tacitolo já andavam por aí muitos carros importados de Singapura, amolgados, com a suspensão partida e tão lentos como os táxis do tempo dos indonésios.

Há coisas que demoram a acontecer na jovem República Democrática de Timor-Leste, apesar de todos falarem do dinheiro do petróleo.

Segundo o embaixador de Jacarta em Díli, Ahmed Bey Sofwan, ainda há cerca de 4000 timorenses refugiados na parte indonésia da ilha e em Timor- -Leste vivem ainda 2000 indonésios.

Para o diplomata indonésio, é difícil em apenas cinco anos conseguir mudanças estruturais num país que "adora política" e que ainda não começou a investir em infra-estruturas.

"Os timorenses adoram política. Aqui há muitas organizações não governamentais a falarem de política. Aliás, este é o país do mundo onde há mais ONG. Só falam de corrupção, de paz, de política mas ninguém fala da pobreza ou de projectos agrícolas, de pescas ou de educação".

O embaixador da Indonésia, que se encontra em Timor desde 2004, refere que o país é um bom vizinho mas que ainda precisa de muito para se desenvolver.

"Lamento dizê-lo, mas o Governo está muito preocupado com a democracia mas o que é mais urgente é dar empregos às pessoas" e acrescenta que "o novo Governo tem de encontrar soluções para arranjar empregos para os jovens que andam ocupados a atirar pedras uns aos outros. Há muita terra aqui que não está a produzir nada".

Desde o ano passado que Timor vive uma crise que levou à demissão do primeiro-ministro Mari Alkatiri, mas para o embaixador indonésio os problemas relacionados com os peticionários das Forças Armadas podiam ter sido evitados, porque, diz, tratava-se de um assunto administrativo.

"Parece que foi um grande problema mas na verdade eles não tinham motivações políticas, foi só um problema administrativo. Não foi uma questão política. Alguns membros das Forças Armadas foram punidos por motivos de disciplina mas a questão tornou-se num assunto político que ainda não foi resolvido", disse o embaixador que agita um copo com água enquanto explica que em Timor tudo parece "uma grande onda" ou um "tsunami" no oceano.

"No meio do mar isto não é nada. Todos os dias há violência em Nova Iorque e nos bairros de Londres, mas aqui basta haver alguma agitação para se falar logo do 'Dia do Juízo Final'. Em Jacarta há manifestações todos os dias", acrescenta.

Sem deixar de lamentar as situações de violência, Ahmed Bey Sofwan afirma que deviam ser os timorenses a resolver os seus próprios problemas.

"Eu não sei o que levou o Governo a pedir à Austrália a vir para cá, tal como aconteceu antes com o pedido à Malásia. Seria melhor conseguir segurança com os meios do próprio país, reorganizando a polícia e os militares timorenses e pedir às Nações Unidas para desarmar todas as pessoas. Era melhor desarmar toda a gente".

Os investimentos são fundamentais para o país e, por isso, o embaixador considera que deviam ser captadas empresas da região.

"Se os timorenses não abrirem o país aos estrangeiros vai demorar muito tempo. Têm de convidar investidores da China, da Indonésia, da Austrália, de Singapura. Os emigrantes ajudam a melhorar o mundo, como em Hong-Kong ou Macau, onde há gente de todo o lado".

As parcerias e negócios com os países vizinhos podem ajudar a combater o isolamento e a situação geográfica de um país periférico, que é como Portugal, fica longe e é um destino final.

"Timor é como Portugal, é um destino final. O país tem de cooperar com a Indonésia e com a Austrália. Se eles tentarem desenvolver-se sozinhos vai ser muito difícil. Timor não é como Singapura ou Jacarta que ficam no meio e são pontos de trânsito. Timor é o fim".

Nas ruas de Díli, o "destino final", os táxis andam devagar sobre as estradas esburacadas de sempre apesar de animados pela música do rádio.

Em 103.5 FM pode mesmo ouvir-se a Antena 1 que transmite para Timor-Leste e receber as informações, em directo, do trânsito na Via de Cintura Interna no Porto, ou na Rotunda do Relógio, em Lisboa. Em Díli não há trânsito mas os carros andam devagar, como tartarugas.

Baucau e Díli, duas cidades que funcionam a geradores

Em Baucau, o bispo D. Basílio do Nascimento está a tentar captar empresas mas a segunda cidade do país funciona a geradores, tal como a capital Díli, e há uns quilómetros de estrada construída pela cooperação japonesa perto de Same, mas são apenas alguns quilómetros porque o resto são caminhos que desaparecem durante as chuvas e que acabam por fazer com que a maior parte da produção de arroz, do sul do país, nunca chegue à capital.

O arroz vem do estrangeiro, assim como o combustível que chega da Austrália e da Indonésia.
http://jn.sapo.pt/2007/04/08/tema_de_domingo/um_pais_fica_longe_um_destino_final.html

Anónimo disse...

Os cinco anos que levaram Xanana a deixar de ser o Mandela timorense
Diário de Notícias, 08/04/07
Por: Armando Rafael
A menos de 24 horas de saber quem é que lhe sucederá na presidência de Timor-Leste, Xanana Gusmão é hoje um homem muito diferente daquele que há cinco anos foi eleito para o Palácio das Cinzas. Nessa altura, o "Mandela timorense", como o herói da resistência à invasão indonésia era muitas vezes designado, fazia o pleno do país. Ao ponto de ter sido eleito com quase 83% dos votos. Uma percentagem que poderia ter sido ainda maior não fosse o próprio Xanana ter andado atrás de quem o enfrentasse nas urnas.

Como explicar, então, que Xanana se tenha transformado num factor de divisão em Timor-Leste?

Nas sucessivas declarações e entrevistas que Xanana tem dado nos últimos meses, percebe-se que o Presidente está apostado na eleição de Ramos-Horta para o seu lugar. Porque se sente mais próximo do Nobel da Paz e porque acredita que só ele pode travar a eleição do candidato da Fretilin: Francisco Guterres (Lu-Olo). Um homem de quem Xanana já disse o pior, apesar de ter sido escolhido para liderar o Parlamento. Mas o que Xanana pretende é muito mais do isso. O que ele verdadeiramente quer é impedir que Mari Alkatiri volte a ser primeiro- -ministro. Por isso, criou um partido - o Congresso Nacional para a Reconstrução de Timor-Leste (CNRT) - e impulsionou Ramos-Horta a avançar para o Palácio das Cinzas.

O que já é mais difícil de explicar é a razão de tanta animosidade contra o ex-primeiro-ministro, um dos poucos dirigentes timorenses que Xanana considerava incorruptível. Explicando as razões porque, ainda na prisão indonésia de Cipinang, Xanana lhe deu a gestão das verbas que o país haveria de receber do petróleo e do gás do Mar de Timor.

Amigos de juventude, Xanana e Alkatiri sempre foram suficientemente próximos para poderem ser considerados cúmplices. Sobretudo, em matérias que extravasavam a política e que ainda hoje são muitas vezes recordadas. Mas a política sempre fez parte do seu relacionamento. Quando Xanana anunciou, por exemplo, a sua saída da Fretilin em 1987, colocando-se acima de todos os partidos, não deixou de a tutelar e de a manter unida até ao regresso de Alkatiri, 12 anos depois.

Que sucedeu entretanto?

Aparentemente, nada. Se calhar, Xanana sempre foi o que é hoje. É certo que Alkatiri e a Fretilin cometeram muitos erros durante estes anos de governação e que a maioria dos timorenses vive como sempre viveu, sem que Díli lhes tivesse proporcionado melhores condições.

Mas o herói da resistência, que se habituou a nunca ser posto em causa, sempre conviveu mal com o formalismo do poder. De tal forma que nem sequer se deu ao trabalho de exonerar Mari Alkatiri do cargo de primeiro-ministro, quando optou por nomear Ramos-Horta. Mas como Timor-Leste é o que é, também não foi questionado. E se tivesse sido, o mais provável é que o Presidente não entendesse.

Já foi, assim, ao longo da crise que o país viveu há uns meses. Quem se lembra agora que Xanana foi o primeiro a pronunciar-se sobre a expulsão dos quase 600 peticionários das forças armadas quando estes se recusaram a voltar aos quartéis?

E quanto saberão que no auge da crise ninguém conseguia falar com o Presidente pela simples razão que ele não saída de casa, nem tem telemóvel, deixando, por isso, pendurados todos os que pretendiam falar-lhe. Como sucedeu, numa primeira fase, com o ex-presidente Jorge Sampaio ou até com o então secretário-geral da ONU, Kofi Annan.

Xanana é assim: desprendido, mas também impulsivo e, por vezes, errático, dizendo num dia o contrário do que afirmou na véspera ou fingindo assumir responsabilidades quando ataca os outros. O que poderá ser muito perigoso, tendo em conta que Xanana se tornou cada vez mais fechado às influências do mundo que o rodeia.

Com quem fala Xanana nos momentos de crise? Com quem se aconselha? Desde logo, com a mulher, Kristy Sword. E depois com o seu chefe de gabinete, Agio Pereira.

Quem mais? Ramos-Horta? Os bispos? Mário Carrascalão? Ao que o DN apurou, só com os dois primeiros. Não espanta, por isso, que muitos dos seus antigos companheiros, nomeadamente os que ainda estão na Fretilin, digam hoje que a crise dos peticionários foi o que fez mudar Xanana definitivamente. Porquê? Porque, nessa altura, o Presidente quis afastar Taur Matan Ruak da chefia das forças armadas, tentando ajustar contas antigas, e percebeu que já não conseguia impor a sua vontade e que as F-FDTL já não lhe obedeciam. A partir daí, Xanana adoptou uma nova postura. Demitiu Alkatiri, invocando uma acusação que se provou ser falsa, e publicou quatros textos de opinião que representam uma ruptura com o seu próprio passado, antes de se revelar disponível para ser primeiro-ministro.

Será que consegue? Parte desta resposta começará amanhã a ser divulgada, quando os eleitores timorenses forem votar para eleger o seu sucessor.
http://dn.sapo.pt/2007/04/08/internacional/os_cinco_anos_levaram_xanana_a_deixa.html

Anónimo disse...

Correio da Manhã, 2007-04-08 - 00:00:00

Timor-Leste - Presidenciais
Diáspora não vota

Os cidadãos timorenses que vivem no estrangeiro lamentam não poder votar nas eleições presidenciais de amanhã. Um dos fundadores da APARATI, uma associação de apoio à comunidade timorense em Portugal, Manuel Caldas, considera que se votassem ficariam “mais ligados ao país, principalmente quando se escolhe o presidente da República”.
Manuel Caldas não entende como é que em 1999 todos participaram no referendo sobre a independência e agora são excluídos da votação. Para este dirigente associativo, os emigrantes timorenses deveriam ter o direito de votar, uma vez que a maioria ajuda na reconstrução do país “através do envio de bens e de dinheiro para os seus familiares e conterrâneos”.

Vivem em Portugal dois mil timorenses, que chegaram, na sua maioria, entre 1976 e 1986, e estão sobretudo concentrados nas regiões de Lisboa e Setúbal. Manuel Caldas referiu que muitos desses timorenses já têm a nacionalidade portuguesa, pois o governo português permite que os timorenses nascidos até 1975 e os filhos se tornem portugueses.

Portugal acolhe muitos estudantes do Ensino Superior, estimando-se que sejam 300 nas várias universidades portuguesas. “Há muitos que gostariam de vir para Portugal devido à falta de emprego, mas não têm condições financeiras”, disse ainda Manuel Caldas.

Aqueles que conseguem emigrar, perto de cem anualmente, são jovens e apenas se servem de Portugal para entrar noutros países da Europa, salientou, adiantando que já são muitos os timorenses a viver em Inglaterra, Dinamarca e Irlanda do Norte. A associação divulga a cultura timorense e ajuda na integração dos emigrantes e estudantes em Portugal.

ACUSAÇÕES DE CORRUPÇÃO

O presidente Xanana Gusmão e o ex-primeiro-ministro Mari Alkatiri voltaram nos últimos dias a trocas acusações graves, fazendo aumentar ainda mais a tensão nas vésperas das eleições presidenciais. Em entrevista à SIC, Xanana Gusmão acusou Alkatiri de ter sido o líder de um governo marcado por “índices profundos de corrupção”.

Na resposta, Alkatiri apontou o dedo ao chefe de Estado e afirmou que “se há corrupção no país, ela está do lado da Presidência da República”, tendo mesmo acusado Xanana do crime de “encobrimento”. Segundo o ex-chefe do governo, Xanana terá protegido um “funcionário da Presidência que desviou mais de 20 mil dólares”, pagando do seu próprio bolso essa quantia. “É o presidente da República que está envolvido em situações ilegais”, acusa.

SOLTAS

PREOCUPAÇÃO

A Comissão Eleitoral timorense manifestou a sua preocupação face à possibilidade de violência durante a votação de amanhã, e criticou a Polícia da ONU por não ter travado a violência durante a campanha.

APELO DA ONU

O secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, lançou um apelo a todas as partes para que as eleições presidenciais timorenses sejam “livres, leais, transparentes e credíveis, e que não sejam manchadas pela violência”.
http://www.correiomanha.pt/noticia.asp?id=237646&idselect=91&idCanal=91&p=200

Traduções

Todas as traduções de inglês para português (e também de francês para português) são feitas pela Margarida, que conhecemos recentemente, mas que desde sempre nos ajuda.

Obrigado pela solidariedade, Margarida!

Mensagem inicial - 16 de Maio de 2006

"Apesar de frágil, Timor-Leste é uma jovem democracia em que acreditamos. É o país que escolhemos para viver e trabalhar. Desde dia 28 de Abril muito se tem dito sobre a situação em Timor-Leste. Boatos, rumores, alertas, declarações de países estrangeiros, inocentes ou não, têm servido para transmitir um clima de conflito e insegurança que não corresponde ao que vivemos. Vamos tentar transmitir o que se passa aqui. Não o que ouvimos dizer... "
 

Malai Azul. Lives in East Timor/Dili, speaks Portuguese and English.
This is my blogchalk: Timor, Timor-Leste, East Timor, Dili, Portuguese, English, Malai Azul, politica, situação, Xanana, Ramos-Horta, Alkatiri, Conflito, Crise, ISF, GNR, UNPOL, UNMIT, ONU, UN.