quinta-feira, setembro 14, 2006

Uma nova fase na crise de Timor-Leste

Tradução da Margarida.

MRZine
12.09.2006

Por Tom O'Lincoln


Em 30 de Agosto, Alfredo Reinaldo, uma figura chave no motim que deitou abaixo o governo de Alkatiri, saiu a dançar do portão com outros 56 presos. Até isso ter acontecido, o pequeno e empobrecido país parecia estar a estabilizar vagarosamente, depois duma combinação de ataques internos e pressão Australiana deitar abaixo o infeliz governo do Primeiro-Ministro Mari Alkatiri.

Reinado, que tem tatuado XXX na parte detrás do pescoço a imitar Xander Cage o machão do filme, apelou a uma revolução de “poder popular”. Isto poderá ter alguma ressonância com uma população a enfrentar miséria continuada; muitos ainda em campos de deslocados.

Uma outra figura amotinada, Vicente de Conceição, ou "Railos," tinha fugido para as montanhas do oeste alguns dias mais cedo para evitar a prisão.

Ao mesmo tempo que Reinaldo desaparecia, a multi-cultural SBS TV1 da Austrália passava um documentário censurando buracos muito abertos na história que nas dão sobre a queda de Alkatiri.

A crise começou com o motim nas forças de segurança, seguida por violência de gangs. A causa principal foi a pobreza, mas os principais media Australianos culparam rapidamente o Primeiro-Ministro Alkatiri, cujo crime real foi enfrentar Canberra nas negociações sobre o petróleo e o gás. Depois descobriram o "carismatico" Reinaldo. Ele tem liderado um grupo armado divisionista que se confrontou contra as forças armadas, mas ele clama agir em auto-defesa.

Depois o programa de TV Four Corners acusou Alkatiri de organizar um esquadrão de ataque contra os seus opositores. Railos declarou que liderava este esquadrão. As acusações destruidoras forçaram a resignação de Alkatiri, depois de semanas de resistência.

Agora os jornalistas da Dateline David O'Shea e John Martinkus desafiaram toda esta narrativa. E estes tipos são credíveis. O'Shea estava com Reinaldo nas montanhas quando ela lutou contra as forças armadas pela primeira vez, e mais tarde quando ele concordou em ser detido. Martinkus tem coberto Timor-Leste há dez anos.

O'Shea e Martinkus mostram que Reinaldo disparou primeiro contra as forças armadas (O'Shea viu-o) e que Railos, alegado organizador do esquadrão de ataque de Alkatiri, estava na verdade a lutar ao lado das pessoas que era suposto ele "atacar." Railos curiosamente apareceu na cerimónia de nomeação do substituto de Alkatiri, Ramos Horta, e tem sido visto na casa do Presidente Gusmão um outro inimigo de Alkatiri.2 A linha da história criada, confeccionada para legitimar a queda do PM, não tem lógica.

Em seu lugar emergem outros padrões. Como parte da campanha contra Alkatiri, o político da Oposição Fernando Araújo queixou-se de que a sua família tinha sido aterrorizada. Talvez foram – Timor-Leste hoje é um local violento e caótico. O seu Partido Democrático ajudou a co-ordenar manifestações anti-Alkatiri – em si próprio isto poderia ser apenas a democracia a funcionar, apesar de (ser) com uma pequena assistência das tropas Australianas . . . mas vejam quem mais o ajudou. Um ajudante foi Rui Lopes, de quem O'Shea e Martinkus dizem que "fez fortuna através das suas apertadas conexões com a Kopassus, as famosas Forças Especiais Indonésias." Um outro foi Nemecio de Carvalho, antigo líder duma das piores milícias que aterrorizaram os Timorenses em 1999.

Contudo uma outra força a pressionar para a remoção de Alkatiri foi a hierarquia da Igreja, e não se limitaram a rezar. "Forças confiáveis no alto comando das forças armadas disseram à Dateline que dois padres urgiram-nos pessoalmente a correr com Alkatiri." E há mais:

Em finais de 2005, o Chefe das Forças Armadas, o Brigadeiro-General Taur Matan Ruak e o Tenente-Coronel Falur Rate Kaek foram contactados por dois líderes Timorenses acompanhados por dois estrangeiros em duas ocasiões separadas. Os quatro pediram também que as forças armadas, as F-FDTL, removessem o Primeiro-Ministro Alkatiri.
Aqui a evidência não é clara. Eram os estrangeiros Americanos ou Australianos? Ninguém sabe ao certo. Alkatiri não pode provar que havia uma conspiração generalizada contra ele. Limita-se a dizer: "Evidência, não. Mas o único primeiro-ministro no mundo que me estava realmente a 'aconselhar-me' abrir parêntesis - fechar parêntesis, a sair era o Primeiro-Ministro da Austrália."

Parece que as investigações actualmente procedem nos eventos dos últimos meses, e que figuras como Reinado e Railos são as que estão a ficar sob escrutínio mais apertado. Mário Carrascalão, um outro político da direita, lamentou que "Railos sente-se frustrado. Forneceu informação para ajudar a resolver o problema mas iam prendê-lo."3

Canberra ganhou o que queria quando José Ramos Horta substituiu Alkatiri. Horta é um campeão do neo-liberalismo e dos investidores estrangeiros: declarou recentemente que a "Austrália não pode ser sempre filantrópica com tudo o que faz para Timor-Leste." Isto foi em relação com os depósitos de petróleo e gás localizados entre os dois países, sobre os quais a Austrália tem estado completamente fora da lei nas negociações.

Mas começando com a fuga da prisão, para o que partilham alguma da culpa – aparentemente era suposto guardarem o exterior da prisão – as forças Australianas começam a estar sujeitas a uma maior pressão política.

Em Julho passado o antigo ministro do interior Rogério Lobato acusou-os de violarem as leis dos direitos humanos, depois prenderam-no com acusações relacionadas com armas, dizendo que tinham usado força e não tinham um mandato judicial. Em 28 de Agosto, o Chefe da Academia de Polícia Timorense Júlio Hornai disse ao jornal The Age que polícias Australianos o tinham forçado a despir em público o seu uniforme. Em 22 Agosto atiradores de pedras feriram sete polícias Australianos, e no princípio de Setembro, uma multidão atirou-se contra polícias Australianos depois de um confronto na rua. Mesmo a muito pró-Australiana primeira dama, Kirsty Sword Gusmão, diz que os Aussies estão longe do povo e que "têm muito pouco conhecimento local."4

Entretanto falhou a tentativa de há muito tempo da ONU para esconder o abuso sexual do seu pessoal civil e em uniforme em Timor-Leste. A verdade veio à luz do dia.5

Dado o crescente descontentamento com a presença estrangeira, dado que a Fretilin é ainda a organização política do país, e tendo em vista a partida para as montanhas de Reinado e Railos com armas e manifestos, com 100,000 pessoas em campos de deslocados, há também alguma pressão sob Horta de ser mais do que um lambe-botas do imperialismo. Isto expressa-se no modo como diz um correspondente de Murdoch com base em New York "num tom agressivo anti-Australiano " e na verdade "criticismo venonoso " em resposta à fuga da prisão. Imprecisamente ligado a isto há exigências para que as forças Australianas se submetam ao controlo da ONU.6

Ausente está qualquer movimento político significativo orientado para o povo. Sem isso, o descontentamento popular pode ser canalizado para apoiar Reinado, ou a ala direita, ou grupos perigosos como os gangs de artes marciais com 30,000 elementos que grassam por Timor-Leste.

É verdade que para alguns as coisas estão melhor sob Horta. "A gente dos negócios diz que as autorizações agora demoram horas e não dias, os contentores agora movimentam-se com mais rapidez para fora dos portos e a corrupção parece contida."7 O governo tenta bastante responder às necessidades do capital.

Entretanto, 100,000 deslocados vivem ainda debaixo de panos, e a estação das chuvas vai criar um inferno.



1 Transcrições da SBS Dateline, "East Timor - Downfall of a Prime Minister," 30 Agosto 2006. Esta é a fonte para tudo que não em nota de rodapé próprio. Disponível em .

2 Parece também que o Gabinete do presidente pagou a conta do hotel de Reinado a primeira vez que esteve em fuga. Mark Dodd, "Claim That President Paid Major's Hotel Bill," The Australian, 12 Setembro 2006.

3 Lindsay Murdoch, "Timor Faces New Rebellion," The Age, 2 Setembro 2006.

4 John Stapleton, "Forces Must Know the People," The Australian, 4 Setembro 2006.

5 Veja Lindsay Murdoch, "UN Acts to Stamp Out Sex Abuse by Staff in East Timor," The Age, 30 Agosto 2006.

6 David Nason, "Venom Threatens Separate Mission," The Australian, 4 Setembro 2006. Como as acusações dos abusos sugerem a ONU não é uma melhoria necessariamente.

7 Murdoch, "Timor Faces New Rebellion."

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Traduções

Todas as traduções de inglês para português (e também de francês para português) são feitas pela Margarida, que conhecemos recentemente, mas que desde sempre nos ajuda.

Obrigado pela solidariedade, Margarida!

Mensagem inicial - 16 de Maio de 2006

"Apesar de frágil, Timor-Leste é uma jovem democracia em que acreditamos. É o país que escolhemos para viver e trabalhar. Desde dia 28 de Abril muito se tem dito sobre a situação em Timor-Leste. Boatos, rumores, alertas, declarações de países estrangeiros, inocentes ou não, têm servido para transmitir um clima de conflito e insegurança que não corresponde ao que vivemos. Vamos tentar transmitir o que se passa aqui. Não o que ouvimos dizer... "
 

Malai Azul. Lives in East Timor/Dili, speaks Portuguese and English.
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