quarta-feira, junho 21, 2006

Entrevista DN a Mari Alkatiri

21.06.2006
Ex-ministro impedido de sair de Timor-Leste

Armando Rafael *

O ex-ministro do Interior timorense Rogério Lobato está impedido de sair do país. A decisão foi ontem tomada por dois procuradores do Ministério Público de Timor-Leste na sequência da abertura de um inquérito às acusações sobre uma alegada distribuição de armas a civis.

Ao que tudo indica, os dois procuradores receiam que o ex-ministro possa sair do país, evitando ter de prestar declarações no âmbito das averiguações às acusações do "comandante Railós" (nome de guerra de Vicente da Conceição), segundo as quais Rogério Lobato teria armado vários "esquadrões da morte" com o objectivo de eliminar adversários políticos da Fretilin e do primeiro-ministro, Mari Alkatiri.

Confrontado pelo DN com a decisão dos procuradores António Osório e Luís Mota Carmo, Rogério Lobato foi peremptório: "Não é verdade que tenha tentado fugir do país. Depois de ouvir as declarações de "Railós", estou pronto para colaborar com os investigadores a fim de se apurar a verdade nas acusações que me são imputadas."

Uma declaração feita ao princípio da tarde em Lisboa (já noite em Díli), e que pôs termo a mais um dos boatos em que Timor-Leste é fértil: o de que Rogério Lobato teria sido impedido de abandonar a capital quando procedia já ao check-in em pleno aeroporto. Que, por sinal, ostenta o nome do seu irmão Nicolau, primeiro presidente da Fretilin, antigo presidente da República e um dos grande heróis da resistência timorense.

Só que o ex-ministro do Interior não terá tentado sequer sair do país, mantendo-se por casa, como o DN constatou. Sempre que bateu à sua porta, no bairro do Farol, os guardas respondiam que Rogério Lobato não estava. Até que um deles se enganou, e entrou na residência para transmitir ao actual vice-presidente da Fretilin que estava um jornalista à sua espera. Mas, entretanto, surgiu um outro guarda que manteve a versão inicial, apesar de o número de carros estacionados à porta do ex-ministro parecer indiciar o contrário.

Minutos depois, o DN conseguiu, finalmente, entrar em contacto telefónico com Rogério Lobato. Numa altura em que o mandado dos dois procuradores - que terá surpreendido o próprio procurador-geral da República de Timor-Leste, Longuinhas Monteiro - já fora comunicado a todos os postos fronteiriços do país.

Com ou sem razão, já que em Timor-Leste tudo parece ser sempre relativo, não é de excluir, no entanto, que os rumores em torno da suposta fuga de Lobato estejam relacionados com a reunião do Conselho de Estado que hoje se efectua em Díli para debater a alegada distribuição de armas por civis. Um tema que poderia ser usado por quem tenta forçar o Presidente Xanana Gusmão a demitir Alkatiri.

Com João Pedro Fonseca, em Díli


"A minha demissão só piorava a crise"


Quer clarificar a sua relação com Ramos-Horta?

Quem tem assistido às declarações do ministro pode ficar com dúvidas. Também tenho visto declarações que não me agradam. Se ele acha que não pode defender o Governo, também não deve ajudar a deitar abaixo...

Quando não gosta, diz-lhe?

Ele diz sempre que faz isso para manter o equilíbrio... Costumo dizer que Ramos-Horta tem três personalidades: o ministro, o homem e o Nobel da Paz. Nunca sabemos qual é o Ramos-Horta que está a funcionar.

Mas tolera esse comportamento?

Às vezes é importante para permitir que não estique a corda.

Como é a sua relação com o Presidente Xanana?

É normal. No início foi difícil. Sobretudo nas presidenciais, quando decidi não apoiar nenhum candidato. A Fretilin estava dividida e eu quis uni-la. Depois melhoraram, quando iniciámos encontros semanais. Neste momento, quando muitos me vêm dizer que é o Presidente quem quer provocar agitação, nunca acredito. Conheço-o. E sei que muitos vão dizer ao Presidente que estou contra ele. Mas ambos temos o mesmo objectivo: a lei e a ordem no País.

Receou que Xanana o demitisse, apesar de legalmente não ser fácil?

Não é fácil. Naturalmente, as pessoas dizem que eu deveria ter facilitado... Se chegasse à conclusão de que a minha saída resolvia o problema, demitia-me.

Está convencido que não?

Pode até piorar a situação.

E o Presidente alguma vez lhe sugeriu que se demitisse?

Nunca. Que isso fique claro.

Mas foi crítico da sua actuação?

Acha que poderia ter-se evitado esta crise...

Como decorrem as negociações para a revisão constitucional?

Segundo a lei, só seis anos depois: em 2008.

Defende a possibilidade de o Presidente poder demitir o Governo?

Quando o sistema democrático estiver consolidado, acho que sim!

Para esta crise, qual é a solução?

Não há varinhas mágicas. É preciso esforço conjunto dos órgãos de soberania, partidos, Igreja. Esta situação não serve a ninguém. Se o Governo cair, o que vier também vai sujeitar-se a nova queda. Os partidos devem entender isto. Se me demitisse criava um precedente.

Admite cedências?

São correcções, não são cedências. Se verificámos que certas coisas correram mal, devemos estudar caminhos alternativos. Nomeadamente a polícia, as forças armadas.

Vão acabar com as forças armadas?

Seria pior a emenda que o soneto.

Que espera da investigação internacional aos crimes desta crise?

Deve investigar tudo, mas deve compreendê-la no seu contexto. Se se retirar do contexto, não ajudará nada. Só vai agravar.

Numa análise contextuada, não lhe parece que poucas instituições ficarão de fora? Foi tudo muito complexo...

E é bom que envolva todos. Para que não haja aqui diabos e santos.

A reconciliação é a solução?

Não há outro caminho. Se defendemos a reconciliação com todos os que não defendiam a independência, então não podemos impedi-la agora.

Mas isso não pode adiar novos problemas? Deixar feridas abertas?

Reconciliação não significa ignorar o crime praticado, a justiça. Sempre defendi que a justiça é o melhor caminho para reconciliar. Agora estou mais convencido disso. Isto que vivemos agora resulta também da reconciliação que fizemos. Criámos instituições e não fomos suficientemente rigorosos nas admissões das pessoas. Que somos todos iguais, que somos todos do mesmo gabarito. E não somos.

O fenómeno "lorosaes" contra "loromonos" é um fenómeno novo?

Não tem qualquer fundamento histórico...

Então alguém alimenta isso?

Para criar instabilidade...

A Fretilin fica prejudicada com esta crise?

A Fretilin aproveitou esta oportunidade para afirmar que se opõe a qualquer distribuição de armas.

A oposição diz que já não há Fretilin nas montanhas, que com esta crise todos estão contra o Governo.

Isso são wishfull thinkings.

"Há alguém por trás destas histórias"

João Pedro Fonseca, em Díli

Tem sofrido muita pressão popular. Mantém que não se demite?

As pessoas que insistem na minha demissão são pessoas bem identificadas. Há eleições em 2007 e querem ferir a imagem do Governo, com o objectivo de adiar as eleições.

Adiar? Não querem a demissão para antecipar eleições?

Eu próprio defendia a antecipação, mas não há condições. Não há quadro legal, nem comissão nacional de eleições, nem recenseamento.

Impende sobre si uma acusação grave: a de que terá permitido a distribuição de armas a civis por parte de um ministro.

Ainda hoje vi um programa de grande audiência que passou na [televisão da] Austrália. Pensei que o programa pudesse transmitir alguma verdade. Mas do princípio ao fim, qualquer juiz que visse o programa via uma campanha: nada indica que eu seja autor de tudo o que me acusam. Tenho a consciência tranquila.

Há vários testemunhos e provas de que o ex-ministro Rogério Lobato armou civis e acusam o primeiro-ministro de não o ter travado ...

Quando me querem atingir dizem que tenho conhecimento de tudo o que se passa nos ministérios. É verdade que recebi "Railós", que era delegado ao congresso da Fretilin. Ele e mais dois...

Falaram de armas?

É claro que não. Falámos de que os membros da Fretilin estavam a ser perseguidos por peticionários, em Liquiçá. Disse-lhes que se organizassem para não se deixarem apanhar e que falassem com a polícia.

Aconselhou que se defendessem de uma forma legal?

Claro, enquadrando-se com a polícia, informando as autoridades quando existissem ameaças. Essas histórias de que foi o primeiro-ministro, que não foi a Fretilin... Isso cheira a esturro. Há alguém por trás...

Quem?

Não sei. Tentaram usar os peticionários, acabou. Usaram os majores Alfredo [Reinado], [Marcos] Tillman e [Alves] Tara, e esse trunfo acabou também. Depois foi a equipa secreta da Fretilin. Tudo isto é uma maquinação. Querem envolver-me, mas não encontram provas...

Leu a entrevista do ex-ministro Lobato ao Expresso? Ele assume que mandou entregar as armas a civis...

Li. Falei com ele e disse-me que sim, que de facto queria enquadrá- -los na Unidade de Reserva da polícia.

Mas num quadro legal?

Naturalmente que enquadrado numa força de apoio à polícia pode existir. Não digo que seja legal, mas o objectivo seria uma força que não visa provocar distúrbios. Mas não quero defender esta medida...

Sabe quantas armas estarão desaparecidas?

Nas forças armadas fez-se um levantamento e parece que já estão quase todas as armas no quartel. Mas há uma informação que tenho e que, se se confirmar, é grave, de que ainda há um pequeno grupo chefiado por um polícia, de Manufahi, em Alas, que continua armado. Mas não posso confirmar.

Há um mandado de detenção para Rogério Lobato caso tente fugir do país. Que diz disso?

É normal. Se há uma investigação, tem de ser ouvido.

Aconselhou-o a não fugir?

Ele vai. Não tem qualquer problema. É um princípio básico. Há alegações graves contra ele, vai ter de responder.

Não receia que envolva o primeiro- -ministro nestes crimes?

Não quero influenciar ninguém. Ele sabe que sou muito cuidadoso a tomar decisões. Baseio-me muito na lei para tomar decisões.

Quando Rogério Lobato subiu a vice- -presidente da Fretilin quis mostrar que, apesar dos problemas, confiava nele?

Ele foi eleito pelo Comité Central, não por mim.

Mas é da sua confiança?

Não tenho razões para desconfiar de Rogério Lobato.

Mesmo que se provem as alegações?

Se se provar, claro que tudo terá de ser revisto.

O caso dos peticionários parecia simples de resolver. Porque não o fez?

Bem, agora parece que estou a descartar as responsabilidades. Mas quem sempre tratou dos problemas dos militares foi o Presidente da República. Eu estava em Lisboa quando o problema começou. E sempre acreditei que o Presidente resolvesse a questão. Quando cheguei, a coisa estava pior, e os próprios peticionários pediam para tratar do assunto com o Presidente. A verdade é que a comissão investida não mereceu confiança dos peticionários. Podia ter-se criado outra comissão. Mas se o Presidente já tratava, o Governo sentiu-se inibido. Aqui, houve um erro do Governo. Assumo: foi um erro. A comissão acabou por ser criada e foi investida na véspera da confusão. Dia 27 de Abril...

Qual a solução agora para a crise?

Recolher as armas. Os deslocados voltarem para as suas casas. O Estado vai ajudar a reconstruir casas destruídas. A comissão deve então trabalhar para resolver o problema. Os majores têm que resolver os seus problemas com os seus comandos. Os polícias serão chamados. E o que for de natureza política será discutido.

No início da crise disse que há aqui interferência internacional. Ainda tem a mesma ideia?

Ainda. Mas nunca acusei a Indonésia. Nunca falei em milícias indonésias, disse ex-milícias indonésias, que são timorenses, como sabe.

Já tentou clarificar a interpretação errada das suas palavras?

Xanana levou uma carta minha ao Presidente indonésio, e enviei outra ao Governo. Nunca acusei qualquer outro governo. O que eu digo é que há uma certa imprensa australiana que está a tentar diabolizar a minha pessoa. Alguém está a alimentar essa informação. Há interesses, de algum grupo conservador, não sei!


O primeiro-ministro timorense está a ser acusado de ter distribuído armas por civis. Para já, a acusação é apenas indirecta. Mas o objectivo das denúncias em torno do ex-ministro Rogério Lobato parece visar, acima de tudo, Mari Alkatiri.

Entrevistado na véspera do Conselho de Estado que hoje se reúne em Díli, o secretário-geral da Fretilin mostra-se apostado em resistir.

2 comentários:

Anónimo disse...

É verdadeiramente interessante o que se pode ler entre linhas.


“Defende a possibilidade de o Presidente poder demitir o Governo?

Alkatiri: Quando o sistema democrático estiver consolidado, acho que sim!”

[Estará o PM a dizer que não existe ainda a democracia razão pela qual o Presidente não pode ainda demitir um governo?]


“Que espera da investigação internacional aos crimes desta crise?

Alkatiri: “Deve investigar tudo, mas deve compreendê-la no seu contexto. Se se retirar do contexto, não ajudará nada. Só vai agravar.”

[Contexto? Em que contexto deverá a VERDADE ser averiguada? Admito não compreender esta afirmação.]


Alkatiri: “As pessoas que insistem na minha demissão são pessoas bem identificadas. Há eleições em 2007 e querem ferir a imagem do Governo, com o objectivo de adiar as eleições.

Adiar? Não querem a demissão para antecipar eleições?

Eu próprio defendia a antecipação, mas não há condições. Não há quadro legal, nem comissão nacional de eleições, nem recenseamento.”


[Deve ser a falta do sono. Já parece não pensar com coerencia]


“Leu a entrevista do ex-ministro Lobato ao Expresso? Ele assume que mandou entregar as armas a civis...

Alkatiri: Li. Falei com ele e disse-me que sim, que de facto queria enquadrá- -los na Unidade de Reserva da polícia.

Mas num quadro legal?

Naturalmente que enquadrado numa força de apoio à polícia pode existir. Não digo que seja legal, mas o objectivo seria uma força que não visa provocar distúrbios. Mas não quero defender esta medida...


Não quero influenciar ninguém. Ele sabe que sou muito cuidadoso a tomar decisões. Baseio-me muito na lei para tomar decisões.”

Aqui nestas ultimas respostas é que o PM assume a natureza ilegal desse grupo de “pisteiros” e diz que não quer defender essa medida mas foi exactamente o que tentou fazer.
Será que o “contexto” de que o PM fala é o de Timor ser um país ainda jovem onde os governantes ainda estão a “aprender” e por isso deve se compreender que as coisas nem sempre se fazem de forma legal? Quanto a ordem para mobilizar as F-FDTL à 28 de Abril o Sr PM terá mesmo tomado todo o cuidado? Até porque a lei sugere que essa ordem tenha sido ilegal.
Timor Timor, para quanto mais o teu sofrimento nas mãos de despóticos.

Anónimo disse...

A acreditar nalgumas declarações, basta haver eleições que a FRETILIN ganhará porque o povo quer... dizem isso mas sinceramente é caso para duvidar.

Traduções

Todas as traduções de inglês para português (e também de francês para português) são feitas pela Margarida, que conhecemos recentemente, mas que desde sempre nos ajuda.

Obrigado pela solidariedade, Margarida!

Mensagem inicial - 16 de Maio de 2006

"Apesar de frágil, Timor-Leste é uma jovem democracia em que acreditamos. É o país que escolhemos para viver e trabalhar. Desde dia 28 de Abril muito se tem dito sobre a situação em Timor-Leste. Boatos, rumores, alertas, declarações de países estrangeiros, inocentes ou não, têm servido para transmitir um clima de conflito e insegurança que não corresponde ao que vivemos. Vamos tentar transmitir o que se passa aqui. Não o que ouvimos dizer... "
 

Malai Azul. Lives in East Timor/Dili, speaks Portuguese and English.
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